Verniz de diálogo não disfarça radicalização do projeto de desmonte da escola pública

Verniz de diálogo não disfarça radicalização do projeto de desmonte da escola pública

No início de fevereiro, Eduardo Leite (PSBD) visitou o CPERS para reafirmar sua disposição em dialogar.

Disse, na ocasião, que seus atos seriam pautados pela transparência e a lealdade, e que o debate poderia ser duro, mas que não faltariam respeito e esforços de convergência.

“Não espere de nós qualquer medida desleal”, afirmou.

Passados cem dias de sua posse, o discurso não condiz com a prática.

As medidas adotadas até aqui apontam para a radicalização do projeto de Sartori, sem qualquer sinal de negociação efetiva com a categoria.

São cem dias de tentativas frustradas, por parte dos(as) professores(as) e funcionários(as) de escola, de estabelecer uma mesa para discutir salário e entender quais são, de fato, os planos de Eduardo Leite para fazer valer a promessa de valorização dos(as) educadores(as).

“Um estado que não respeita os professores(as) não valoriza o seu futuro”, disse o então candidato em campanha, no 15 de outubro.

Não fosse pela imprensa, a quem secretários e o próprio governador ventilam alegremente seus projetos prioritários, não teríamos qualquer informação sobre o que esperar.


Infelizmente, as notícias não trazem qualquer novidade: mais arrochoprivatização, revisão dos planos de carreira, precarização dos serviços e ainda mais sacrifício de quem pesa menos no Estado.

Esse diálogo, feito por via indireta, a partir da qual o mandatário impõe sua narrativa e vontade com o apoio da mídia hegemônica, nós já conhecemos.

É o projeto de Sartori. Repaginado pela maior desenvoltura política e por uma base mais coesa na Assembleia, e com os velhos apoiadores de sempre.

O que nos interessa: como é possível que um dos estados mais ricos da nação – o 4º maior PIB do Brasil – pague o SEGUNDO PIOR salário de ingresso para professores(as) do país?

 

Salário base (R$) de ingresso dos professores com nível superior (licenciatura plena) com carga horária de 20h semanais no ensino público básico estadual. Dieese, 2018

Se existe uma crise, sairemos dela sem educação de qualidade e profissionais valorizados(as) e qualificados(as)?

Não existe sociedade no mundo que tenha chegado a patamares elevados de desenvolvimento sem investir em educação. O Rio Grande do Sul, na contramão do óbvio, parece querer provar o impossível.

A promessa de lealdade não durou um mês

Após a visita midiática ao CPERS, o governador orientou a votação de duas PECs que retiraram direitos do funcionalismo (licença-prêmio e tempo de contagem de outros entes para triênios e gratificações), aprofundando a nossa situação de miséria.

Sentado à mesa da direção, Leite teve a oportunidade de ser franco, fazer jus ao discurso e alertar sobre a articulação.  Não o fez.

Diálogo pressupõe troca, deslocamento, negociação. Ao retirar direitos sem iniciar de imediato um debate para recuperar nossas perdas, ou apresentar um plano efetivo de valorização profissional, Leite pôs em xeque a credibilidade de suas intenções.

Salários ainda mais atrasados

Nos 37 meses de parcelamento ou atraso sob o governo anterior, em apenas três ocasiões – de outubro a dezembro – as faixas salariais mais baixas foram pagas depois do último dia do mês vigente.

Com três meses de gestão, Leite já igualou a “façanha” do antecessor. Quitou todas as folhas de pagamento, no melhor dos casos, a partir do dia 10.

A alegada previsibilidade, propagandeada como um presente a servidores(as), não passa de um cronograma volátil, divulgado às vésperas do fim do mês aos sabores da Secretaria da Fazenda e imprevisível – ao que parece – ao próprio governo, que se mostra incapaz de planejar o fluxo de caixa com um mínimo de antecedência.

Sem data para mesa de negociação

Desde o encontro em fevereiro, quando as partes acordaram em estabelecer uma agenda para iniciar tratativas sobre a questão salarial e valorização da carreira, diversos pedidos de audiência por parte do CPERS foram negados ou ignorados.

No último dia 15, o Conselho Geral do CPERS se dirigiu ao Palácio Piratini na tentativa de restabelecer o diálogo.

A direção estadual foi recebida pelo secretário adjunto da Casa Civil, Bruno Pinto de Freitas,que se comprometeu a responder até a semana seguinte com uma data para a abertura da mesa.

