Água, serviço público

Água, serviço público
Foto Joaquim Moura

*Jeferson Fernandes

Na década de 1990, o Banco Mundial apontava uma visão de desenvolvimento sustentável, com um Estado Mínimo favorecendo ao setor privado a mercantilização de serviços e recursos que antes eram tidos como públicos. A água, como recurso natural em si, e todos os serviços que derivam do seu gerenciamento, como abastecimento, saneamento, irrigação, geração de energia elétrica, produção industrial, passariam a ser regulados por legislações cuja principal função seria garantir a valorização econômica da água e a cobrança não apenas pelos serviços que dela derivam, mas também pelo seu uso como uma mercadoria passível de direitos de propriedade e de todas as regras que definem a posse particular de um bem.

Ao mesmo tempo que o presidente FHC (1994-2002) apostava na modernização do saneamento; por outro lado, sufocava financeiramente as empresas municipais e estaduais de abastecimento ao optar por uma estratégia de modernização privatista. Essa estratégia, concluída com a aprovação do Novo Marco regulatório do saneamento neste ano de 2021, é clara: impedir investimentos estatais, precarizar o sistema de saneamento e deixar gestões municipais reféns do setor privado.

O direito à água limpa e segura não tem vinculação jurídica no Brasil, embora o país tenha aderido à resolução da ONU de que água e saneamento são direitos humanos fundamentais; e o artigo sexto da Constituição Federal afirme a água como um direito social.

Reconhecer a água como um direito fundamental implica responsabilizar o Estado pelo seu provimento para toda a população. Todos nós sabemos que não há vida sem água. Por isso, são necessárias ações locais para garantir que este direito não esteja sujeito às regras de mercado, mas à lógica do direito à vida.

A escassez da água pode reduzir o crescimento econômico em 6%, segundo o Banco Mundial. Nesse sentido, o Brasil é território estratégico para a exploração do capital financeiro, com 12% da água doce do mundo. No entanto, 35% dos brasileiros não têm acesso à água potável e quase 100 milhões de pessoas vivem sem saneamento básico (67%), o que não garante qualidade de vida adequada para a manutenção da saúde.

Dos 497 municípios gaúchos, 317 têm contratos com a Corsan, totalizando 6 milhões de usuários. O novo Marco Regulatório do Saneamento favorece a ofensiva de privatização da Companhia, retirando o caráter público dos serviços. Assim, os contratos em vigor serão transformados em concessões à empresa privada que assumir a estatal gaúcha, com prazo até 2022 para adequação dos municípios. Após essa data, poderão ser renovados por 30 anos desde que comprovem viabilidade econômico-financeira, ou seja, consigam se manter por conta própria.  A lei 14.026/2020, que institui o novo Marco Regulatório do Saneamento, acaba com o subsídio cruzado, o que significa que a execução de obras e prestação de serviços aos municípios mais pobres, que são financiados em parte pelos municípios mais populosos, fica inviabilizada. Os maiores riscos recaem sobre os municípios com menos de 5 mil habitantes, que devem aumentar a conta da água para poder sobreviver.

O governador Eduardo Leite estima que, além das Parcerias Público-Privadas (PPPs) e da Oferta Pública Inicial (IPO), a Corsan se torne uma Companhia de Capital Aberto com papéis negociados no pregão da Bolsa de Valores. Acredita ainda que o Estado possa discutir a entrega do controle da empresa por entender que a participação privada dá maior agilidade nos investimentos.

Observa-se que a privatização da estatal necessita da aprovação do Projeto de Emenda Constitucional 280/2019, que revoga o artigo 22, dispensando a consulta pública para venda de sociedade de economia mista, como é o caso da Corsan, do Banrisul e da Procergs. Para a aprovação, são necessários 33 votos favoráveis num universo de 55 deputados.

Vale reforçar que a entrega do patrimônio público, gerador de receitas para o Poder Público, a empresas privadas que só visam o lucro, não dá garantia de saneamento para a melhoria da saúde e redução da desigualdade social. A universalização do saneamento só poderá ser atingida por meio da prestação de serviços públicos.

*Deputado Estadual – PT