sexta-feira, 22 novembro
Foto: Debora Beina

Ameaças de despejo e falta de políticas para moradia; privatizações de serviços público essenciais; risco de desabastecimento de água nas cidades e bairros das periferias da RMPA; desestruturação da rede pública de atendimento às mulheres vítimas de violência; aumento dos feminicídios no RS; ensino e cultura que naturalizam práticas machistas e violentas contra as mulheres; falta de escolas; falta de creches; desigualdade salarial entre homens e mulheres; trabalho precarizado; piora no atendimento da população, principalmente nas periferias; capacitismo e falta de acessibilidade para garantir a participação cidadã de mulheres com deficiência. Esses foram alguns dos temas ressaltados por mulheres dos movimentos sociais urbanos, rurais e feministas que denunciaram o aprofundamento da realidade de desmonte nos últimos anos no Rio Grande do Sul, o que tem piorado as condições de vida das mulheres, suas filhas, filhos e dependentes.

As manifestações ocorreram durante a audiência pública conjunta realizada pelas Comissões de Direitos Humanos; Educação; Segurança Pública e Serviços Públicos da AL, marcando o 8M na Assembleia Legislativa do RS. “Essa audiência pública e os espaços políticos que ocupamos é de resistência”, ressaltou a deputada Laura Sito (PT) que presidiu a Audiência que teve como tema central “Políticas Públicas para as Mulheres: direito à vida e acesso às políticas de proteção social”. A professora Edla Eglert (PUC/RS) lembrou que é preciso recuperar e conhecer o que a humanidade vivenciou ao longo da história para entender as origens das desigualdades estruturais vivenciadas pelas mulheres no mundo todo. “São mais de 5 mil anos de tradição patriarcal”, ressalta. “Precisamos garantir a história das mulheres, que ficou à margem da educação escolar, passe a fazer parte da história oficial”, reforçando a importância de o governo estadual garantir a efetividade da Lei 15484/2019, de autoria da deputada Sofia Cavedon (PT), que determina ao Estado a promoção de ações que visem a valorização de mulheres e meninas e o combate à discriminação e a violência contra as mulheres no sistema estadual de ensino. “A sociedade precisa se perguntar se quer ou não mudar a realidade de violência contra as mulheres”, destacou a deputada Sofia Cavedon (PT) e também uma das proponentes da audiência pública. “A estrutura patriarcal aliada à exploração capitalista organiza a exploração da vida das mulheres, por isso precisamos acolher as pautas que avance em passos mais decisivos para mais autonomia e sem violência”, ressaltou.

A violência contra as mulheres foi ressaltada pela deputada Laura Sito (PT), destacando a grave realidade do RS. “Em 2022 foram 106 assassinatos por feminicídio, uma morte a cada 3/4 dias. Nos últimos quatro anos foram 8.810 casos de estupro, 379 casos de feminicídios e 1.185 tentativas”, denunciou a parlamentar. “É central retomar o combate ao feminicídio com ênfase para as mulheres negras que são mais afetadas por crimes como esse”, denunciou. Laura cobrou o governo Leite, que vem mantendo a política de desmonte desde 2015, com o fim da Secretaria de Política para Mulheres, mantendo cortes orçamentários, e encerrando programas voltados para as mulheres. “Os governos Sartori e Leite acabaram com a Secretaria para as Mulheres e não há política integrada para atender todo o Estado. O atual governador Eduardo Leite silencia diante dessa brutal realidade”. A ativista feminista Télia Negrão, do Levante Feminista contra os Feminicídios, denunciou vários casos de feminicídios e estupros ocorridos nos últimos 4 anos no RS e que permanecem sem solução. “As providências são lentas e muitas vezes o preconceito, o machismo e o despreparo das autoridades (muitas vezes homens) impedem o avanço das providências”, disse. “Todo o Brasil conseguiu vencer um projeto de caráter fascista com ideias machistas que retrocedeu em várias conquistas das mulheres, fruto de lutas históricas ”, destacou Negrão. “Não há saída para as mulheres sem garantia de políticas públicas para o acolhimento e fortalecimento delas”. Télia chamou a atenção para as crianças órfãs por causa dos feminícidos. Só no Rio Grande do Sul, em 2022, foram 215 filhas e filhos que perderam suas mães assassinadas, sendo que 95 delas são crianças, “sem que haja qualquer política para essa realidade cruel”, denunciou.

As lutas das mulheres entrelaçam diversas agendas de lutas. Mas, para a conquista de uma vida livre de violências de qualquer tipo, as mulheres precisam ter condições de vida digna, o que envolve acesso a bens básicos como água potável, moradia digna, escola para os filhos, trabalho decente, serviços públicos fundamentais. Com a experiência de ter sido prefeita por dois mandatos em Alvorada, a deputada Stela Farias (PT), presidente da Comissão de Serviços Públicos e também proponente da audiência, destacou as privatizações dos serviços públicos como fator que vem provocando a piora na vida das populações das cidades da Região Metropolitana de Porto Alegre, assim como das comunidades das periferias da capital, o que afeta especialmente as mulheres. Ela citou a cidade de Alvorada como exemplo onde 52% da população é feminina e pertencente à classe trabalhadora. “A realidade das cidades da Região Metropolitana de Porto Alegre é de terceirização de serviços públicos como a água, luz, saneamento básico onde a empresa, a mesma que quer comprar a Corsan, cobra por serviços que não oferece à população”, denunciou a deputada citando o caso do esgoto cloacal de sete cidades da RMPA em que os moradores pagam, mas não há serviço. “Serviços cobrados, mas que não existem, o Rio Gravataí atolado em lixo e as famílias sem água potável para beber, esse tem sido o resultado da política de privatizar os serviços essenciais”, denuncia Stela. “E quem paga por essa piora na vida cotidiana? As mulheres das periferias que precisam ir até a bica para abastecer de água suas casas, são as mulheres as que mais sofrem com essa política de privatização de serviços que só aprofunda a desigualdade”, ressaltou.

