sexta-feira, 22 novembro

 

Na tarde desta segunda-feira (15), a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos realizou audiência pública sobre os impactos das enchentes de maio nas comunidades tradicionais de matriz africana e Povos de Terreiro, apresentação de mapeamento das comunidades atingidas e como reconstruir o patrimônio material e imaterial desses povos. O encontro ocorreu no Espaço da Convergência Deputado Adão Pretto e foi proposto pela presidente da comissão, deputada Laura Sito (PT).

Para a deputada, esses espaços são de acolhimento das comunidades e fazem parte da segurança alimentar de muitas famílias, mesmo as que não são frequentadoras, e se tornaram ainda mais importantes nesse período de calamidade.  “Tratar de ilês atingidos significa resgatar e preservar a cultura e, também, é uma resposta a quem tanto cuida da população gaúcha”, afirmou. Foram mapeados  650 terreiros destruídos, de um total de 748 afetados, em regiões periféricas de Porto Alegre.

Baba Diba de Yemonja, do Conselho Estadual dos Povos de Terreiro,  falou sobre as dificuldades iniciais de acessar ajuda da Defesa Civil.  Num segundo momento, “no diálogo com o Ministério da Igualdade Racial conseguimos acesso  a alimentos e cestas básicas direcionadas”. Destacou as perdas simbólicas e sagradas dos terreiros e relatou o tratamento diferenciado dado às comunidades durante a tragédia. “A enchente igualou todo mundo, mas ela já tem cor, assim como a pandemia teve cor. A gente precisa de políticas públicas de reconstrução para o Povo de Terreiro”, destacou.

Moradora de Feliz, na Serra Gaúcha , Mãe Patrícia de Xangô, contou sobre a destruição da casa classificada “na coluna de construção Candomblé”, em 15 segundos de temporal. “Eu tenho um CNPJ , dediquei a minha vida à Casa de Xangô,  uma casa de acolhimento e de cultura”, relatou ao falar também do preceonceito que enfrentou até aqui.

Pai Júlio de Oxalá, morador de Canoas,  que ficou fora de casa por 28 dias, pediu “a reconstrução das nossas casas, do nosso Axé e apoio emocional”. Pai Valdir se juntou a ele e relatou que “sua comunidade de 40 mil pessoas, na maioria negra, também foi atingida. Gostaríamos de saber quem falhou”, questionou.

Mapeamento
O mapeamento dos terreiros atingidos pelas cheias foi feito pelo Núcleo de Estudos de Geografia e Ambiente (NEGA) e pelo Curso de Aperfeiçoamento Uniafro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tanara Furtado, coordenadora-adjunta do Uniafro detalhou a pesquisa feita por telefone, entre 14 de junho e 12 de julho, e a forma de contato, já que se tratavam de autoridades religiosas. “Tínhamos que ter disponibilidade para escuta sensível e atenta, além de identificar as expectativas de quem falava”, lembrou. Claudia Pires,  professora e geógrafa do NEGA, com pesquisas junto às comunidades quilombolas,  falou sobre territorialidade e os limites da manchas das enchentes, que atingiram grande parte dos territórios dessas comunidades. “A gente entende que as águas atingiram todos esses espaços sagrados. O nosso desafio daqui para a frente, ao pensar em políticas públicas para proteger esses territórios, é  que podem ser sempre atingidos em função dos eventos climáticos”, concluiu.

Atendimento emergencial
Por parte do governo federal, o Ministério da Igualdade Racial atuou de forma emergencial. A coordenadora-geral  de Políticas para Povos e ComunidadesTradicionais de Matriz Africana e Povos de Terreiros, Eloá Moraes, falou virtualmente e destacou a importância do levantamento da Ufrgs num cenário de lacuna de dados oficiais, relatando que o trabalho do MIR  de localização dos atingidos foi feito por três grupos prioritários que atuaram junto às comunidades e terreiros. Inicialmente,  pelos dados levantados pela Rede das Redes foram identificadas 102 comunidades tradicionais, distribuídas  em 16 municípios. Ela contextualizou o tamanho da comunidade pelos dados do censo de 2010. Eram 166 mil pessoas do RS que se diziam pertencentes a Batuques, Quimbanda, Candomblé, Umbanda e outras declarações afrobrasileiras, e, ainda, estimadas 60 mil comunidades tradicionais de matriz africana e de terreiro. O RS é o estado que tem a maior parcela de praticantes de religiões de matriz africana. Mesmo assim, segundo dados apresentados, o número de registros policiais por preconceito religioso teve aumento de 250% nos últimos três anos, passando de 20 casos em 2012 para 70 em 2023.

Já o secretário de Políticas de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos, Ronaldo Santos, falou das próximas ações. Afirmou que a política ambiental quilombola de  2023, estabelecida pelo MIR, tem um   arcabouço de proteção e deve servir de instrumento para comunidades de terreiros e comunidades ciganas. Falou da necessidade de mapeamento mais completo para detalhar as especificidades de cada território para depois viabilizar os repasses.

Cartilha
Na audiência, houve o lançamento da Cartilha dos Povos de Terreiro do Rio Grande do Sul, publicada pela CCDH, com informações históricas, culturais e religiosas da Formação dos Povos de Terreiro no estado. O impresso apresenta informações como  os três tipos de tradições de matriz africana no estado e um apanhado das vertentes e nações; a formação do Conselho do Povo de Terreiro no Estado do RS (CPTERS); e marcos legais que resguardam o direito à liberdade de culto. Pai Hendrix Silveira, idealizador, lembrou que a cartilha está fundamentada na realidade do RS e escrita a várias mãos.

A deputada Laura Sito sugeriu o envio do trabalho de mapeamento feito pela equipe da Ufrgs ao Ministério da Integração Racial e também a criação de Grupo de Trabalho Interinstitucional.

Manifestaram-se a deputada Luciana Genro (PSOL); deputada federal Daiana Santos (PCdoB/RS) Marina Dermann,  presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH); Jorge Sena, do Ministério da Saúde; Charlene da Silva Borges,  da Secretaria Geral de Articulação Institucional da Defensoria Pública da União; Sanny Figueiredo, da Secretaria Geral de Articulação Institucional da Defensoria Pública da União Rodrigo de Medeiros, ouvidor-geral da DPE/RS.

Texto: Joema Teles – MTE 6449/Agência ALRS

Compartilhe