Servidores querem CPI para investigar irregularidades na privatização da Corsan

Servidores querem CPI para investigar irregularidades na privatização da Corsan
Foto: Greice Nichele

Servidores da Corsan, representados por integrantes de Sindicatos e de Associações ligadas à categoria, defenderam a instalação de uma CPI na Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do Estado, do Legislativo, para investigar irregularidades no processo de privatização da Companhia Riograndense de Saneamento, a Corsan. A manifestação ocorreu na manhã desta segunda-feira (11/07), durante audiência da CSSPME, solicitada pelo deputado Thiago Simon (MDB) e presidida pelo deputado Jeferson Fernandes (PT), que debateu a oferta pública de ações da Companhia – IPO, suspensa recentemente por liminar do Tribunal de Contas do Estado. “Apesar da autorização para a venda da Corsan já ter passado no Legislativo, o assunto persiste porque o processo está sendo feito às escuras, sem que tenhamos acesso aos dados. E também por ser função dos deputados fiscalizar o Executivo”, lembrou o petista.

Já na abertura, Jeferson informou que as tarifas cobradas pela Corsan desde maio estão sendo depositadas no caixa da Companhia, e manifestou preocupação com o destino desses recursos. “Menos de um ano após venda da CEEE-T, os acionistas dividiram mais de R$ 1,3 bi em lucros que foram acumulados desde 2016, quando a CEEE era pública. O risco é ocorrer o mesmo com o dinheiro das tarifas da Corsan”, alertou.

O presidente do Sindiágua, Arílson Wünsch considerou “uma verdadeira rapinagem a Corsan tirar dinheiro da população gaúcha para entregar a acionistas”. Ele ressaltou que a perda da imunidade tributária da empresa, que deve ocorrer ao deixar de constituir a administração pública, acarretará aumento das tarifas. “Será o fim do subsídio cruzado, da tarifa social… E tudo isso está contido nos aditivos que alguns prefeitos assinaram sem se dar conta ou fizeram vista grossa em troca de Kit asfalto do governo. Ele defendeu a criação da CPI para discutir, entre outras irregularidades, as razões pelas quais houve desvalorização das ações da Companhia. “Por que as ações passaram de R$ 3 a R$ 0,50 e por que vendê-las em baixa; onde estão os canos do PAC? Havia um déficit de R$ 200 milhões com Fundação; agora é quase R$ 1 bi. Por quê?”, questionou o sindicalista. Arílson também questiona o fato de a empresa garantir que pagará à vista R$ 1,6 bi em dívidas que vencem até R$ 2038 se viabilizar a oferta das ações. “Então a Corsan tem dinheiro em caixa?! Este grupo organizado que está na Companhia tem de sair. Mexeram com o time errado e com o tema errado”, assinalou.

Eduardo Carvalho, representando o Sindicato dos Engenheiros do RS, Senge, disse que a entidade trabalha com a linha de construir alternativas para atingir as metas do Novo Marco Regulatório do Saneamento, até 2033, no que diverge frontalmente da postura da direção da Companhia. “É no como fazer isso que divergimos da Corsan: queremos mantê-la pública”, destacou. Além disso, contou que o Sindicato tem estado em contato com representantes de diversos municípios, que reclamam da falta de transparência no processo, razão pela qual, apenas 74 teriam assinado. “A Agergs questionou esses aditivos por falta de classificação de riscos e emitiu parecer dizendo que deveriam ser modificados. O Senge entrou com 2 impugnações na Comissão de Valores Mobiliários, por conta da instabilidade de operações dessa mal feitas”, informou, ressaltando a falta de solidez para os 307 municípios atendidos pela Corsan. “Talvez estejamos num estado de insegurança em todos os âmbitos no que diz respeito a esse processo. Pensaram em uma solução para atender o Marco Regulatório sem discutir com os municípios, com a própria Corsan, com a sociedade e com quem controla as questões do mercado”, observou.

Pelo Fórum Gaúcho do Comitê de Bacias, Júlio Salecker destacou a falta de tratamento de efluentes urbanos e rurais como principal problema da Corsan. Ele se disse impedido de adotar postura favorável ou contrária á privatização da Companhia. “A Corsan é um orgulho para o RS, mas nós precisamos ter consciência de que se em 50 anos de Companhia estamos só com 15% de esgoto tratado, estamos com problemas”, argumentou. E reforçou a necessidade de atingimento das metas do Novo Marco Regulatório. “Podemos manter a empresa pública ou privada, o que nos interessa é sanear o RS”, reiterou.

Em contraposição a Salecker, o representante do Senge pediu novamente a palavra para contestar a versão de que a Corsan teria apenas 15% de esgoto tratado no estado. “Esse dado foi muito usado pelo governo para justificar a privatização. A verdade é que, até 2010, somente 35 a 40 municípios contrataram a Companhia para tratamento de esgoto. O problema não é da Corsan em si, mas da sociedade, que só despertou muito tarde para essa questão”, explicou.

