Os postos de saúde, que fazem parte da atenção básica, devem assumir um papel central no combate ao novo coronavírus. É um dos serviços públicos mais descentralizados, inseridos dentro das comunidades, fazendo parte do seu dia a dia. Indubitavelmente, em se tratando de saúde, é o dispositivo mais próximo das pessoas que mais dependem dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Como a principal ferramenta da atenção básica, há a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que são formadas por equipes multiprofissionais, onde estudos apontam nitidamente indicadores positivos desse acompanhamento do cuidado ao longo do tempo, como por exemplo a redução da mortalidade infantil. No Brasil, se tornou o principal mecanismo de expansão da atenção básica. Existe um grande cardápio de ações que são executadas pelos(as) trabalhadores(as) que laboram nesse tipo de serviço.
Primeiramente, é preciso sublinhar o desfinanciamento e o subfinanciamento do SUS, e desta área em específico. A Emenda Constitucional (EC) 95/2016, com o congelamento do recurso por 20 (vinte) anos, pode comprometer aproximadamente R$ 400 bilhões de investimento na saúde de nosso povo, segundo a Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Além disso, pode-se citar o fim do bloco de financiamentos na saúde (existe uma nova forma de repasse de verbas pelo governo federal) e, ainda – mais recentemente – critérios propostos pelo Ministério da Saúde em 2019, onde se dá o fim de um recurso fixo por habitante, para adentrar a um recurso por pessoas cadastradas em unidades básicas de saúde. Além de ferir princípios básicos do SUS, como o acesso universal, sem dúvida na prática reduz recursos para este setor.
É imprescindível um número de profissionais adequados para o exercício de cada profissão. São médicos(as), enfermeiros(as), técnicos(as) de enfermagem, agentes comunitários(as) de saúde, agentes de endemias, além de dentistas e técnicos(as) de saúde bucal, quando há uma Equipe de Saúde Bucal (ESB) presente no posto de saúde. Nas equipes tradicionais de atenção básica existem ainda a figura dos(as) trabalhadores(as) administrativos e recepcionistas. Esses(as) trabalhadores(as) fazem parte da vida da população, inseridos na comunidade. Passam mais horas do dia em interação com as pessoas e famílias de determinada comunidade, do que até mesmo com o convívio à própria família. Justamente por esse vínculo com as comunidades é que a atenção básica deve tomar um papel central no combate ao Covid-19, e ainda, por ser o recurso de saúde mais próximo da realidade da população.
Os postos de saúde têm um papel estratégico sobretudo no trabalho de prevenção de doenças e promoção da saúde, além de tratamento de muitas destas prevalentes em nosso meio e acompanhamento destes casos, para evitar uma complicação da doença ou até mesmo a sua recuperação.
Uma das principais estratégias que a atenção básica tem nesse momento é o acompanhamento de pessoas portadoras de doenças e agravos crônicos não transmissíveis, como por exemplo hipertensão e diabetes. Sabe-se que estas pessoas têm mais chance em desenvolver infartos, acidentes vasculares encefálicos, amputações de membros (no caso de diabéticos) e – por isso – podem ocupar leitos hospitalares e de Unidades de Terapia Intensiva (UTI), justamente em uma época que sequer começou o inverno (onde aumentam as doenças respiratórias), ainda mais nesse contexto de Covid-19. As vacinas do calendário básico, que previnem doenças como sarampo, tuberculose, gripe, hepatites, meningite, paralisia infantil, pneumonia, coqueluche, tétano, febre amarela, entra tantas outras doenças, estão disponibilizadas nesses serviços. Tratamentos e acompanhamentos de pessoas portadoras de doenças como sífilis, tuberculose, hanseníase, neoplasias (câncer), HIV, hepatites, e tantas outras infecções sexualmente transmissíveis, também fazem parte do escopo de trabalho na atenção básica. Distribuição de medicamentos básicos para a população, e de materiais/insumos para cuidados domiciliares, as visitações domiciliares executadas por agentes comunitários(as) de saúde e de endemias, bem como por todos(as) profissionais que trabalham nos postos de saúde, a realização de atividades de grupos de educação em saúde são outros exemplos de atividades realizadas em um posto de saúde.
