(Foto: Reprodução/Facebook)
Redução do auxílio de R$ 600 para R$ 300 é a representação do abandono
Dona Tânia foi uma das brasileiras a se inscrever, pelo aplicativo, para receber o auxílio emergencial nos primeiros dias de abril. Na esperança de cuidar do filho e da sua saúde, desempregada e contando com esse dinheiro para viver, dona Tânia teve a primeira resposta do governo: benefício negado porque estava morta!
Sim, aquela mulher estava morta aos olhos do governo federal. Em desespero, começou a bater de porta em porta para provar que estava viva. E essa verdadeira peregrinação somente gerou frutos cinco meses depois, quando, em 21 de setembro, recebeu a primeira parcela do auxílio emergencial no valor de R$ 600.
Dona Tânia representa milhares de histórias no Brasil, neste país da desigualdade, da negligência para tratar da vida, da alimentação e da sobrevivência dos mais pobres. Não coincidentemente, dona Tânia é uma mulher negra e mãe solo. São 43 milhões de pessoas com benefício negado desde o primeiro momento —e que a Defensoria Pública da União estima chegar a 60 milhões.
São milhares de Tânias, Joanas, Marias e Pedros que tentam sobreviver antes que o governo os faça morrer. E são muitas as formas de morrer: negligência e falta de respostas por parte do poder público; de fome, com a insegurança alimentar grave que atingiu 10,3 milhões de brasileiros em 2018, sendo mais da metade desses domicílios chefiados por mulheres; e de abandono e tristeza.
A desigualdade se aprofunda assustadoramente em 2020. Enquanto o PIB cairá 7%, o número de bilionários subiu 16% e a renda deles aumentou 33%. A dona Tânia não receberá os valores previstos na medida provisória 1.000/2020, mesmo que o erro tenha sido do governo federal. Os valores dos meses de maior dificuldade na sua vida não serão garantidos. Ela receberá daqui para frente, esquecendo o que passou.
A MP, além de reduzir os valores do auxílio emergencial pela metade, ampliou significativamente os critérios para recebimento. É a representação do abandono e do descaso com a população brasileira. Em resposta ao El País, em julho de 2019, Jair Bolsonaro afirmou: “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira, é um discurso populista”, disse.
Ou seja: uma demonstração evidente de desrespeito e desconhecimento da população brasileira. Por isso, lançamos um abaixo-assinado a ser encaminhado aos congressistas (www.600atedezembro.org.br).
Estamos atentos. A campanha Renda Básica que Queremos e a Rede Brasileira de Renda Básica acompanham o enterro do Renda Brasil, que já noutro dia foi ressuscitado pela equipe econômica. Estamos na luta para que as Tânias não sejam mais esquecidas nas políticas de renda deste país.
É imprescindível avaliar o impacto de redução em 7% do PIB em 2020, enquanto os muito ricos aumentam suas fortunas. Não é mais possível esconder as desigualdades, a fome e o desemprego. Não é mais possível argumentar sobre falta de recursos, pois eles existem. É necessário explicar porque não querem descentralizá-los.
Queremos a Tânia viva! Aliás, queremos que a vida e a esperança sejam a nova forma de viver esse “novo normal”, que somente será viável com uma renda básica permanente e cidadã!
TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Texto: Paola Carvalho, diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica
* Publicado originalmente na Folha de São Paulo