“Esta audiência é a segunda tentativa de dialogar com a secretária da Saúde, Arita Bergmann. A primeira tentativa acertada com ela, ela não compareceu e a partir de entendimento com o presidente da Comissão de Saúde, ofereceu essa data, que não é a melhor data para este Parlamento, mas mesmo assim, por conta do nosso reconhecimento das atividades da secretária, concordamos, mas ela não veio”. A afirmação foi feita pelo deputado Miguel Rossetto (PT), lamentando a ausência da secretária Arita na audiência pública realizada nesta segunda-feira (7) pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa para debater os impactos do Programa Assistir nos hospitais da região metropolitana.
Rossetto lamentou também a justificativa da ausência. “A secretária nos informa que está com seu gabinete discutindo a atualização do Assistir. Talvez se ela estivesse presente conosco, escutando os gestores do sistema na Região Metropolitana, essa escuta pudesse contribuir para uma melhora do programa”. O deputado disse sentir dificuldade para entender quando os secretários do governo do estado marcam e desmarcam sem avisar. “As pessoas se mobilizam, se deslocam para acompanhar e dialogar e não encontram essa representação”, disse.
O deputado alembrou ainda que o sistema vive problemas devido ao represamento dos serviços desde a pandemia. “De uma forma abrupta, houve mudança nos financiamentos com retirada de recursos de financiamento de um número expressivo de hospitais. Por isso convocamos essa audiência nesta região, porque aqui se concentra o maior número de hospitais prejudicados”, argumentou, dizendo que 45% dos recursos reduzidos ocorreram na Região Metropolitana e dos 56 hospitais do estado que tiveram redução de recursos, 11 estão na região metropolitana e sobre estes recaíram 76% da redução de recursos.
A partir do mês que vem, a Assembleia discutirá o orçamento e a audiência tem o sentido de que o parlamento quer colaborar com um serviço mais adequado à população da região Metropolitana, por isso, repensar o financiamento para os hospitais que prestam serviço ao SUS é uma necessidade urgente. O deputado defendeu que quando começar a discutir o orçamento, a Comissão deve pensar no financiamento dos hospitais. “Queremos mais SUS, mais qualidade nos serviços, mais qualidade na saúde do RS. Primeiro há um debate permanente sobre o cumprimento da Lei Complementar 141 de 2012. Há um debate sobre a natureza dos investimentos do estado que se distanciam daquilo que é preconizado pela Lei Complementar e não é pouca coisa: Estamos falando de R$ 1,3 bilhão/ano a menos do que estabelece a Lei Complementar”, sustentou.
A redução de investimentos também foi destacada. Em 2014, 4,5% da receita líquida para uma média de 3 pontos percentuais e agora em 2023, 2,4%. “Se nós compararmos 2014, com 2023, estamos falando em valores atualizados de R$ 500 milhões/ano, o que também não é pouca coisa”, afirmou o parlamentar. O resultado, acrescentou Rossetto, são as filas. “É evidente que o debate dos recursos é importante, mas o debate que importa à população são as filas e o tempo de resposta às necessidades da população. Quanto tempo um cidadão leva para ter acesso a uma cirurgia indicada? Estes indicadores é que devemos buscar”, defendeu.
O deputado Pepe Vargas também participou da audiência e disse que quando o Assistir foi lançado em agosto de 2021, já naquela época, foi realizada uma audiência pública. Já na largada o programa pegava um conjunto de municípios e redistribuía os recursos. “É válido que qualquer governo queira aperfeiçoar uma política que há muitos anos vem sendo desenvolvida pelo estado. Mas qual é o problema? Lá na largada em agosto de 2021 apontávamos que o assistir estava reduzindo recurso porque se pegasse todos os hospitais que estavam sendo atendidos pelo assistir e pegasse os recursos que estavam sendo consignados daquele período em diante havia uma redução de R$ 36 milhões”.
No geral, a política de financiamento hospitalar com recursos próprios do Estado, se pegarmos uma série histórica mais alongada, a redução é ainda maior. Segundo Pepe, em 2014, o estado investia 4.5% da receita corrente líquida no sistema hospitalar. Esse valor hoje representa apenas 2,4% da receita corrente líquida. “É quase metade do que se investia há nove anos. É uma quebra brutal. Em 2014 se investia R$1,8 bilhão. Em 2023 está orçado R$ 1,14 bilhão. Isso no momento que os custos hospitalares crescem acima da inflação, então tem um aumento de custos e uma queda do valor investido pelo estado. Não tem como dar certo”, analisou o deputado.
Pepe disse ainda que o Tribunal de Contas vem dizendo que o estado não aplica os 12% da receita corrente líquida de impostos e transferências de acordo com a Legislação em vigor desde 2013, a Lei Complementar 141, que define o que são ações em saúde. “Em 2022, foi R$ 1,347 bilhão que o estado investiu a menos”, reforçou, acrescentando que a Emeda Constitucional 95 que levou a uma perda de 2018 e 2022 de R$ 37 bilhões para o SUS. Se computar os efeitos da emenda constitucional 109, que desvinculou os royalties do petróleo da saúde, perdemos R$ 70 bilhões. “Precisamos recompor o orçamento federal também e a poucos dias foi ampliado o teto de média e alta complexidade em R$ 160 milhões”, observou.
