domingo, 24 novembro
Foto Joaquim Moura

A ladainha neoliberal de privatizar patrimônio público, ou seja, entregar ativos que pertencem ao conjunto da sociedade aos chamados “investidores privados”, nunca foi uma política de desenvolvimento.

Ao contrário, as experiências que tivemos no Brasil e no RS a partir da década de 1990 (telefonia, energia elétrica, dentre outros setores) demonstram que serviram exclusivamente aos interesses de pequenos e poderosos grupos ligados ao capital internacional. Esses “abnegados” investidores assumem o comando administrativo e financeiro dessas estatais para auferir lucros fabulosos às custas do saque ao bolso dos contribuintes.

De acordo com o geólogo Delmar Mattes, ex-secretário de Vias Públicas e de Obras da Prefeitura de SP, a Sabesp, Companhia de Saneamento do Governo do Estado de SP, que corresponde à Corsan no RS, após a abertura do seu capital para a iniciativa privada, transferiu em 10 anos mais de 4 bilhões de reais aos seus acionistas a título de dividendos.

Já no que diz respeito aos investimentos totais anunciados em saneamento, eles nunca foram cumpridos, ao mesmo tempo em que as tarifas ao consumidor sofreram aumentos absurdos. Aliás, esta é uma regra de ouro. Não existem milagres. Se a prioridade passa a ser a transferência de lucros fabulosos para os novos acionistas, evidente que, por um lado, as promessas de expansão da rede de saneamento não serão cumpridas na sua totalidade e, por outro, os consumidores, especialmente as pessoas físicas, sofrerão com o aumento indiscriminado das tarifas.

Um exemplo gritante aqui no RS foi o caso de Uruguaiana em 2011, cuja privatização do saneamento se deu através de uma forte pressão da presidência da Famurs (Federação das Associações dos Municípios do RS) sobre os municípios. Um processo eivado de denúncias de corrupção, cujo saldo é o descumprimento das metas contratuais e a ampliação das tarifas ao consumidor. A Prefeitura de Uruguaiana cobra da atual empresa concessionária (BRK Ambiental), a título de multas, a “módica” quantia de R$ 30 milhões por descumprimento contratual.  Até hoje não viu um centavo do valor devido pela BRK.

Um outro aspecto relevante nesse debate do chamado Novo Marco Regulatório do Saneamento (Lei Federal 14.026/2020), que abriu definitivamente as portas para a privatização do setor no Brasil, é o fim do subsídio cruzado.

A Corsan, por exemplo, através do subsídio cruzado, investe em dezenas de municípios do RS cuja arrecadação tarifária não lhe cobre os custos operacionais. Esses recursos repassados do seu caixa têm origem em municípios de porte médio e grande cuja arrecadação assegura esse superávit, que é reinvestido nas cidades de pequeno porte. Esta é uma política pública generosa e de caráter universalista que acabará no mesmo instante em que for batido o martelo consumando a privatização da estatal gaúcha de saneamento.

A pergunta que não quer calar é a seguinte: Se consumada a privatização pretendida pelo governador Eduardo Leite, que semelhante a Antônio Britto demonstrou ser um homem público sem palavra, quem assumirá o abastecimento de dezenas de pequenos municípios do RS? Para quem ficará essa conta? Alguém acredita que os chamados investidores privados têm algum outro interesse que não seja a multiplicação geométrica dos valores que aportarão a título de compra de 70% do controle acionário da empresa?

A receita geral do RS para 2021 está prevista em pouco mais de R$ 58 bilhões. Eduardo Leite quer entregar uma estatal que atende 317 municípios gaúchos pelo valor estimado de “mercado” de R$ 3 bilhões. Ou seja, pretende entregar um patrimônio público superavitário, de valor social incalculável, por pouco mais de 5% da receita de 01 ano do RS. Esse sempre foi o negócio dos sonhos dos ávidos capitalistas vinculados ao setor financeiro. E mais uma tragédia para o povo gaúcho. Ainda há tempo de barrá-la.

Jeferson Fernandes, Deputado Estadual (PT), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Água Pública.

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