Pedro Henrique Poli de Figueiredo, pela Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre considera ter havido dois erros no que tange ao encaminhamento da IPO que configuram ilegalidades. Ele lamentou que o estado tenha deixado para encaminhar o PL da Regionalização no último momento para que fosse votado, e abandonado todo o projeto anterior que havia sido feito pautado em critérios técnicos com base em regiões e bacias hidrográficas. “Fizeram um modelo no meio do caminho que dividiu os municípios em Corsan e não Corsan. Que critério é esse? Os prefeitos estão perdidos. Não sabem o que fazer”, criticou. Figueiredo lembrou que a Constituição Estadual, a partir do artigo 26, define critérios a serem utilizados em caso de criação de regionais. Ele também lembrou que existem cláusulas resolutivas nos contratos de aditivos enviados pela Corsan aos municípios. “Quase todos têm este item que diz que no momento em que houver desestatização da Companhia, isso causa a extinção do contrato”, alertou.

Ricardo Hingel, que atuou na abertura de capital de setores do Banrisul, manifestou pessimismo quanto à efetivação da oferta das ações da Corsan. “Amigos me procuraram logo que surgiu a notícia sobre a IPO e eu disse que não ia sair. Isso não é para amadores. A condução desse processo se deu com muito amadorismo; e não sou eu quem está dizendo, é o TCE”, opinou. Ele apontou uma série de problemas na documentação e argumentação que embasam o processo. “Eu tinha feito um estudo sobre os erros na privatização da Corsan, que disponibilizei ao Procurador Geraldo da Caminho; e isso gerou a liminar que está trancando o lançamento das ações”, confidenciou. Hingel observou irregularidades na modelagem, na vantajosidade do modelo apresentado. “É de um amadorismo o prospecto enviado. Houve omissões, informações incompletas. Fizeram um 2º prospecto que melhorou bastante, mas o essencial continuou faltando. E já teve nova demanda da Comissão de Valores Mobiliários para que seja completado”, detalhou. Ele crê que a operação não terá continuidade. “Vi o que aconteceu no Banrisul com a atual direção. O Banco valia R$ 10,8 bi e agora vale R$ 4,2bi. Evaporaram R$ 6 bi de patrimônio, do qual metade é do estado. Um erro grave de gestão”, contou Hingel, que teme o mesmo desfecho no caso da Corsan, “pelo estrago feito, pelo acúmulo de erros”. Para ele, ao celebrar contratos mal construídos, contestados pela Agergs, a direção deprecia o valor da Companhia. “A empresa de saneamento vale o somatório dos contratos que têm”, explicou.

Para Hingel, a Corsan errou ao fazer municípios assinarem contratos aditivos antes da comprovação da capacidade econômico-financeira da empresa, conforme a Agência determina. “Na medida em que a Agergs não homologa os contratos, estes não são válidos. É uma irresponsabilidade na condução desse processo muito semelhante à do Banrisul”, comparou.

Demétrius Gonzales, da Agência Reguladora Municipal de Saneamento também ressaltou as atribulações no processo de venda da Corsan. “É um processo mais político do que técnico. Mas a Agesan tem de presar pela técnica”, salientou. Ele lamentou que já tenha havido cerceamento da participação popular. “Efetivamente, temos uma empresa com boa capacidade de fazer saneamento e baixa capacidade para o esgotamento. Não me parece ter sido por falta de recurso, e sim de gestão. Isso devia ter sido discutido com a sociedade”, ressaltou Gonzales, reforçando a tese de que há falta de transparência no processo.

Rogério Ferraz, do Sindiágua, considera que houve coação do governo sobre os prefeitos que assinaram os contratos de aditivos, e criticou a Agergs pela alegação de que a Corsan precisaria de R$ 1 bi pela venda das ações para investimentos com vistas ao cumprimento do Marco Regulatório. “A agência reconheceu que a Companhia privatizada voltará a pagar imposto de renda, o que dará R$ 1,6 bi até 2033 e reafirma que a Corsan precisa de R$ 1 bi da venda das ações. A Agergs precisa se explicar”, disse. Ferraz também reforçou que a Companhia tem dinheiro em caixa, além de R$ 278,6 milhões em contratos que não foram executados mais R$ 446 milhões em contratos com zero de reembolso. “Em valores totais, a Corsan tem R$ 1,54 bi não utilizados”, frisou.

 Humberto Sori, Da Associação dos Técnicos da Corsan – Astecor, destacou que a Companhia teria R$ 3,2 bi em receita líquida, R$ 6,9 bi em ativos e R$ 4 bi em patrimônio líquido, além de facilidade em obter linhas de financiamento. Ele ressaltou que a atual gestão não captou recursos para investir em saneamento. E só contratou projetos no terceiro ano de governo. “O foco foi garantir a desestatização”, resumiu.

Por fim, Arílson Wunsch retomou a palavra para informar que a direção do Sindicato já se reuniu com a assessoria Jurídica e, hoje mesmo, enviará novas informações a Comissão de Valores Mobiliários sobre o que ocorre no processo de desestatização da Corsan. Também reforçou o pedido de realização de uma CPI para tratar do caso. “Precisamos de uma investigação séria no RS. Com certeza, com a alteração do quadro do Executivo e do Legislativo, poderemos cobrar dessas pessoas o que fizeram do saneamento gaúcho”, concluiu.

Texto: Andréa Farias (MTE 10967)