Importações do Mercosul agravam crise do setor leiteiro no RS

Importações do Mercosul agravam crise do setor leiteiro no RS

A alta dos combustíveis, dos fertilizantes e demais insumos para o setor agrícola durante o governo Bolsonaro estão entre as principais causas da perda de competitividade e da crise no setor leiteiro gaúcho, que já não consegue disputar mercado com as importações do Mercosul. A situação foi tema de Audiência Pública, proposta pelo deputado Zé Nunes em conjunto com o deputado Elton Weber (PSB), na Comissão de Agricultura, Pecuária e Cooperativismo. Com o Plenarinho lotado de produtores, a reunião que ocorreu de forma híbrida, na quinta-feira (10/08), foi aberta pelo parlamentar petista, citando dados da cadeia produtiva do leite no RS. Conforme dados produzidos pela Emater, entre 2015 e 2022, houve uma queda de 52% no número de produtores de leite no Rio Grande do Sul. Zé Nunes informou ainda que 44 mil famílias deixaram a atividade e que o setor deixou de ser a maior cadeia produtiva gaúcha, perdendo o posto para o setor do tabaco, com 76 mil famílias. O deputado também citou a redução de 36% do rebanho de vacas leiteiras. “O RS deixou de ser a segunda maior bacia leiteira do Brasil, posição ocupada historicamente pelo nosso Estado e fomos ultrapassados pelo Paraná. ”

O deputado também atribuiu a crise a desmobilização do setor do leite no Estado, depois de um enorme esforço dos produtores e instituições para criar o Instituto Gaúcho do Leite, de um programa estadual de estimulo a produção (Prodeleite) e de um fundo específico para a cadeia produtiva leiteira (Fundoleite). “É algo muito antagônico. Como é que nós conseguimos reunir todo mundo do setor e criar uma política de Estado e como é que se deixou isso se liquidar. Nós não temos uma política para o leite no Estado do Rio Grande do Sul”

Outro motivo apresentado por Nunes com graves consequências para o setor, foram os decretos assinados pelo governo Sartori em 2016 e 2017, que incentivaram a importação de leite através da fronteira do Rio Grande do Sul. A medida se mostrou equivocada e foi preciso uma forte ação parlamentar para assegurar a revogação dessas medidas à época.

Ainda em sua fala inicial, o deputado Zé Nunes manifestou preocupação com o agravamento da crise no setor, diante do novo momento nas importações Uruguai e Argentina, mesmo com a redução do custo dos insumos e dos combustíveis levadas a cabo pelo novo Governo Federal. Para piorar a situação, em 2022, a Câmara Federal retirou tarifas de importação do leite argentino e uruguaio. “Por conta de duas resoluções que incentivaram a retirada de alíquotas de importação no ano passado, e também devido à nova conjuntura econômica, acaba fazendo com que o leite da Argentina e do Uruguai seja competitivo no Brasil. Precisamos, portanto, de uma política estadual e federal que proteja a cadeia leiteira gaúcha, precisamos também analisar todos os aspectos relacionado a esta importação e construir medidas e propostas que façam com que o setor não seja inviabilizado”.

O deputado Elton Weber (PSB) voltou a criticar a avalanche de importações de lácteos que achata o preço ao produtor de leite e também o fato de os governos manterem benefícios fiscais para as empresas responsáveis por isso. O parlamentar defendeu um novo fechamento da fronteira com Argentina e Uruguai caso não haja anúncio positivo para os agricultores até a Expointer, que vai de 26 de agosto a 3 de setembro. “Até agora não temos uma medida efetiva que recupere o preço, que estanque essa sangria. Pedimos mais uma vez aos governos o estabelecimento de cotas de importação e o corte de benefícios fiscais. Pretendendo a partir de hoje dar um novo enforque e rumo a esta pauta, inclusive retomando as mobilizações na fronteira, se nos próximos dias nada a acontecer”.

O presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag/RS), Carlos Joel da Silva destacou o trabalho da Federação desde sua fundação, a tratar do tema do leite e do preço do produto. Manifestou preocupação com a quebra das cooperativas de produtores e sua substituição por multinacionais. Questionou a política do Governo do Estado, que paga por quantidade, quem produz menos, ganha menos, mas o leite é vendido pelo mesmo valor ao consumidor. Cobrou do secretário da Agricultura, a fiscalização das leis de Incentivo fiscal do RS para empresas que estão produzindo empregos em outros lugares. Joel criticou a demorar do Ministério do Desenvolvimento Agrário em responder a pauta de reivindicações do setor e afirmou que o anúncio de compras públicas é insuficiente.

O representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), Douglas Cenci, lembrou que o setor tem um processo de endividamento, somado a um período de seguidas estiagens. O dirigente também lembrou do aumento dos custos de produção até o ano passado. Cenci citou reuniões realizadas com os ministros do Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, bem como com o vice-presidente, Geraldo Alckmin e afirmou que o Governo Federal precisa definir se o país será autossuficiente na produção de leite ou vai ser um país importador. Ele defendeu ainda a suspenção imediata das importações, para estudar novas regras.

Para o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Alvaro Delatorre, defender a produção leiteira do RS é defender o sistema agroalimentar e a criação de postos de trabalho na agricultura familiar. Delatorre afirmou que é preciso resistir aos avanços da soja e os problemas ambientais envolvidos na desterritorialização dos agricultores. Ele afirmou que é necessário defender o setor leiteiro e reconhecer o papel da pesquisa e da tecnologia. Para Delatorre, há um abandono do setor por parte do Governo do Estado e é preciso definir qual é a função do setor leiteiro na política de desenvolvimento.

Uma política pública para garantir subsídio, preço e mercado são medidas estruturais para garantir a preservação do setor, afirmou o presidente da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes), Gervásio Pluciski. O dirigente denunciou que a área destinada à soja está reduzindo a produção de outros alimentos. Pluciski também lembrou que houve uma redução do consumo com o aumento da pobreza nos últimos seis anos e entregou um documento ao deputado Zé Nunes, com sugestões para o setor leiteiro.
Bloquear as importações do Mercosul por suspeita da prática de dumping (comercialização de produtos a preços abaixo do custo de produção) foi a sugestão do diretor-secretário da Organização Cooperativa (Ocergs), Tarcisio José Minetto.

A presidenta da Emater, Mara Saaleldt destacou a produção de um relatório socioeconômico produzido pela instituição, e feito em todos os municípios gaúchos. Saaleldt também ressaltou que toda a população rural consume leite e que há uma propaganda negativa a respeito do produto. Defendeu que a Emater encabece uma grande campanha de consumo do leite e criticou as importações do Mercosul.

Assessor executivo da Associação das Pequenas e Médias Indústrias de Laticínios do Rio Grande do Sul (APIL), Osmar Redin questionou o aumento de até 280% nas importações do Leite. Redin afirmou que que o setor está alertando para a crise há dois anos e que falta política. O dirigente afirmou que há empresas de grande porte processando leite fora do Estado e defendeu três medidas compensatórias: 1) aumento do crédito presumido para 100% dos insumos. Hoje é de 50%; 2) criação de alíquota sobre os produtos do Mercosul e alteração na legislação do Prêmio para Escoamento do Produto (PEP) para escoar derivados lácteos, a exemplo dos derivados da uva; 3) Refinanciamento das dívidas por 13 anos.

O secretário do Desenvolvimento Rural do Governo do Estado, Ronaldo Santini afirmou que há um problema hídrico no RS que afeta a produção leiteira. Santini defendeu mudanças no sistema das compras públicas do Estado para privilegiar a compra da agricultura familiar, com obrigatoriedade, com um percentual para aquisição das cooperativas de produtores.

O superintendente do Ministério do Desenvolvimento Agrário no RS, Milton Bernardes destacou o retorno do MDA e do Plano Safra que já prevê a redução de juros nos créditos.

O representante da Embrapa Clima Temperado, Jorge Schafhauser destacou as características climáticas, genética do gado, tipo de propriedades para uma modelagem do setor

O representante da Secretaria Estadual de Agricultura , Paulo Roberto defendeu trabalho transversal e que a grande dificuldade é que não há organização para enfrentar o problema do setor.

A suspeita de triangulação e dumping foi levantada pelo presidente da Cooperativa de Trabalho dos Profissionais Liberais do Brasil (Cooplib), Ernesto Krug. O dirigente afirmou que os problemas do leite sempre acontecem depois de grandes importações. Krug criticou a extinção do Instituto Gaúcho do Leite e defendeu taxação da importação.

Como encaminhamentos da audiência, ficou decidido o envio de documentos aos governos estadual e federal, colocando a situação e propondo medidas. Entre elas, a necessidade de reforçar a importância da aquisição de leite pelo estado e pela Conab; a defesa das cotas de Importação até o final de 2023; a ampliação do crédito público para empresas que não importem leite; a constituição de programas de qualificação da atividade de leite, em nível federal e estadual; a desoneração de equipamentos para a atividade leiteira bem como renegociação de dívidas; cotas de importação por seis meses com uma média dos últimos três anos, com vistas a uma saída menos drástica e que reservaria relação com a Argentina protegendo a cadeia leiteira brasileira.

 

Texto: Adriano Marcello Santos com informações de Marcela Santos

Foto: Joaquim Moura