Até hoje aguardamos resposta do governo.

Caos nas escolas

Faz mais de um mês que os(as) 800 mil estudantes da rede estadual voltaram às aulas no Rio Grande do Sul.

Mas, em todo o estado, alunos e educadores(as) ainda sofrem com a falta de planejamento e medidas arbitrárias que prejudicam a qualidade do ensino e tumultuam a organização das comunidades escolares.

Salas lotadas, não homologação de turmas, fechamento de turnos, dispensa e realocação de educadores(as), falta de especialistas, bibliotecas fora de operação e desrespeito à gestão democrática são alguns dos problemas.

O Estado também pretende que todos os contratos sejam fechados por tempo determinado, deixando educadores(as) sem férias remuneradas, sem garantias de emprego e sem salário nos meses que antecedem o início do ano letivo.

O CPERS foi recebido pelo secretário da Educação no dia 1º de março e, em duas outras oportunidades, por representantes da Secretaria. Apesar disso, os problemas continuam e não há sinais de soluções efetivas.

A situação da rede pública é tal que educadores(as) convivem com o medo de perder seus postos de trabalho, enquanto pais e alunos(as) temem ficar sem escola.

Descaso com o IPE Saúde

Após cem dias, o IPE Saúde permanece sem a nomeação de um diretor-presidente e o Conselho de Administração – parte essencial da sua estrutura de funcionamento – ainda não foi instalado.

Esta última falta é uma ilegalidade, já que o art. 30 da Lei nº15.144 prevê 180 dias para a operacionalização do colegiado. Desde a aprovação da Lei, em 5 de abril de 2018, o tempo transcorrido equivale a mais do que o dobro do prazo.

Soma-se à desordem administrativa o desmonte do quadro de pessoal, que apresenta umadefasagem de 64%.

A precarização compromete a qualidade e a própria prestação dos serviços de saúde aos segurados do IPE, que somam mais de um milhão de vidas entre servidores(as) e familiares.

O atual governo também dá continuidade à prática de reter a contribuição patronal, atrasando a parte que lhe cabe dos repasses que sustentam o IPE.

Enquanto isso, segurados(as) têm desconto em folha e pagam sua parcela em dia.

Privatizações de estatais

Novamente na contramão do discurso, Leite não quer consultar os(as) gaúchos(as) para vender estatais, acabando com o plebiscito previsto na Constituição.

Historicamente, o governo tem usado educadores(as) como reféns para aprovar seus projetos. Medidas duras são vendidas com o argumento de que são necessárias para pagar em dia o funcionalismo.

Assim foi com a venda da CRT e de parte da CEEE com Britto (MDB), com a extinção das Fundações sob Sartori e com o aumento do ICMS, renovado por Leite. Assim será com o fim do plebiscito para vender estatais e entregar o patrimônio dos gaúchos.

 

Mas, passado o arrocho, continuamos sem salário e sem reajuste. Por quê?

Quando a educação voltará a ser prioridade?

Mesmo com o salário humilhante, já contamos 40 meses de atrasos e parcelamentos, e mais de quatro anos sem qualquer reajuste ou reposição da inflação.

É de indignar a naturalidade com que se trata a miséria imposta pelo Estado a educadores(as).

Como se o martírio, o adoecimento e os impactos na aprendizagem dos(as) alunos(as) fossem consequências inescapáveis de equações fiscais firmadas em contrato divino.

Os números da própria Secretaria da Fazenda – levantados pelo Dieese – mostram o contrário; o peso da folha da Secretaria da Educação cai ano a ano.

Proporcionalmente, cada integrante do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público pesa cinco vezes mais que um(a) educador(a).

O tempo dos “remédios amargos” já passou. Foram testados e não tiveram os resultados alardeados.

Após desmontar o Estado, Sartori legou ao Rio Grande do Sul o maior rombo dos últimos 16 anos.

A crise é de receita e não iremos vencê-la replicando o modelo que nos conduziu até aqui.

Será preciso muita mobilização, organização coletiva e consciência de classe para barrar o desmanche da educação.

Enquanto não houver uma mesa de negociação séria para discutir reposição ou reajuste salarial e propostas para o pagamento do Piso – sem instrumentos paliativos como o completivo – o Rio Grande do Sul continuará em dívida com os(as) educadores(as) e com a qualidade da educação.

 

Fonte: Site CPERS