Vivemos tempos de enormes mudanças e transformações, que não são apenas materiais, mas alteram a forma como os indivíduos se relacionam em sociedade, modificando a vida tal como a concebemos e nos habituamos. Por outro lado, existem fortes evidências de que o modelo vigente de desenvolvimento global não atende às expectativas e aos desejos de uma sociedade humanista. Aliás, esta contradição também deve ter influenciado Bill Gates a escrever recentemente em seu site: “por mais terrível que seja a covid-19, as mudanças climáticas poderão ser ainda piores”.
Foram as inspirações iluministas que embalaram a travessia do gênero humano da barbárie para civilização, sendo, infelizmente, a bomba de Hiroxima e a trágica perpetuação de suas sequelas que nos revelaram amargamente que despregado da dimensão ética, o saber pode ser reprodutor de crueldades.
Estamos ainda imersos numa fase crítica da pandemia, que além de sua superação, vai requerer um largo período de recuperação, como se fosse um pós-guerra, até chegarmos no que se intitularia de um “novo normal”, que seguramente engendrará variáveis desconhecidas. E mesmo com todos os avanços do conhecimento, não devemos acalentar a ingênua ideia de que estes, embalados por naturais e bem-intencionadas virtudes, impulsionarão espontaneamente nossos propósitos civilizatórios. O maior exemplo disso é que ainda vivemos sob permanentes riscos de desvairios bélicos, desumanitários, de agressões ambientais e de condutas regressivas e intolerantes do ponto de vista universal.
Frente a isso, necessitamos agregar duas outras dimensões. A da ética do conhecimento, a fim de que ela possa se identificar com o sentido do século das luzes, que nos fez nos aproximarmos da civilização e recuarmos dos limites da brutalidade. E sua perspectiva crítica, aquele aspecto de rebeldia e de inconformismo da sapiência. Sobretudo diante de uma realidade que se pretende indiscutível, que se pense portadora da última e da penúltima palavra.
Realidade que, embora emudecida de formulações conceituais e desprovida de conteúdos, diz saber tudo sobre tudo, e o que é infinitamente mais perverso, sobre todos.
Adão Villaverde, professor, engenheiro, ex-secretário de Estado e ex-presidente da AL.