Ressalta-se, ainda, o acompanhamento de gestantes durante todo o processo de gravidez, bem como após a gestação (período puerperal), da criança recém-nascida e ao longo da sua infância, após, na adolescência, na idade adulta, no envelhecimento e na morte. Ou seja, é um acompanhamento durante toda a vida. Muitas situações de adoecimento da saúde mental também são acompanhadas. Testes rápidos para identificação precoce de HIV, sífilis, hepatite B e C são realizadas em larga escala, com início de tratamento e acompanhamento imediatos. Outros destaques são as solicitações de mamografias e realização de exames citopatológicos (que previnem câncer de mama e câncer de colo de útero, respectivamente), geralmente solicitada/realizada pelo enfermeiro. Solicitações de diversos exames laboratoriais e de imagem, e encaminhamentos para especialidades quando necessário, também são atribuições da atenção básica.
Por fim, uma gama de procedimentos como administração de medicamentos injetáveis, curativos dos mais diversos tipos, procedimentos de enfermagem de maior complexidade (como inserção de sonda vesical e nasoenteral, realizados pelo enfermeiro) avaliação e tratamento inicial de situações de urgência/emergência, e ainda, consultas médicas e consultas de enfermagem, seja através do acolhimento de quem chega na unidade de saúde, ou nos acompanhamentos de consultas agendadas.
Todas essas atividades acima, entre outras, são realizadas em tempos normais. Porém, atualmente, estamos vivenciando toda a problemática do Covid-19. Nesse sentido, é necessário que os postos de saúde se reorganizem – dentro dessas tantas atividades importantes já realizadas – para também evitar que pessoas adoeçam gravemente e ocupem leitos hospitalares e de UTI, que já estão sobrecarregados e podem entrar em colapso.
Em alguns estados e municípios o colapso, infelizmente, já iniciou. Algumas opiniões e relatos de especialistas apontam para o alerta de uma situação: a “hipóxia silenciosa”, que tem caráter insidioso e, muitas vezes, de difícil detecção. Nesse sentido, tem se observado que – mesmo com níveis de oxigênio inferiores a normalidade – muitos pacientes não apresentam falta de ar. E, quando começar a sentir essa dificuldade em respirar, já estão com níveis de oxigênio muito abaixo do considerado normal, e por isso, em potencial gravidade do caso, podendo ir a óbito. Ou seja, não possuem sinais/sintomas “clássicos” de pneumonia, como desconforto no peito, dor na respiração, etc.
É comprovado, através de estudos e também de experiências internacionais, que o distanciamento social é a solução mais adequada para a disseminação da infecção nesse momento, uma vez que não existe vacina que forneça adequada imunidade contra a doença, e tampouco, algum medicamento cientificamente comprovado para a cura. Precisa-se continuar defendendo a ciência e o nosso SUS (que é patrimônio do povo brasileiro) público, gratuito e de qualidade.
Por isso, é necessário que os postos de saúde comecem a priorizar algumas ações de rotina, sem detrimento das importantes atividades em saúde que já são realizadas normalmente. Abaixo, apontam-se algumas sugestões:
1) Verificar a saturação de oxigênio, por meio da oximetria, em todos pacientes que chegam nos postos de saúde. Oximetria é um exame, não invasivo, feito com um aparelho (oxímetro de pulso) para medir quanto oxigênio o sangue está transportando;
2) Verificar o valor da oximetria de pulso nas visitas domiciliares de rotina, inclusive de Agentes de Saúde, e, uma vez identificado um valor abaixo do normal, remeter o paciente ao posto de saúde;
3) Uma vez identificada alteração de valor, o médico precisa avaliar iniciar o tratamento, justamente para evitar agravamento da situação, internações hospitalares e mortes. Caso necessário, encaminhar esse(a) paciente a serviço de urgência/emergência;
4) Atender todos casos suspeitos de Covid-19 que procuram o serviço, realizando uma avaliação inicial, incluindo verificação de temperatura corporal, e demais procedimentos de exames físicos necessários;
5) Ter disponível fonte de oxigeniterapia, medicamentos básicos de urgência/emergência, bem como materiais necessários para realização da avaliação de risco adequada;
6) Realizar testes, de Covid-19, para os(as) trabalhadores(as) de serviços essenciais e pacientes, em especial os sintomáticos;
7) Ter disponível, para a finalidade da realização das propostas acima, todos os Equipamentos de Proteção Individuais (EPI), conforme preconizado pela ANVISA, e demais protocolos de atendimento;
8) Envolver a comunidade, em especial conselhos locais de saúde e lideranças comunitárias, problematizando a situação, a necessidade de se manter o distanciamento social e construindo junto essas novas ações a serem implementadas;
Estêvão Finger da Costa é enfermeiro, Especialista em Saúde da Família e Comunidade; empregado público do IMESF/Porto Alegre, trabalhador de unidade de saúde. Ex-conselheiro do COREN/RS. Ex-presidente do Sindicato dos Enfermeiros do RS.
Fonte: Sul21