Mais uma vez o Governo Leite desconsiderou a Assembleia Legislativa e não compareceu à audiência pública promovida nesta segunda-feira (15/07) pelas Comissões de Finanças, Planejamento, Fiscalização e Controle e de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do Estado, para tratar da situação do IPE Saúde. Por proposição dos deputados Pepe Vargas (PT) e Patrícia Alba (MDB), a audiência ouviu gestores de hospitais e prestadores de serviços credenciados ao IPE Saúde. O Governo do Estado apenas enviou ofício informando que em razão de compromissos não seria possível a participação do diretor-presidente do IPE Saúde, Paulo Afonso Oppermann, nem da secretária do Planejamento, Danielle Calazans, na reunião. Atendendo a pedido dos representantes dos hospitais, as Comissões farão a mediação da negociação junto ao Ministério Público de Contas, Tribunal de Contas do Estado e ao IPE Saúde, responsável pelo atendimento de aproximadamente 1 milhão de gaúchos e gaúchas.
O deputado Pepe Vargas, que foi um dos proponentes da audiência pública, lamentou a ausência do Poder Executivo porque, segundo ele, não se trata de debater apenas uma eventual situação divergente em termo de remuneração dos prestadores de serviços do IPE Saúde. A discussão, disse, é sobre o IPE Saúde como um todo e haveria várias questões que precisam ser enfrentadas. “Temos que lembrar que houve aumento das alíquotas dos usuários. Melhor nem fazer reunião se o poder Executivo não está presente. A Constituição do Estado prevê como prerrogativa da Assembleia Legislativa, convocar secretários de Estado, mas a gente não faz uso deste expediente por conta de exercitarmos aquilo que é um princípio constitucional: os poderes são independentes, mas harmônicos, então para manter a gente faz um convite. Mas se a gente convida e o convidado não vem diversas vezes, talvez não reste outra alternativa que não a de usar a competência exclusiva da Assembleia que é a convocação. A ausência pode importar em crime de responsabilidade”, frisou.
Segundo o parlamentar, houve uma reunião em que foi proposta que seria um encontro fechado apenas com a direção do IPE, a secretária do Planejamento e os deputados e mais ninguém. Foi uma reunião em que havia uma versão só. Lá o IPE dizia que a cobrança dos medicamentos é inegociável, que eles reconheciam a diminuição da remuneração de alguns prestadores, mas aumento na maioria. “Seria importante que estivessem aqui dizendo isso”, defendeu o deputado.
De acordo com o pedido de informações feito pelo deputado, o aumento médio da contribuição dos usuários foi de 90%. Ou seja, quase dobrou o valor pago. “Dizíamos que a proposta do governo quebraria a paridade entre empregador e empregado está comprovada. O usuário está pagando 61,2% e o empregados pagando 38,8%, segundo o pedido de informações que fizemos”, revelou Pepe. A bancada alertava que haveria fuga de usuários porque parcela significativa ficaria inviável pagar. Segundo o pedido de informações, desde a mudança da legislação em meados de 2023, até novembro de 2023, 27.212 usuários saíram do plano principal e 2.971 do plano de optantes. “Então também são coisas que temos que discutir com o IPE saúde. Não é só a questão da remuneração de serviços”.
Pepe questionou qual é o plano de saúde que no interregno de 2015 a 2024 teve uma defasagem inflacionária de 71% que não foi reposta, assim como aconteceu com o IPE Saúde. “Não tem como sustentar. A razão fundamental do desequilíbrio econômico e financeiro é o achatamento salarial, pois a alíquota incide sobre um salário que foi se depreciando”, argumentou.
A deputada Sofia Cavedon disse que ouve tempo em que o IPE fazia financiamento habitacional. Houve dois momentos de promessa de desmonte e falta de transparência são muito sérios. A média de aumento, segundo Sofia, foi de 90% por conta da alíquota que deixou de ser solidária e que penaliza os mais idosos e os dependentes, enquanto os salários estão congelados. “Na área da educação por exemplo, está se aplicando apenas o piso e usando os recursos que excedem o subsídio. A maioria dos aposentados não tiveram nos últimos reajustes, nenhum aumento”, observou.
O vice-presidente Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul (FEHOSUL) e superintendente do Hospital Ernesto Dorneles, maior prestador de serviços do IPE Saúde, Odacir Rossatto, disse que o estudo que modificou a remuneração dos prestadores tratou igual hospitais de baixa complexidade com hospitais de alta complexidade, baseado em um estudo que inviabiliza o atendimento aos segurados. “Já acumulamos em abril e maio prejuízo de R$ 5 milhões, que é irrecuperável”, revelou.
O representante do Ministério Público de Contas, Ângelo Borghetti, lembrou que a situação do IPE-Saúde foi um tema levantado tanto pela Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage), quanto pelo próprio Tribunal de Contas do Estado (TCE/RS). O procurador citou a auditoria de 2020, que apontou como insuficiente, a alíquota cobrada pelo IPE Saúde; em 2021, outra auditoria do TCE/RS apontou desequilíbrio financeiro e orçamentário. Borghetti assinalou ainda, a preocupação do MP de Contas, com o financiamento cruzado do IPE Saúde, como é o caso dos medicamentos que eram remunerados acima dos preços de mercado. A nova tabela implementada pelo Governo Leite criou uma situação caótica que levara vários hospitais a questionar a medida.
Segundo o procurador, a promessa do governo era de um crescimento da arrecadação, o que de fato, nunca aconteceu. Assim, provocado por uma ação das bancadas do PT e PCdoB, foi instaurado uma auditoria operacional, para verificar o funcionamento de todo o sistema de cobrança e atendimento do IPE Saúde. Borghetti afirmou que a tabela é reajustada semestralmente e se não houver entrada de receita maior no período, se cria um problema para as contas.
O diretor-geral da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Julio Matos, disse que o IPE deve respostas a um conjunto de hospitais, especialmente para 18 deles que respondem por mais de 60% da assistência IPE no RS e atendem 600 mil beneficiários. “O Governo do Estado não está aqui (na audiência) de vergonha. Precisamos que a Assembleia Legislativa, junto com o tribunal de contas façam a mediação porque nós não temos as mínimas condições de suportar isso”, frisou. Segundo o diretor, as duas federações enviaram um pedido ao presidente do IPE para que os ouça.
A representante da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, Katia Moraes, também cobrou a presença de representantes do Governo do Estado para explicar por quê, depois de nove anos sem reajuste dos salários dos servidores públicos, as alíquotas foram aumentadas? Por que se retirou do financiamento de dependentes. Katia classificou de irresponsabilidade a medida tomada pelo Governo Leite e afirmou que ao mesmo tempo que os servidores, segurados e pacientes tiveram reajuste na cobrança da mensalidade do plano, os hospitais tiveram suas portas fechadas e alegaram insuficientes os pagamentos. Kátia afirmou que o segurado sofre violência ao ser cobrado e na hora do atendimento, inclusive na hora de uma cirurgia e afirmou que receber valor maior nos medicamentos, não é reembolso, é revenda. Questionou a cobrança particular de segurados, por parte de médicos inscritos no IPE Saúde. Katia mostrou ainda uma tabela com informações públicas com valores cobrados menores de compra de insumos pelos hospitais e valores majorados cobrados ao IPE Saúde.
Texto: Claiton Stumpf e Adriano Marcello Santos
Fotos: Debora Beina