sábado, 23 novembro

Ex-prefeito de Caxias criticou atuação de governos federal, estadual e municipal no enfrentamento à pandemia

Antonio Valiente / Agencia RBS

Diante do momento crítico da pandemia, o Pioneiro inicia uma série de entrevistas com deputados estaduais que representam a região da Serra. Além de assuntos políticos, a ideia é ouvir posicionamentos dos parlamentares acerca do enfrentamento à pandemia. O primeiro entrevistado é o deputado estadual Pepe Vargas (PT). O ex-prefeito de Caxias preside atualmente a Comissão de Representação Externa que acompanha a vacinação do Estado. Confira trechos da entrevista:

Pioneiro: De que forma atua essa comissão?

Pepe Vargas: A comissão de representação externa é constituída para situações anormais, catástrofes, epidemias, assuntos extraordinários. Vamos produzir relatório contendo recomendações ao Estado. Estamos fazendo conjunto de reuniões. Por exemplo, na semana passada nos reunimos com especialistas e com fornecedores de vacinas.

Como o senhor avalia a atuação do governo estadual no enfrentamento à pandemia?

Ainda em dezembro, começamos a levantar a necessidade de o Estado entrar no movimento de compra de vacinas, quando foi votada a prorrogação das alíquotas do ICMS, com o compromisso de utilizar esses recursos para aquisição de vacinas e insumos para imunização da população. O Estado teria dinheiro para comprar? Teria, mas teria de tirar de outras áreas. Ele demorou, no nosso ver, para encaminhar o projeto de lei para autorizar formal e juridicamente condições de aquisição das vacinas. Tão logo chegou, aprovamos. Então, desde meados de fevereiro o governador já tem condições legais de adquirir vacinas. Acho que o Estado está sendo lento.

Esse atraso é efeito-dominó que começa no governo federal?

Desde setembro tinha ofertas da Pfizer, (o governo) não quis alegando coisas estapafúrdias. Não quis entrar no consórcio Covax-Facility, da Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo qual o Brasil teria direito a 100 milhões de vacinas e só aceitou entrar depois de muita pressão e com quantificativo de só 10 milhões. Também só aceitou contrato com o (Instituto) Butantan depois de muita pressão. O Brasil entrou atrasado em tudo. Desde o ano passado, havia decisão do ministro (Ricardo) Lewandowski dizendo que os entes federados poderiam adquirir e importar vacina. E até o momento o governo do Estado não tem nenhum pré-acordo ou termo de intenções de compra encaminhado. Temos um governo federal com lentidão e um governo estadual que ficou por muito tempo achando que o governo federal ia resolver o problema, e nós dizendo ‘não vai resolver’. O ministro Pazuello tinha prometido 39,7 milhões de vacinas no final de fevereiro, hoje já são de 22 a 25 (milhões).

Acompanha movimento de outros Estados? Qual comparativo?

O consórcio de governadores do Nordeste já tem contrato firmado para importação de 39 milhões de vacinas. Vamos recomendar no relatório final (da comissão) que o Estado agilize esse procedimento e faça pré-acordos. Tem municípios já mandando documentação para fazer pré-acordos e tentar importação e o Estado não tem nenhum até o momento. Há 10 dias, vacinávamos no RS pouco mais de 11 mil pessoas por dia. Para chegar a 70% da população gaúcha acima dos 18 anos, levaríamos mais de 550 dias. Quase dois anos. Países que estão tendo sucesso na vacinação já têm queda expressiva de casos, consequentemente as economias deles vão ter mais cedo menos constrangimentos para funcionar em sua plenitude e, obviamente, menos pessoas estão morrendo.

Atribui esse atraso à postura do presidente Bolsonaro?

O Brasil vive um caos, isso é inegável. Não tem leito, nem clínico e nem de UTI. Se não se tomar nenhuma medida, vai ter desabastecimento de medicamentos necessários para fazer a entubação e sedação dos pacientes. E quando se consegue esses medicamentos, há  uma cobrança de preços extremamente elevados que não eram praticados antes da pandemia. Está havendo um crime contra a economia e a saúde da população por parte de alguns fornecedores e o governo federal não toma atitude nenhuma. Nós temos um presidente que não usa máscara, que diz que é uma gripezinha, que é coisa de maricas, que ameaça governadores… É o caos completo. O Brasil tem uma história de imunização fantástica, se tivesse vacina disponível vacinaríamos rapidamente milhões de pessoas. O SUS tem essa capacidade. Na epidemia de H1N1, em seis, oito meses, vacinamos milhões. Agora, naquela época, tínhamos um ministro da Saúde que entendia do riscado e um governo que acreditava na ciência. Agora tudo está ideologizado.

A politização do tema atrapalha?

