A ditadura, que começou muito violenta, a partir de 1968, ficou extremamente cruel”, observou o ex-deputado Pedro Ruas, em oitiva da Subcomissão para Recuperar o Conteúdo das Denúncias de Violações de Direitos Humanos durante a Ditadura Civil, Militar recebidos pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Alergs (CCDH). A reunião foi realizada na manhã desta quarta-feira, sob presidência do deputado Jeferson Fernandes (PT), proponente da Subcomissão, para dar continuidade à recuperação da memória do período de Exceção no Brasil e RS, cujos documentos referentes a atendimentos e ações realizadas pela CCDH à época desapareceram em condições ignoradas.
O sumiço dos documentos foi denunciado pelo presidente da CCDH naquele período, o deputado Antenor Ferrari (MDB), primeiro a ser ouvido em audiência da Subcomissão. Porém, conforme Ruas, que presidiu a Subcomissão da Memória, Verdade e Justiça, em 2015, este material não foi o único a desaparecer. Ele lembrou que, em 1966, antes portanto do AI5, a Assembleia chegou a realizar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as condições da morte do sargento do Exército Manoel Raimundo Soares, que havia sido preso em Porto Alegre por distribuir folhetos contrários à ditadura. Testemunhas que ficaram presas no mesmo local que o sargento, cujo corpo foi jogado no Rio Jacuí, com as mãos amarradas para trás, no que ficou conhecido como o “Caso das Mãos Amarradas”, denunciaram ter presenciado torturas bárbaras que teriam culminado na morte dele. “São, portanto episódios envolvendo a Assembleia Legislativa, cujo material não foi localizado. Acredito que isso tenha sumido na década de 1970”, assinalou, acrescentando a participação do Legislativo também na investigação do “Caso do Sequestro dos Uruguaios”, quando os ativistas uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Diaz, além de duas crianças, foram sequestrados no RS por militares uruguaios em parceria com militares brasileiros, e entregues à Ditadura daquele país.
O ex-deputado destacou a decisão “corajosa” da Assembleia gaúcha de trazer para si a apuração do Caso das Mãos Amarradas. “Havia a certeza de que se tratava de uma arbitrariedade política do sistema. Afinal, quando falamos em repressão, precisamos entender que partia do Exército, Marinha, Aeronautica, das polícias civil e militar e de todo um aparato paramilitar. Não havia para onde correr”, analisou. Ele elogiou o papel do Parlamento na criação da primeira Comissão de Direitos Humanos do Brasil, capitaneada por Ferrari, e da Ordem dos Advogados do Brasil no período. “Aí vem o grande mérito da Alergs e da OAB em acolher as pessoas ameaçadas pelo Regime, em ser um dos muros de contenção naquela situação. Muita gente dormia e comia na Assembleia”, narrou.
Por outro lado, Ruas apontou a omissão do Legislativo no caso da cassação de Terezinha Chaise, em 1968, eleita deputada com a maior votação do Brasil no ano anterior. “Ela foi cassada sem nenhum processo, sem estar ligada a nenhuma organização contra a ditadura, apenas por ser casada com o prefeito Sereno Chaise”, acrescentou, lamentando que nenhum deputado a tenha defendido naquela ocasião. “Saiu chorando da sessão sem que nenhum colega parlamentar tivesse subido à tribuna para protestar por ela. A Assembleia foi subserviente”, criticou, lembrando que o marido de Terezinha, prefeito de Porto Alegre, havia sido cassado no ano anterior.
Pedro Ruas observou uma mudança significativa na atuação da Ditadura a partir de 1968. Para ele, é neste período que o Regime começa a matar mais do que interrogar. “A Ditadura concluiu que já sabia tudo o que precisava saber sobre as organizações de oposição. Então, o próximo passo era eliminar as pessoas. Muita gente desapareceu nesta época. O próprio Fernando Santa Cruz foi morto com 26 anos e nunca teve o corpo encontrado. Ele tinha um filho de dois anos”, narrou, citando o caso da morte do pai do atual presidente da OAB/Brasil, Felipe Santa Cruz.
Ruas lembrou ainda que as ditaduras do Uruguai e da Argentina já partiam desta etapa de mais mortes do que interrogatórios, razão pela qual a entrega dos uruguaios ao regime daquele país de origem não representava prisão, mas as sentenças de morte da dupla. Porém, fez a ressalva de que no Brasil as cadeias de comando eram também responsáveis pelas torturas e mortes, que não ocorriam apenas por decisão isolada dos torturadores. “Quando a gente aponta o torturador; ele é torturador, merece. Mas devemos lembrar que acima dele há um chefe, que tem outro chefe acima e, assim, se chega ao secretário de Segurança da época, ao governador, aos ministros…”, explicou.
Por fim, o ex-deputado ressaltou a relevância do trabalho da Subcomissão na recuperação da verdade e da justiça no que tange ao período ditatorial. “A luta por Memória, Verdade e Justiça é muito importante e muito séria. A Subcomissão é mais do que oportuna neste sentido”, concluiu.
Texto: Andréa Farias (MTE 10967)