sábado, 23 novembro

 

Foto: João Ferrer

 

Parlamentares gaúchos apresentam experiências de democracia participativa em seminário na Espanha

Luiz Fernando Mainardi, Pepe Vargas e Fernando Marroni, todos deputados do PT gaúcho, foram os principais palestrantes em um evento organizado pela Universidade Complutense de Madri (UCM), nesta quinta-feira (28). O evento se realizou na Sala das Juntas Municipais, na região central de Madri, capital da Espanha, e contou com a presença de estudantes, pesquisadores e parlamentares do agrupamento Mais Madri, que governou a cidade nos últimos quatro anos (até maio de 2019) e é copatrocinador das jornadas “Democracia Participativa e Inovações Urbanas Sustentáveis”. O evento continua nesta sexta-feira (29), agora com a apresentação sobre a experiência recente de democracia participativa praticada pelo Mais Madri em sua experiência de governo municipal.

Conforme Ariel Jevez, professor da UCM que está à frente da organização das jornadas, a ideia é comparar as experiências do Rio Grande do Sul com as que estão sendo desenvolvidas em várias cidades e regiões europeias. “Articulamos um espaço que nos ajude a avançar as experiências e práticas democráticas em uma conjuntura muito dramática para todos”, disse. Para o vereador Nacho Murgué, do agrupamento Mais Madri, existem muitas coisas em comum entre as experiências gaúchas e as da capital espanhola, mas também diferenças. “Essas jornadas nos colocarão em contato e servirão para uma reflexão comum das experiências que estamos realizando. Queremos entender, por exemplo, porque o Orçamento Participativo se mantém como um espaço não estatal”, diz.

Os deputados petistas, que também foram prefeitos, apresentaram as várias experiências participativas que ocorreram em Porto Alegre, em suas cidades e no Rio Grande do Sul, enfatizando os aspectos de sucesso e tecendo críticas ao que consideram os limites das várias formas de democracia participativa que foram implantadas no decorrer da história da redemocratização brasileira.

 

 

Atualidade da democracia participativa

Foto: João Ferrer 

Pepe Vargas, que foi prefeito de Caxias do Sul por dois mandatos, foi o primeiro a falar e fez uma contextualização histórica da emergência dos processos participativos no ambiente da redemocratização. Para ele, o fato de haver um movimento social crescente, com demandas de participação e muito déficit de serviços públicos, foi fundamental para que se criassem as experiências participativas no âmbito das municipalidades brasileiras e, posteriormente, na esfera estadual. “Embora já existissem experiências de Conselhos de participação em vários governos municipais na transição para a democracia, foi a Constituição de 1988 que deu o impulso para as experiências mais avançadas”, diz. Segundo ele, a nova Constituição, que tentou criar uma versão brasileira para o “Estado de bem-estar social”, criou possibilidades reais de participação direta do povo no governo, através de Conselhos, consultas e referendos. “É nesta época, também, que o PT assume a prefeitura de Porto Alegre e começa a lidar com todas aquelas demandas por serviço. O Orçamento Participativo (OP) é, um pouco, resultado da necessidade de os governos de esquerda lidarem com as carências do povo e estabelecer critérios democráticos de uso dos recursos públicos”, definiu.

Segundo Pepe, experiências de OP chegaram a ser aplicadas, conforme estudo do sociólogo Leonardo Avritzer, em 201 cidades brasileiras, mas todas com aspectos únicos e peculiares às diferentes realidades de cidades e composições de governo. “Embora essas experiências de participação tenham diminuído, praticamente acabado, mesmo em governos de esquerda, é evidente que as práticas de democracia participativa desenvolvidas pela esquerda brasileira em seus vários ambientes de governos se mantém paradigmáticas, como demonstra o interesse dos espanhóis sobre elas”, sugere.

O deputado Fernando Marroni abordou o tema a partir de sua experiência como prefeito de Pelotas, uma cidade com cerca de 300 mil habitantes, mas com um orçamento bastante limitado. Segundo ele, a participação popular em Pelotas iniciou a partir de uma experiência de Conselhos Populares implantada por um governo de centro-esquerda, ainda no período de transição democrática, entre 1983 e 1987. Depois disso, a cidade ficou 13 longos anos sem instrumentos de participação, durante governos de direita e centro-direita. “Foi apenas quando o PT assumiu a prefeitura de Pelotas, em 2001, que retomamos a experiência de participação direta da população na gestão, mas, por um contexto orçamentário próprio, com muitas limitações”, explica. “Diferente de Porto Alegre, que era já uma experiência exitosa, reconhecida, em Pelotas não tínhamos sobras orçamentárias para investimentos. Isso fez com que apenas 3% do orçamento pudesse ser submetido à decisão nas instâncias de OP que foram criadas. O resultado foi muita expectativa e, também, muita frustração”, avalia.

Para Marroni, mesmo com essas dificuldades, a democracia participativa demonstrou capacidade de renovar o ambiente de gestão. Ele lembra que as demandas que foram sendo apresentadas, fizeram com que a prefeitura organizasse uma instância participativa de reflexão e planejamento chamada de Congresso da Cidade. “Mesmo sem recursos, houve um processo de politização positiva da população mais carente. Ganhamos não só porque pudemos pelo menos hierarquizar o uso dos recursos que tínhamos a partir de uma decisão das próprias populações, mas também por incentivarmos uma consciência cidadã nas pessoas da cidade”, argumenta.

Luiz Fernando Mainardi, ex-prefeito de Bagé, demonstrou que a criação de instâncias participativas precisa ser precedida de ações administrativas que viabilizem as decisões populares. “Quando assumi a prefeitura, haviam setores dos funcionários que estavam há 23 meses sem receber salários. Eu precisava resolver isso antes de tudo”, explicou. Para ele, mesmo que existam dificuldades administrativas e orçamentárias, a democracia participativa deve ser um desafio para governos que querem ampliar a democracia em suas cidades, estados ou países. “A participação cidadã é importante porque ela recupera a credibilidade da política e dá legitimidade muito maior às propostas de um governo”, defende.

Mainardi diz que instâncias como o Orçamento Participativo são fortes antídotos contra a corrupção e tornam as ações de um governo muito mais transparentes. “A transparência faz com que um governo se preocupe com a qualidade do investimento. Isso é fundamental para uma gestão fiscal eficiente”, conclui. Para ele, as experiências participativas desenvolvidas pelo PT e seus parceiros políticos foram tão eficientes que até hoje se mantém, mesmo sem terem sido institucionalizadas. “Em Porto Alegre, o OP está desgastado e fragilizado, mas ainda existe e pode ser recuperado em sua importância. No Estado, o OP se transformou em uma Consulta Popular, também frágil e com um orçamento indecente, mas está ali. Os governos de direita, mesmo que não gostem da participação, sabem que esses espaços vieram para ficar”, sustenta.

 

Texto: João Ferrer

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