sexta-feira, 22 novembro
Reprodução/Twitter/George Marques

Os 300 do bolsonarismo, que se apresentaram na Praça dos Três Poderes, roubaram o nome dos 300 do Imperador Leônidas, de Esparta, na batalha das Termophilas. Eles prometeram invadir o Supremo e aproveitaram para ensaiar “tiro-ao-alvo” contra ministros daquela Corte e contra o ex-Juiz Sergio Moro, este amargando no presente o futuro que Lula lhe previu. Atuam com franqueza e objetividade. Queriam e querem um golpe de Estado contra o que resta da Constituição de 88 e dar poderes absolutos a Bolsonaro e seu grupo militar, para retirar da cena pública e certamente eliminar da vida política – ou da vida mesma – Rodrigo Maia, Moro, Celso de Mello, Witzel, o pessoal do MBL, João Dória, Lula, Boulos, Flávio Dino, Requião, Haddad e outras figuras representativas do país.

Os 300 de Esparta, da batalha das Termophilas, sacrificaram-se para defender a cidade-estado do domínio de Xerxes, por volta de 500 anos a.C. Os exércitos de Xerxes eram compostos de escravos, soldados recrutados à força nas colônias e mercenários de outras regiões da Ásia Menor. Os 300 espartanos do Imperador Leônidas defendiam a sua terra, os seus bens, as suas famílias e o seu modo de vida, que caracterizou aquela cidade guerreira da Grécia antiga. Naquela batalha, os invasores  persas foram vitoriosos, mas saíram enfraquecidos da batalha: os heróis da época foram considerados os 300 de Esparta, não as tropas de Xerxes.

Os 300 de Esparta do Bolsonarismo, que no seu ódio à democracia queriam se mostrar fortes para desmoralizar o Supremo – atacando um poder desarmado e assediado pela voz nervosa do Presidente, do outro lado da Praça – escolheram o teatro errado para encenar o seu propósito golpista.  A cena necrófila de deboche dos mortos da Pandemia, a ausência de um território a defender e a complacência policial -que lhes permite manifestar-se tranquilamente em defesa  do assassinato da Constituição- lhes aproximou mais das SS de Hitler – queimando as lojas de judeus em Berlim – do que dos 300, cujo nome eles escolheram para o seu grupo fascista. Fazer manifestações para fechar um Poder desarmado, num gesto criminoso nitidamente apoiado pelo Presidente da República, é muito diferente de lutar  num desfiladeiro contra forças militares infinitamente superiores que querem tomar o seu lar e seu país.

A cena montada pelos fascistas tentava reviver um mito, mas criou uma caricatura. Só o que deu certo na sua estratégia de liquidação da democracia no Brasil foi a insegurança que criou, na nossa legalidade democrática, sobre a vitalidade das nossas instituições: se eles tentassem o golpe naquele momento seriam desalojados do Supremo por quem? Pela Polícia Militar de Brasília, pelo  Exército Nacional? A sua grande vitória foi semear mais um naco de temor sobre o futuro incerto, porque as Forças Armadas nada disseram sobre o fato, a Polícia Federal não abriu inquérito para investigar -no mínimo- a existência uma organização diretamente ligada à violação da segurança do Poderes -no caso o Poder Judiciário- diretamente ameaçado naquele episódio.

Lembro que um dia antes o Presidente da República praticamente invadiu o STF, tudo depois de dizer quem “mandava”, de afirmar que o isolamento social devia ser revogado pelos Estados, de celebrar a indiferença diária em relação aos milhares de mortos na Pandemia. E o fez através de uma “visita não protocolar” e autoritária, combinada com a postura de atacar frontalmente uma decisão do Supremo, cujo precedente, na decisão contra Lula, inclusive ajudou (e muito) na sua eleição, o que demonstra que o ato dos 300 foi ato que compunha um crime continuado contra as instituições republicanas.

Ao lado da mitologia dos 300, que não deu certo como ato de poder, a invasão do Presidente ao STF lembrou outro fato histórico, de uma maneira picaresca. Em 28 de outubro de 1922, a Marcha contra Roma” foi o “putsh” de Mussollini, que permitiu que o Rei Vitor Emanuel II designasse Mussolini como futuro ditador da Itália, dizendo aquela frase que ficou na História, que não me canso de citar, como exemplar da brutalidade do fascismo: “A ação enterrou a filosofia”.  Gosto dela porque ela também permite fazer paralelos: aqui Bolsonaro e os 300 ainda não estão próximos da ditadura, mas já começaram a destruir o papel do Supremo como Guardião da Constituição. Neste momento e para sempre – contra Bolsonaro e seus sequazes – somos todos Supremo, somos todos Constituição.

Tarso Genro, foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil.

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