A farra da iniciativa privada na privatização da Corsan: consultorias receberam mais de R$ 40 milhões de dinheiro público sem licitação

A privatização da Corsan não serviu apenas para beneficiar o consórcio comprador da companhia. Ao longo de todo o processo preparatório para a realização do leilão, diversas consultorias privadas encheram seus cofres com o dinheiro público oriundo do pagamento das contas de água de milhões de gaúchas e gaúchos. A ALVAREZ & MARSAL CONSULTORIA EM ENGENHARIA LTDA, por exemplo, que realizou a análise do CAPEX (um dos itens para o cálculo do valuation), recebeu R$ 6,6 milhões para realizar o estudo. A PRICEWATERHOUSECOOPERS AUDITORES INDEPENDENTES, que atuou na elaboração na oferta pública de ações (IPO), recebeu R$ 5,4 milhões. Ao menos outros 14 escritórios e consultorias aparecem como responsáveis pela elaboração de estudos que subsidiaram o processo de venda da Corsan.

Se não bastasse o exagero no número de contratações de consultorias, a forma de contratação também é outra questão que causa espanto, afinal, todas elas foram contratadas sem licitação. “Ao analisarmos todos os fatos, não resta dúvida que o processo de venda da Corsan é nebuloso. O interesse público, os interesses da população do Rio Grande do Sul, nunca estiveram em primeiro lugar”, ressalta o deputado Miguel Rossetto (PT), um dos parlamentares integrantes da Comissão de Economia da Assembleia Legislativa que tiveram acesso à íntegra dos processos que tramitam no Tribunal de Contas do Estado.

Somando o valor de 16 consultorias citadas no processo de privatização da Corsan, o valor pago pela companhia chega a R$ 40,8 milhões. Porém, este valor tende a ser muito maior, já que outras cerca de 20 contratações efetuadas em processo de inexigibilidade, ou seja, sem licitação, foram realizadas pela Corsan entre 2019 e 2023. A bancada do PT está preparando um pedido de informações, com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), para identificar o objeto desses contratos.

Além disso, o líder da bancada, Luiz Fernando Mainardi, encaminhou ofício ao Tribunal de Contas do Estado para que o presidente da Corte, Alexandre Postal, receba os deputados estaduais do partido que tiveram acesso ao processo sigiloso. O objetivo é defender que os trâmites dentro do tribunal sejam respeitados e que os pedidos realizados pelo Ministério Público de Contas, que pedem aprofundamento das análises, sejam autorizados.

No caso da contratação da Alvarez & Marsal, que efetuou dois contratos com a Corsan (19/09/2020 e 01/08/2022), há outro elemento que está em análise. Desde julho de 2021, a empresa também presta serviço para a AEGEA, consórcio que venceu o leilão da Corsan no final de 2022. A consultoria atuou para a AEGEA em atividades ligadas à Ambiental Metrosul, consórcio contratado para prestar serviço na Região Metropolitana do RS através de PPP. Ademais, a relação entre empresas é um dos itens apontado pelo Ministério Público de Contas que necessitam de uma análise mais aprofundada por suspeita de fornecimento de informações privilegiadas. No mesmo sentido, o escritório de Advocacia CMT Advogados, que tem trabalhado na Corsan na elaboração dos termos aditivos assinados com as prefeituras, tem como sócio fundador o advogado Rafael Bicca Machado. Rafael é irmão de André Bicca Machado, Diretor da AEGEA Saneamento.

“O que está em discussão não é o fato de ser contra ou a favor da privatização. O que estamos alertando é que existem muitos elementos que o Rio Grande do Sul está fazendo um péssimo negócio. O risco de dano ao Erário e o risco jurídico caso a privatização seja efetiva são enormes. E estamos tratando aqui de informações públicas. Existem outras centenas de informações sigilosas que ainda não podemos abordar, mas que podemos afirmar que são preocupantes”, ressalta o deputado Jeferson Fernandes (PT), que também teve acesso às informações dos processos que tramitam no Tribunal de Contas do Estado.

O deputado Zé Nunes (PT), que também teve acesso ao processo, ressalta que boa parte das consultorias foram contratadas sem nenhuma necessidade. “A Corsan dispõe de um corpo jurídico qualificado. Além disso, tem o convênio com a Procuradoria Geral do Estado. Causa muita estranheza a quantidade de consultorias contratadas, principalmente na área jurídica”.

Com o valor gasto em consultorias, a Corsan cobriria os investimentos necessários para cumprir as metas do Marco Regulatório do Saneamento em Três Coroas, por exemplo. O município do Vale do Paranhana tem uma previsão de investimentos de R$ 28 milhões. O valor também atenderia as obras necessárias em Agudo, Bom Retiro do Sul, Cambará do Sul, Erval Seco, Faxinal do Soturno, General Câmara, Glorinha, Inhacorá, Itapuca, Marques de Souza, Mostardas, Nova Hartz, Nova Petrópolis, Palmares do Sul, Paverama, Pejuçara, Redentora, Rio dos Índios, Rolante, Salto do Jacuí, Santa Maria do Herval, São Jerônimo, São José do Herval, Tavares, Tenente Portela, Terra de Areia, Tupanciretã e Vila Nova do Sul, entre outros.

Veja a lista das consultorias e os valores recebidos por cada uma delas

ALVAREZ & MARSAL CONSULTORIA EM ENGENHARIA LTDA R$ 10,3 milhões

BANCO GENIAL SA R$ 5,6 milhões

PRICEWATERHOUSECOOPERS AUDITORES INDEPENDENTES R$ 5,4 milhões

CARVALHO, MACHADO E TIMM ADVOGADOS R$ 5,3 milhões

A.T. KEARNEY CONSULTORIA E GESTÃO EMPRESARIAL LTDA R$ 2,9 milhões

TÔRRES, CORRÊA, OLIVEIRA ADVOCACIA R$ 2,2 milhões

LEFOSSE ADVOGADOS R$ 1,6 milhões

GRANT THORNTON AUDITORES INDEPENDENTES R$ 1,5 milhões

BANCO BTG PACTUAL R$ 1,05 milhões

FINENGE E ASSOCIADOS LTDA R$ 1,6 milhões

FINENGE E ASSOCIADOS LTDA R$ 771 mil