O Bolsonaro dizia que a CoronaVac era a “vachina”. O Brasil depende da China para um bocado de coisas. A OMS pra ele é comunista, uns troços doidos, que não é possível. Tudo virou isso. Tem gente que segue ele e politizou esse processo, é lamentável. Cada vez que esse cara circula no país, ele está contaminando um monte de gente, porque as pessoas fazem um monte de aglomeração, ele mesmo não usa máscara, os auxiliares imediatos não usam máscara. Mas além do comportamento dele, tem essas questões de que ou houve omissão ou por ação deliberada não foram encaminhadas, como pré-contrato com a Pfizer, que poderíamos ter desde setembro e até hoje não temos. O que justifica ele não ter entrado no Covax-Facility?

Na sua visão, há omissão de parte do Congresso quanto a processo de impeachment?

Crimes de responsabilidade ele já cometeu às pencas. O problema é que o Congresso, majoritariamente, não fará isso neste momento. Mas espero que um dia, a continuar do jeito que está, o único jeito de sairmos desse buraco é ter o impeachment dele. Ele não contribui e isso prejudica a economia brasileira. Imagina até quando vamos recuperar tudo que se perdeu. Precisamos de distanciamento e vacina. Não temos nenhum dos dois.

Esse comportamento em relação às orientações científicas e especializadas também é visto em parlamentares. Acha que há uma crise de responsabilidade política nesse sentido?

Atrapalha muito, principalmente as equipes de saúde. Neste momento, precisamos ouvir quem são as autoridades, a Sociedade Brasileira de Infectologia, a Associação Médica Brasileira, a Organização Pan-Americana de Saúde, a OMS… Essas deveriam ser ouvidas. Mas não é o que muitos governos fazem, e tem parlamentares nos planos municipal, estadual e federal que também entram nessa onda de questionar a ciência e instituições que historicamente cumpriram seu papel. Se temos erradicação de varíola, de poliomielite, foi por orientações da OMS, da Organização Pan-Americana da Saúde, do plano histórico nacional de imunização. Isso nunca foi ideologizado, independente do governo, era observado e seguido. Agora virou o troço de que tudo é relativizado.

Há uma comoção de diversos segmentos pela flexibilização. O senhor pensa que é possível haver uma reabertura em nível maior?

Flexibilizar mais do que está vai ser uma tragédia maior do que já está agora, já estamos vivendo uma tragédia. O problema é que não é dado nenhum suporte econômico para micro, pequena e média empresa. E o argumento é que o Brasil não teria poupança interna para dar essa ajuda como outros países estão fazendo. Mas nenhum país tem poupança interna para enfrentar isso. Os países estão emitindo títulos da dívida pública, ampliando um percentual de sua dívida. Os EUA ou qualquer país europeu têm dívida pública sobre o seu PIB muito maior do que a brasileira sobre o PIB brasileiro. Mas eles fazem isso pensando que é melhor governo se endividar, mas salvar empregos e pessoas. Aqui se criou essa história, e por isso vemos empresários desesperados, não têm suporte, apoio nenhum.

E quanto ao comportamento resistente de parte da população?

Neste momento, era desejado muito menor circulação, as pessoas precisariam ajudar mais, algumas baixaram a guarda, cansaram, outros sabe-se lá que razão, mas precisaríamos ter muito mais cuidado, como foi lá no início, mas para isso precisaria ter suporte econômico. As prefeituras poderiam fazer isso, IPTU, devolve o ISS que o cara paga no Simples… O objetivo disso tudo é o sistema de saúde voltar à estabilidade para que essa ultrapassagem da capacidade de atendimento deixe de acontecer. Esse é o drama, e nem só para quem tem covid. Se o cara tiver um infarto de miocárdio, sofrer acidente de trânsito e precisar de atendimento, não vai ter, vai morrer.

E o governo Adiló, como avalia a atuação no enfrentamento à pandemia?

Acho que não se diferencia muito do que o governo estadual está fazendo. Falta ampliar a testagem, fazer busca ativa, gastar dinheiro nisso para tentar bloquear o vírus o máximo possível. Não estou dizendo que não é feito, mas deveria ampliar os testes e fazer busca ativa de todos os contatos daqueles pacientes sintomáticos que estão testando positivo. E fazer monitoramento da quarentena domiciliar. E ter medidas de suporte econômico para poder pedir às atividades que mais se ressentem terem grau de restrição em determinado momento para sair desse colapso.

Eleições de 2022 estão mais próximas do que parecem. Na possibilidade de o ex-presidente Lula concorrer, qual cenário eleitoral surge com isso, na sua visão?

Não é hora de discutir eleições, o próprio Lula já disse isso. É hora de discutir soluções e propostas para o enfrentamento da pandemia e salvar a vida das pessoas e a economia desse país. Não é hora de debate eleitoral.

Fonte: Grupo RBS

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