O projeto de um prédio de 98 metros de altura e 41 andares no Centro Histórico de Porto Alegre foi objeto de audiência pública da Comissão de Educação, Desporto, Ciência e Tecnologia, na manhã desta sexta-feira (10). Como o terreno onde o edifício será construído fica ao lado do Museu Júlio de Castilhos, localizado na rua Duque de Caxias, e próximo ao conjunto arquitetônico da Praça da Matriz, mobilizou representantes de entidades de proteção ao patrimônio histórico, ambientalistas e moradores do entorno, que temem os impactos da obra.
A audiência foi proposta pela presidenta da comissão, deputada Sofia Cavedon (PT), que afirmou ser inaceitável a proposta do governo municipal de primeiro dar o licenciamento para depois discutir com a sociedade destacando que a questão é muito grave. Sofia disse que a audiência foi provocada pela Associação Comunitária do Centro Histórico, que já se posicionou contra o projeto. “Somos completamente contra essa aberração, que vai prejudicar toda a comunidade, determinar mudanças em nossos prédios e afetar, inclusive, a Praça da Matriz e o Palácio Piratini”, anunciou a representante da entidade. Ana Maria Lentz.
Ação Civil Pública
A Associação dos Amigos do Museu Júlio de Castilhos ingressou na Justiça com duas ações civis públicas contra o empreendimento, alegando que o projeto contraria vários aspectos da legislação. Um deles, segundo o presidente da entidade, Cláudio Pires, é a Portaria 35/02, da Secretaria de Estado da Cultura do RS, que diz que o zoneamento de alturas, no entorno de museus, prevê edificação de, no máximo, 15 andares ou 45 metros.
Pires citou também o Decreto-Lei 25/1937, ainda em vigor, que proíbe na vizinhança de bem tombado, sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, construção que impeça ou reduza a visibilidade do patrimônio protegido. Além disso, mencionou a Lei Complementar 930/2021, que institui o Programa de Reabilitação do Centro Histórico de Porto Alegre e prevê a preservação, a valorização e a requalificação do patrimônio cultural reconhecendo a singularidade do Centro Histórico como um território rico em monumentos, espaços e edificações de grande importância histórica.
Durante a audiência, Pires exibiu slides com projeções de sombreamento em três dimensões que mostram que o edifício reduzirá, drasticamente, a visibilidade do Museu Júlio de Castilhos. Referiu-se também à Nota Técnica do Curso de Museologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que elenca os impactos mecânicos, biológicos e automotivos negativos no acervo da instituição.
A diretora do Júlio de Castilhos, Doris Couto, ressaltou que não é contra o empreendimento, desde que “qualquer edificação no entorno leve em conta formas de mitigar danos ao patrimônio histórico e cultural”.
Ela reconheceu, no entanto, que o projeto proposto deverá causar uma série de problemas, ocasionados pelas consequências do sombreamento, como a umidade, proliferação de fungos, amarelamento de papéis e oxidação de materiais. Além disso, alertou que o aumento da emissão de gases automotivos da região também poderá afetar negativamente o acervo, produzindo, por exemplo, o craquelamento de telas.
Já o representante do Instituto Brasileiro dos Museus, Joel Couto, disse que o custo será alto para o Júlio de Castilho, que terá que adquirir e arcar com o custeio de equipamentos para conter a umidade, reduzir poluentes e manter a temperatura do ambiente adequada. “Quem vai arcar com todos estes custos?”, provocou.
Apoio popular
O Instituto dos Arquitetos do Brasil também lançou uma nota contra o empreendimento em suas redes sociais. A presidente da IAB, Clarice Oliveira, relatou que o nível de engajamento das publicações da entidade é de cerca de 300 curtidas por publicação, mas que neste caso ultrapassou 1700, em 24 horas, e obteve o apoio de outras 42 entidades.
Clarice alertou que o “espigão da Duque” é uma mostra do que já acontece em outros bairros da cidade. “Nas décadas de 60 e 70, edifícios altos eram símbolo de modernidade. Hoje, com as mudanças climáticas, representam o atraso e simbolizam a opressão e a dominação exercida pelos que têm muito”, apontou.
Ela sustentou ainda que o projeto do edifício com 98 metros de altura já foi aprovado pela prefeitura da capital e que, agora, a construtora busca ampliar a dimensão para 104 metros.
A diretora do Instituto Brasileiro de Direitos Urbanístico, Bethânia Alfonsin, rechaçou o projeto. “É uma boiada urbanística. No bojo disso, há um projeto mais amplo que poderá atingir outras zonas, como o 4º Distrito”, alertou.
Ela cobrou da prefeitura de Porto Alegre a realização de audiência pública sobre o tema e acusou o órgão de “ter surdez” em relação às manifestações da sociedade sobre política urbanística, atuar como “despachante de construtoras” e não promover a tutela do direito à cidade.
Contraponto
Por meio de uma correspondência, lida pela presidenta do colegiado no início da audiência, o secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre, Germano Bremm, afirmou que o procedimento de avaliação da proposta do empreendedor ainda não terminou e que não há, no momento, qualquer decisão final em relação à aprovação, licenciamento ou mesmo ao seu enquadramento. Disse que o processo passa por análises técnicas no âmbito da administração e que, só após parecer e avaliações definitivas, o assunto será discutido com a comunidade interessada.
Encaminhamentos
Os participantes da audiência decidiram procurar o prefeito Sebastião Melo e o Ministério Público para tentar evitar a construção do edifício. Um dossiê com as informações que circularam na reunião será elaborado para ser entregue às autoridades. A deputada Sofia Cavedon registrou que será elaborado um requerimento exigindo o Estudo de Impacto de Vizinhança ( EIV) prévio.
Texto: Olga Arnt – MTE 14323/Agência de Notícias da AL/RS
Foto: Debora Beina