Promovida pela Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia, por proposição da deputada Sofia Cavedon, uma audiência pública foi realizada na terça-feira (14/11) para debater o PL 385/2023, que trata do Programa Alfabetiza Tchê e chegou ao Parlamento Gaúcho em Regime de Urgência, sem qualquer consulta aos professores e pesquisadores da rede pública.
Na abertura dos trabalhos, Sofia ressaltou que o PL cria sombreamento com iniciativas que já existem na rede pública, com novas avaliações, novas diretrizes. “Um projeto que traz uma série de coordenadores, articuladores, muito dinheiro alocando coordenadores regionais, estaduais, municipais, escolares, muita gente operando um projeto que não diz claramente que conteúdo vai ter, mas a gente já viu em outros estados que é compra de método de alfabetização, imposição de metodologia em sala de aula, esvaziamento do protagonismo dos professores, pagando estes profissionais para supervisionar, para operar, para desenvolver com testes e uma premiação para uma parte das escolas. Uma visão meritocrática em que o resultado da educação depende da disputa, da concorrência, para receber algum prêmio.”
Vera Maria Vidal Peroni, coordenadora do Grupo de Pesquisa Relação Público Privado na Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) afirmou que há uma intervenção privada na educação pública gaúcha nos últimos anos. Peroni destacou que o processo de democratização prevê que não exista processo de avaliação fora da comunidade escolar, por isso, sem a participação dos professores que estão em sala de aula. A pesquisadora apontou na justificativa do PL 385/2023, a quebra do regime de colaboração, com uma imposição do Governo do Estado, aos governos municipais e afirmou que não há paridade entre os entes federados, o que aponta para a inconstitucionalidade.
Outro elemento apontado como quebra do sistema de educação gaúcho, diz respeito a democratização das decisões, uma vez que o Programa Alfabetiza Tchê, entre outras políticas de Educação, é imposto. Peroni ressaltou que a ideia meritocrática e de premiação, contraria a democracia e a própria Constituição. A pesquisadora chamou atenção para a padronização do material didático, que será imposto por institutos ligados a grupos econômicos como a Fundação Lemann e o Instituto Natura. Peroni classificou como grave, diante da história do RS que construiu e valoriza a democracia e a transparência no processo e afirmou que o programa não define quem será contratado, qual será o conteúdo, quem fará a formação dos professores, tampouco quem será premiado e que os deputados vão votar no escuro, uma vez que o texto do PL não esclarece.
A Lei de Diretrizes e Base diz que é a comunidade escolar que define o projeto pedagógico e o PL 385 transfere para uma empresa, paga com dinheiro público, definir os conteúdos. Vera classificou o texto do Governo Leite como grave para a educação pública gaúcha e afirmou que o Programa Alfabetiza tenta comprar a adesão das prefeituras oferecendo recursos. Ela também apontou o acesso privilegiado de uma empresa privada ao banco de dados e estatísticas escolares. Para ela, o Programa engessa a Educação por muitos anos, vai contra todos os princípios da democracia, deixa os professores fora de todas as discussões e aponta para a inequívoca privatização da educação pública.
O diretor do CPERS Sindicato, Leonardo Preto Echevarria destacou o fato de que das 2.300 escolas públicas, apenas 200 terão o benefícios, traduzidos em cargos, classificado pelo dirigente, como municipalização de cargos em comissão, para um projeto de venda da Educação do RS. Echevarria lembrou que mesmo havendo recursos federais para a alfabetização, o Governo do Estado, está impondo um programa privado.
A presidente do Conselho Estadual de Educação (CEED/RS), Fátima Anise Rodrigues Ehlert, aproveitou o espaço da audiência pública para denunciar outro conteúdo imposto pelo Governo do Estado, através do PL 518/2023, alterando a Lei 9.672/1992 que dispõe sobre a composição, o funcionamento e as atribuições do CEED/RS. Fátima solicitou a retirada do Regime de Urgência do Projeto e uma análise criteriosa do PL, incluindo os itens que preveem a redução do número de conselheiros, da paridade entre representantes, a necessidade de citação das entidades que terão representatividade e a imposição da presidência do secretário da Educação, quando presente nas reuniões do Conselho. Fátima e membros da direção do CEED/RS entregaram um documento com todas as solicitações e apontamentos à presidente da Comissão, deputada Sofia Cavedon.
Ao encaminhar o debate da audiência, a deputada Sofia Cavedon manifestou preocupação com a privatização da Educação no Rio Grande do Sul e afirmou que o tema deve ser levado à Conferência Estadual de Educação, que é a instância máxima de deliberação sobre Educação no RS. Sofia lembrou que há várias experiências de alfabetização em todo o Estado, que precisam ser valorizadas em seu protagonismo. “Na verdade, o que acontece é uma individualização e responsabilização do diretor da escola e uma desresponsabilização do sistema de educação. A escola convive com a absoluta falta de professores, com degradação do espaço físico, sem funcionários para atender a alimentação e a limpeza, é gravíssima a situação da escola, mas o problema está centrado na relação professor-aluno, não importam as condições que oferece. O diretor que não cumpre o plano, é demitido. Aonde nós chegamos no RS, autoritarismo, perseguição e desresponsabilização do poder público e do sistema de educação, com o sucesso da aprendizagem. É muito grave!”
Sofia destacou o prejuízo para o estudantes, o desestímulo aos professores e citou a cópia do modelo privado implementado pelo governo do Estado do Ceará, que impôs um pacote de conteúdos, acabou com a eleição de diretores nas escolas e tirou dos professores, o direito de aplicar o método pedagógico para o qual se preparou.
Texto: Adriano Marcello Santos
Fotos: Debora Beina