Pepe solicitou que a secretaria retome a disponibilização dos dados do Assistir para que se possa acompanhar o financiamento hospitalar.
Gestores apontam falta de diálogo por parte do estado
Ana Bohl, diretora do Hospital São Camilo, afirmou que os números são impactantes, mas que neste momento o importante é pensar na premissa. “O que vimos desde o Assistir, viemos pedindo o diálogo com a gestão do estado. No mérito não temos desacordo. O que estamos falando é como ele chega para nós: a partir de um decreto do governador, e os prestadores que vão perder recursos são notificados através de um ofício e em nenhum momento fomos chamados para debater”. Segundo a diretora, o programa é lançado através de decreto e diz que são valore pré-fixados que serão repassados aos fundos municipais para a gestão plena. Houve uma negociação do gestor estadual com os prestadores que poderiam aderir ou não. “Ninguém me perguntou em nenhum momento o que eu queria produzir mais. Ninguém sentou comigo para dizer que eu estava produzindo pouco”, disse Ana.
Para a diretora, o Assistir veio para desafogar filas, mas não está conseguindo cumprir o objetivo. “A gente quer sentar com o Estado, quer discutir matriz do assistir, quer saber com que base esses valores foram estipulados. R$ 70 mil em 2021 não paga minha equipe de proctologistas nem de traumatologia”, afirmou Ana.
O diretor do hospital Centenário de São Leopoldo, Nestor Schwertner, afirmou que a distribuição de recursos pelo Assistir são recursos parciais. “Os recursos vem desde 2014 e vem sendo trabalhados. São Leopoldo é o único município que não tem orçamentação”. O prefeito Vanazzi, segundo Nestor, fez um cálculo de que o município deixou de receber R$ 500 milhões. “Não temos mais nada a perder e portanto qualquer negociação é evidente que no governo Bolsonaro, além de não ter reajuste das tabelas, na reta final, ele reduziu os repasses de até 60%”.
Fernando Berti, diretor do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul disse que a essência do sindicato é defender o médico, mas a entidade tem buscado cada vez mais articular com outras entidades para buscar soluções em saúde. “90% das vezes nossas pautas em defesa do profissional se refletem na melhora da assistência assim como políticas públicas sérias e efetivas também refletem na valorização do médico”. Quanto ao Assistir, disse que a entidade é favorável ao aperfeiçoamento dos métodos de gestão no sentido de que as metas contratualizadas sejam cumpridas. “Isso é coerente inclusive com o debate que fizemos sobre o IPE saúde. Desde o início deixamos claro que estávamos defendendo não só a atualização dos honorários médicos, mas também preocupados com um modelo que fosse sustentável”.
Bruna Engelman, do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul, afirmou ter preocupação com os trabalhadores e pacientes. “Com uma redução de leitos SUS temos uma redução de trabalhadores da enfermagem e tem uma redução da qualidade dos atendimentos. Como não houve reajuste, no momento em que o programa Assistir entrou em 2021 e não aumentou nenhum tipo de financiamento, teve pandemia, inflação, temos um impacto muito grande para os trabalhadores e para os pacientes”.
O secretário de Saúde de Canoas, Felipe Martini, afirmou que a possibilidade de desassistência é real, por isso é importante a mobilização. “Foram trazidos muitos números que preocupam. Se em Canoas não tem atendimento, eles vão bater às portas de Porto Alegre”. Segundo o secretário há uma inflação setorial, que afeta a área da saúde. “As maiores perdas no assistir vão impactar nos atendimentos, na assistência e fechamento de serviços. Em Canoas temos 4 mil colaboradores nos nossos três hospitais. Perdemos já R$ 14 milhões desde o implemento do Assistir e isso não é pouco, entendendo que os prefeitos precisam drenar recursos. Em Canoas o prefeito está chegando a 30% de investimentos dos recursos livres, enquanto o estado coloca 12% e cada vez mais são recursos insuficientes”. Canoas é referência para 155 municípios gaúchos.
O secretário de saúde de Esteio, Gilson de Menezes, falou das filas de espera no município. Para um usuário conseguir cirurgia de coluna, a média de espera seria de 73 anos, considerando que a fila conta com mais de 500 pessoas e apenas dois procedimentos são realizados por mês. “Ter que orientar o usuário a judicializar para conseguir o atendimento é muito dolorido”, disse. O hospital de Esteio já perdeu 17% do financiamento. A ideia é que haja desconto progressivo que deve chegar a R$ 21 milhões.
Para o prefeito de Nova Santa Rita, Rodrigo Batistella, a questão central é saber o que mudou na Saúde depois da descentralização dos recursos. “Gostaríamos que o governo do estado apresentasse os números que melhoraram no interior do estado e o que aumentou de produtividade nas cirurgias nos hospitais que não são da região metropolitana”. Essas informações ajudariam entender se o objetivo do governo foi atingido. “Na prática, a região metropolitana está perdendo R$ 200 milhões, mas a demanda continua aqui”.
Texto: Claiton Stumpf
Fotos: Joaquim Moura