A denúncia da deputada foi reforçada por Francielle Silveira do Sindiágua. “Hoje no RS as mulheres têm que lutar pelo básico do básico que é ter acesso à água potável. No Brasil temos cerca de 15,8 milhões de mulheres sem acesso à água tratada e 40% delas são mulheres negras e chefes de família”. Para Francielle, a falta de acesso a serviços básicos prejudica toda a perspectiva de melhora de vida. “Ela não consegue evoluir porque precisa atender as necessidades básicas, tudo impacta na sua vida e na dos seus filhos: atraso na escola, doenças por contaminação, pobreza menstrual, falta de tempo até mesmo para se qualificar, não há igualdade para ter as mesmas oportunidades”, ressaltou a sindicalista que também alertou que o RS está indo na contramão do mundo que vem reestatizando serviços de abastecimento de água e luz. “O RS está na contramão do mundo e sabemos que o argumento de expandir serviços com as privatizações é só desculpa, pois o que tem acontecido é a perda desses serviços”.

A deputada Bruna Rodrigues (PCdoB) saudou a realização da audiência pública como um momento de troca e de fortalecimento da unidade em favor das lutas das mulheres. Bruna reforçou as críticas de que as privatizações pioram as condições de vida das mulheres, sobretudo nas periferias de Porto Alegre como o Morro da Cruz e Lomba do Pinheiro que precisam carregar caixas d’água para abastecer a família. Bruna ressaltou a necessidade de uma luta conjunta para preservar o DMAE público porque a atual gestão do prefeito Sebastião Mello (MDB) pretende privatizar o Departamento. “Sabemos nas casas de quem vai faltar água quando o serviço for privatizado, pois não é na periferia que o serviço chega, sabemos que o atual governo [estado e município de Poa] estão de costas para a população”, comentou. “Temos que discutir as dificuldades das mulheres periféricas quando a política pública não chega e a educação é estratégica, a vaga na creche é fundamental”, alertou. “Durante a pandemia foram as mulheres que organizaram a cozinha comunitária para garantir alimentação na comunidade”, destacou a deputada que também ressaltou a importância da bancada negra na AL para que temas que envolvem a realidade da população negra ocupe espaço no parlamento.

Ângela Comunal, da Associação de Mulheres Maria da Glória, reforçou os limites da realidade da vida das mulheres periféricas. “Falar de empoderamento feminino significa ter a possibilidade de falar e ser ouvida, poder sair de casa, usar um batom, ter água na torneira de casa, ter um prato de comida”, citou. “Autonomia financeira é importante, mas ela não acontece se não tiver educação e formação”, reforçando a importância do Ensino de Jovens e Adultos/EJA. “Nós, mulheres das periferias não somos o perfil que o mercado quer, por isso, temos que nos organizar em novas redes de sustentabilidade como as redes da Economia Solidária, as redes de cozinhas comunitárias”, defendendo o reconhecimento dessa atividade como trabalhadoras sociais. “Elas estão garantindo o que o governo não garante”, denunciou.

A audiência pública também teve a participação das deputadas Luciana Genro (PSOL) que destacou as mulheres como lutadoras da “linha de frente” contra o fascismo, contra o machismo e por direitos básicos fundamentais para a população do RS. “O governo Leite foi o que menos fez em favor das mulheres. Depois do fim da Secretara das Mulheres, Leite não fez nada. As deputadas tiveram que fazer emendas para garantir algum atendimento às mulheres pois o governo do Estado promoveu um desmonte no RS igual ao que fez Bolsonaro no Brasil” destacou a parlamentar. O deputado Adão Pretto (PT), ressaltou a importância de os homens se aliarem às mulheres na luta contra a violência conversando com outros homens para enfrentar o machismo estrutural. Além dele, estiveram os deputados Leonel Radde (PT) e Miguel Rossetto (PT).

A audiência também contou com a participação de mulheres dos movimentos sociais ligados às lutas da juventude, mulheres negras e quilombolas, indígenas, mulheres travestis, mulheres com deficiência, além de representantes da Defensora Pública, setores do Judiciário e secretarias do estado. Ao final, as deputadas que coordenavam a mesa acolheram um encaminhamento de levar à Mesa Diretora da AL a urgente aprovação de investimento para implantar a linguagem de sinais em todas as atividades oficiais da Casa, não apenas no Plenário. O pedido ocorreu porque o parlamento não dispunha de intérprete de sinais para acompanhar a Audiência Pública de hoje, o que prejudicou a interação entre as mulheres com deficiência auditiva.

Texto: Denise Mantovani (MTB 7548)

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