Foi preciso o mundo viver uma segunda Guerra Mundial para superar o liberalismo econômico e constituir Estados de Bem Estar Social, a partir das ideias da doutrina econômica teorizada por Jonh Keynes. Era o ano de 1944, Conferência de Bretton Woods – encontro entre os 45 países aliados, onde foram firmados os acordos que guiariam a economia mundial de modo a constituir uma regulação mundial e atuação estatal de forma a garantir a reconstrução dos países pós-guerra, dos empregos e da estabilidade das relações internacionais. Sabemos que era também para conter a expansão das revoluções socialistas e as mobilizações trabalhistas de massa, mas de todo modo resultou nos chamados 30 anos dourados – pós 1945 até o início da década de 70.
Nesse início de 2020 o mundo enfrenta outra grande guerra, essa não entre países, mas contra um inimigo comum: o Covid 19 – vírus altamente contagiante, que se espalha pelos países através da globalização, pela permeabilidade das fronteiras, pela ampla mobilidade humana no mundo, ironicamente num tempo de repressão às imigrações desesperadas resultante da fome, das guerras religiosas, da necessidade de renda.
A grande arma para vencermos essa guerra já é consenso na OMS, aprendizagem que vem dos primeiros e mais intensamente atingidos países – China, Itália, Espanha e Estados Unidos – por seus erros em especial: a redução ao máximo da mobilidade humana. Daí resulta a queda profunda da produtividade econômica, da sustentabilidade das pessoas e do sistema financeiro. Novo consenso econômico também unifica os países como medidas para proteger a vida: os estados investirem pesadamente em saúde, higienização e provimento de alimentação. Significa abandonar a austeridade fiscal, colocar renda mínima diretamente às famílias, alcançar crédito com juros baixos e a longo prazo para empresas honrarem seus compromissos e manter os empregos.
A demanda dessas medidas nos pega, no entanto, em um novo período de economia neoliberal, de redução de estado, de privatizações. No Brasil, que desde 2016 aprova reformas redutoras de direitos e da intervenção e investimento estatal, volta a ter importância o Sistema Único e Universal de Saúde e as políticas de renda. Segundo o Conselho Nacional de Saúde (CNS), que reivindica a revogação imediata da Emenda Constitucional (EC) 95/2016, que congelou por 20 anos investimentos públicos, o prejuízo em relação ao SUS já chega a R$ 20 bilhões e os danos são estimados em R$ 400 bilhões a menos ao longo de duas décadas. Assim, a educação e a pesquisa vêm perdendo recursos. O orçamento da União em 2019 teve 38% comprometido com pagamento de juros e serviços da dívida enquanto apenas 4% foram aplicados em saúde!
Nos EUA, onde a saúde é toda privada, a situação é dramática e o Congresso aprovou o investimento de dois trilhões de dólares em saúde, seguro-desemprego, auxílio às pequenas empresas e à indústria nacional. Seus líderes falam em investimentos no montante dos tempos de guerra, referindo-se ao Plano Marshall. Não é para menos, as projeções são de 100 mil mortos pelo Coronavírus se fizerem o isolamento, e investirem pesado na saúde, caso contrário, seria de dois milhões de mortos.
Está evidente o déficit de saneamento, de moradias, de renda, de políticas para a saída da moradia rua, da pobreza extrema, de insumos e equipamentos para a proteção da saúde, mesmo em países ricos como os EUA. Da falta de respiradouros nos colocando o dilema de escolher quem terá esse equipamento para tentar sobreviver nos países europeus, aos caixões dos mortos nas ruas do Equador, fica evidente que a concentração da riqueza, a desigualdade, a financeirização da economia e a destruição do estado público, nos tira as condições da sobrevivência humana sobre a terra.
Queremos sair dessa guerra vitoriosos, salvando milhões de vidas, mas também com uma nova consciência política global de que a vida tem que ser prioridade aos lucros do sistema financeiro. Que o investimento em ciência e tecnologia públicas, sejam permanentes e fortes suficientes de maneira a produzirmos os insumos necessários à preservação da vida humana a partir de outro padrão de relação com toda a biosfera: de preservação, regeneração da natureza, recuperação da água, redução do veneno, das queimadas, da supressão das florestas – tantas faces da arrogância da atividade humana que condena sua própria sobrevivência. É a bolsa ou a vida.
Por Sofia Cavedon, Deputada Estadual do PT|RS – Presidente da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da ALRS.