A realização de uma reunião de trabalho com representantes do Poder Público em níveis estadual e federal, da Assembleia Legislativa e de lideranças dos povos indígenas, centralizada pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, foi a principal decisão da audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos do Legislativo, que discutiu a situação das comunidades indígenas frente à pandemia, na manhã desta quarta-feira (17). O encaminhamento, sugerido pelo proponente da audiência, deputado Jeferson Fernandes (PT), decorre da necessidade de sistematizar uma estratégia gaúcha de prevenção, tratamento dos infectados, segurança alimentar e subsistência dos indígenas em face da propagação do Coronavírus. “As falas dos participantes desta manhã demonstram que há inúmeras necessidades a serem atendidas por diversas esferas do Poder Público e variadas ações ainda insuficientes sendo implementadas de forma pontual. Isso precisa ser sintonizado e potencializado para que seja mais efetivo”, resumiu o parlamentar.
De acordo com o secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos, Mauro Hauschild, o órgão realizou a distribuição de 6655 cestas básicas e kits de higiene para a população indígena, a partir de dados fornecidos pela Secretaria Especial de Saúde Indígena do governo federal (Sesai). Ele informou que outras ações dependerão do avanço da pandemia e de liberação de recursos do Tesouro. “A população indígena já sofre um processo de exclusão e, com a pandemia, isso se agrava, do ponto de vista social e econômico. O estado tem de dar uma tutela mínima para garantir a subsistência destas populações”, admitiu.
O cacique Guarani Joel Kuaray, da cidade de Erebango lamentou que a distribuição de cestas básicas pelo governo do Estado não tenha incluído aldeias Guaranis. Ele reclamou também de pouca proximidade entre a Sesai e as lideranças das tribos. “É importante também que haja computadores e acesso à internet em todas as escolas indígenas”, acrescentou.
O Cacique Adilson Policena, Kaingang, do município de Inhacorá alertou que as tribos estão passando por situação complicada. Ele observou que, além da pandemia, há uma “política contra os indígenas”. “A sociedade está bem unida para ajudar as pessoas carentes, mas parece que a comunidade indígena não faz parte disso”, lamentou. Ele detalhou as dificuldades enfrentadas pelos indígenas em função da necessidade de fazer o isolamento social, sendo que a sobrevivência da maioria das famílias se dá a partir da venda do artesanato. “Estamos evitando sair, mas vivemos do artesanato. Precisamos do apoio do setor público. Recebemos alguma ajuda da Prefeitura, da Sesai, da Funai, mas não o suficiente para que a comunidade possa ter um meio de ficar em casa. O meu medo é que o pessoal saia e traga a doença para dentro da aldeia”, disse ele, que espera uma ação da Secretaria de Justiça junto às lideranças indígenas para planejar uma política que contemple a todas as comunidades de índios do RS.
A mesma preocupação com a saída de indígenas das tribos para buscar a sobrevivência tem o integrante do Conselho Estadual de Povos Indígenas, Deoclides de Paula, da tribo Kaingang. Ele alertou que cerca de 300 indígenas do norte do estado trabalham em frigoríficos da região, nos quais há surto de Coronavírus. Segundo ele, empresas como Aurora e JBS teriam concedido 15 dias de afastamento dos trabalhadores para evitar a contaminação. “O retorno ao trabalho será um grande problema”, salientou.
Selma Teles, chefe da Divisão de Atenção à Saúde da Sesai, informou que são 80 casos de Covid 19 em indígenas no RS, destes, 13 de Bento Gonçalves, contabilizados a partir das notificações oficiais. Ela lembrou que a Sesai mantém parceria com a Funai e contestou a ideia de que não há aproximação com as lideranças indígenas, já que conta com a participação de representantes do Conselho Distrital de Saúde Indígena no Comitê que trata da Covid no órgão. “Não temos como obrigar a pessoa a ficar em casa, então a gente orienta a não fazer visitas, não compartilhar objetos, etc. A maior dificuldade são os indígenas assintomáticos, porque acham que não estão doentes. É uma cultura que valoriza o coletivo”, confidenciou.
O Procurador da República Pedro Nicolau Moura Sacco, do Ministério Público Federal, confirmou que houve distribuição de cestas básicas pelo estado a comunidades indígenas, a partir do deslocamento de verbas de setores da saúde e da educação de outras finalidades. Também mencionou iniciativas dos municípios voltadas à segurança alimentar das populações indígenas. No entanto, observou que a União teve atuação mínima neste sentido. Ele lembrou que o governo federal fez compras da Conab, a partir de verba de R$ 35,7 milhões, para todo o Brasil, com a intenção de doar 2 cestas por família de indígenas do RS, mas isso teria ocorrido na primeira quinzena de maio. “Precisaria de mais uma rodada de distribuição de cestas. Tentamos sensibilizar o governo federal, mas não adiantou. Tentamos também pela via judicial e não tivemos sucesso. Faltou aos órgãos da União uma atenção maior a este caso”, concluiu.
Rodrigo Venzon, representante da Secretaria Estadual, de Educação destacou ações voltadas aos povos indígenas, como a garantia da não realização de aulas presenciais em escolas indígenas até o final do ano letivo; a priorização de instrumentos voltados ao ensino remoto; a ação conjunta entre professores de escolas indígenas e entidades de saúde em questões educativas e de sustentabilidade; a aquisição de cestas básicas com recursos da alimentação escolar, etc. “Devo reunir com o governo na tarde de hoje e tratar da viabilidade destas questões”, adiantou.
João Maurício Farias, pelo Observatório Indigenista, criticou a ausência da Funai na audiência. “Parece que tem um cavalo de Tróia na Funai (o presidente). E o inimigo estabelece ações como a mudança por decreto das normas para demarcação de terras indígenas. É papel da Funai garantir a segurança alimentar básica dos indígenas. É fundamental que haja políticas de longo prazo para os indígenas e uma gestão voltada de fato a estes povos”, frisou.
Dr. Jorge Terra, coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado (PGE) lembrou que o órgão, embora não seja de execução, pode auxiliar nesta tarefa junto a secretarias, conselhos, etc. Ele observou que a questão indígena vem sendo tratada como “menos importante” e, por isso, não tem o devido apoio técnico na execução de políticas públicas. “Existem técnicas na construção de políticas públicas. No caso da questão indígena, por não darmos a devida importância, viemos fazendo coisas pontuais, fragmentadas. Precisamos, de fato, de uma reunião de trabalho para compartilhar informações, fazer os encaminhamentos e, assim, contribuir para que se tenha um resultado positivo”, disse o coordenador.
Por fim, o deputado Jeferson informou que vai conversar com o presidente do Legislativo, deputado Ernani Polo (PP) para buscar apoio ao somatório de esforços em favor da proteção dos indígenas. “São vários temas a sanar, como a questões dos indígenas que trabalham em frigoríficos, o recebimento do auxílio emergencial, a distribuição insuficiente de cestas básicas, enfim. Temos muito a resolver e toda ajuda é muito bem-vinda”, finalizou o petista.
Texto: Andréa Farias (MTE 10967)