A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, presidida pela deputada Laura Sito (PT), realizou na quarta-feira (29), a audiência pública para tratar sobre letramento racial para as polícias. O evento faz parte da agenda de atividades da “Força-Tarefa Juventude Negra Viva”, que integra o plano do Governo Federal para reduzir a violência letal e as vulnerabilidades sociais contra a juventude negra e busca enfrentar o racismo estrutural.
Conforme a deputada Laura Sito, proponente da atividade, a audiência é parte fundamental da atuação da CCDH no combate ao racismo e marca o início da força-tarefa juventude negra viva, no Rio Grande do Sul. O letramento racial para as polícias é uma demanda que se relaciona com a necessidade de desconstruir o racismo presente em formas de pensar e agir que foram naturalizadas. Por isso, “é preciso que as instituições da segurança pública se reconheçam como racistas, não em um sentido pessoal, individual, mas a partir do reconhecimento de que possuem práticas racistas que decorrem da própria estrutura da constituição das forças policiais, de controle da população negra e da periferia.”
Representando a Brigada Militar, o Coronel Vladimir Silva da Rosa, Corregedor Geral da PM, destacou que há muito a crescer neste sentido e que esta não é uma tarefa exclusiva dos atores do estado. “Todos nós somos responsáveis, enquanto sociedade e precisamos fazer este debate. A Brigada está na linha de frente da segurança pública, mas essa é uma responsabilidade de toda a sociedade.”
Karla Aveline da Associação de Juízes e Juízas para a Democracia e juíza titular do 3º Juizado de Infância e Juventude de Porto Alegre, destacou a alta taxa de mortalidade entre os jovens que cumprem medida socioeducativa. “Há 15 dias entregamos para a bancada negra um relatório que registrava a morte de 40 jovens nos últimos três anos, apenas em Porto Alegre e hoje eu trago esse relatório atualizado, registrando que já são 48 jovens em 3 anos, que foram executados dentro do sistema.” Por isso, segundo ela, é fundamental visibilizar e discutir a morte desses jovens que são, majoritariamente, da periferia “e que sabemos que há um recorte racial no fato deles estarem neste sistema.”
A delegada titular da Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância reforçou a importância da articulação entre as instituições e a sociedade para que seja feito um debate qualificado e pautado pela perspectiva dos Direitos Humanos. “Para isso, é fundamental que a gente esteja junto com toda a sociedade, não só nós que somos agentes da segurança pública, mas também do judiciário, dos movimentos sociais e das comunidades. Precisamos que nosso trabalho tenha como foco a necessidade de combater não só o racismo institucional, como o racismo estrutural, de forma ampla.”
Outro ponto fundamental para o aprofundamento do debate acerca do racismo institucional e estrutural foi trazido por Abaiomi Mandela, também da Delegacia de Combate à Intolerância, que destacou a necessidade de aceitar que o racismo existe e falar abertamente sobre ele para compreender o que ele significa e como se manifesta na prática. “Por isso, existe uma dificuldade em combater o racismo porque mesmo que se saiba que por trás de uma ação houve uma motivação racista, nem sempre é fácil dar materialidade a isso e o letramento racial é importante para que as pessoas entendam do que se trata o racismo e a gente possa agir de uma maneira mais efetiva em relação a isso.”
A representante do Sindicato da Polícia Penal, Nívia Carpes, relatou a situação enfrentada pela polícia penal em razão do projeto privatista do Governador Eduardo Leite e como este projeto contribui para a manutenção do racismo na instituição. Para ela, o debate sobre letramento racial fortalece as instituições, no entanto, há em curso um projeto político que atua pela fragilização de instituições como a polícia penal para que, por sua fragilidade, sejam colocadas à venda. “Eu tenho estima pela minha instituição, sei da importância do nosso trabalho, mas a minha instituição não tem maturidade, neste momento, para fazer esta discussão. É lamentável que uma instituição que atua no encarceramento e que faz um papel tão importante sobre a questão racial e o encarceramento da juventude pobre e negra esteja nessas condições.” Segundo ela, é preciso lutar contra a privatização do sistema prisional porque isso dialoga diretamente com a forma como este sistema trata a juventude negra da periferia. “Eu lamento que seja essa a contribuição que eu tenho para trazer. Eu gostaria muito de dizer que estamos construindo algo, mas estamos tão somente resistindo por um sistema carcerário público para que se possa trabalhar essas questões lá dentro.”
Rodrigo de Medeiros, da Defensoria pública do Estado mencionou a importância de a DPE ter uma ouvidoria externa escolhida pela sociedade civil, “mas se pode avançar mais ainda, como por exemplo, por meio de ouvidorias externas nas polícias.” Segundo ele, há uma necessidade de construir um debate entre as instituições, a sociedade civil e os movimentos sociais e é importante criar mecanismos de diálogo e de controle social. A exemplo disso, a ouvidoria da Defensoria Pública do Estado, junto com a corregedoria e o Movimento Negro Unificado já trabalha na construção de um material educativo sobre letramento racial. Uma experiência que, segundo ele, tem sido exitosa e que deve ser reproduzida por outras instituições.
Quênia Antunes Pereira, da Polícia Legislativa da Assembleia, reforçou a necessidade da conscientização sobre o racismo por meio de um debate aberto e amplo. “Por isso, um espaço como este é tão importante para podermos falar abertamente sobre o assunto porque se não falarmos, não temos como combatê-lo.”
A deputada Laura Sito reforçou que esta audiência pública, como parte da força-tarefa juventude negra viva, é um início de um processo de aprimoramento e de construção dessa força-tarefa e que ainda terá outros desdobramentos. “É a partir desse caminho que vamos elaborar e executar a política pública para a juventude negra da maneira como ela deve ser feita, coletivamente, a partir das demandas de quem vai ser o beneficiário e o multiplicador dessa política.”
Participaram ainda os Movimentos Sociais Negros, associações e entidades representativas da população negra, o Sindicato dos Auditores Externos do Tribunal de Contas do Estado, o Conselho Estadual de Direitos Humanos do RS, a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, o Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra (CODENE).
Texto: Manu Mantovani (Reg. MTb. 12.704)
Foto: Debora Beina