Cerca de 70% das pessoas que passaram pela Covid-19 sofrem com alguma consequência da doença. Identificar essa situação no território gaúcho, estabelecer políticas públicas e, sobretudo, fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), foram pontos discutidos na quarta audiência pública da Frente Parlamentar em Defesa das Vítimas da Covid-19, realizada nesta quinta-feira (30.06) em Pelotas. As audiências, coordenadas pelo deputado estadual Pepe Vargas estão sendo realizadas nas cidades consideradas polos nas macrorregiões do Estado. Já tiveram encontros nos municípios de Porto Alegre, Santa Maria e Lajeado as próximas estão previstas para acontecerem nas cidades de Santa Rosa, Passo Fundo e Caxias do Sul. Ao final desses encontros será realizado um seminário em Porto Alegre, culminando com a produção de um relatório a ser entregue aos governos federal e estadual.
A ideia é contribuir com a sociedade gaúcha no mapeamento das realidades regionais, considerando os impactos da pandemia na vida da população e nos sistemas de proteção social, sobretudo o SUS. “Existem demandas relacionadas à Atenção à Saúde da população que apresenta danos crônicos, permanentes ou temporários, causados pela doença, que implicam em novos arranjos assistenciais, ” destacou Pepe. O deputado salientou que soma-se a este cenário o aumento das “filas” por consultas especializadas, exames diagnósticos, procedimentos ambulatoriais e cirurgias eletivas – represados durante os períodos de restrição dos serviços de saúde.
Pepe Vargas contou que a Frente Parlamentar foi constituída a partir da aproximação com o Comitê Estadual em Defesa das Vítimas da Covid-19, que reúne entidades como o Conselho Estadual de Saúde Brasil e Conselho Regional de Enfermagem e a Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid19 – Vida e Justiça. “Temos feito um amplo e importante debate, envolvendo Conselhos Municipais de Saúde, Comissões das Câmaras de Vereadores e Universidades”, disse. Pepe apontou a necessidade de um protocolo de orientações de identificação e atendimento aos pacientes pós-Covid-19, a exemplo da experiência implantada em Belo Horizonte (MG). “Até o presente momento o Ministério da Saúde não apresentou nenhuma proposta de protocolo de orientações e serviços”, criticou. O parlamentar elogiou as iniciativas verificadas, na semana passada, nos municípios de Santa Maria, onde foi constituído um Núcleo de Atenção Pós-Covid-19 e em Lajeado, que implantou um ambulatório para este fim. “A audiência tem esse objetivo, de identificar as boas iniciativas, viabilizá-las e aprimorá-las”, destacou.
O deputado relatou ainda que o pós Covid-19 também têm consequências econômicas e sociais. “Muitas pessoas perderam a vida na linha de frente, ou até mesmo em ambientes inadequados, e até hoje as famílias lutam na Justiça para comprovar que a morte ocorreu em detrimento dessa exposição”, relatou. O deputado alertou também ao fato do Estado não garantir o destino à saúde dos 12% do orçamento definidos por lei.
A audiência pública
Durante a audiência, o grupo ouviu as lideranças políticas ligadas a área da saúde e vítimas da Covid-19, em busca de colaborar para o enfrentamento imediato, de médio e de longo prazo, dos efeitos causados pela doença. A médica Julieta Carriconde Fripp, especialista em Medicina Paliativa, professora da Universidade Federal de Pelotas, compartilhou a experiência do Centro Regional de Referência em Cuidados Paliativos, para o atendimento pós-Covid 19. “Estamos preocupados com a reabilitação e, diante disso, defendemos a constituição e aprimoramentos dos serviços de atendimento especializados em pós-Covid 19”, disse. A médica fez um alerta sobre o aumento do número de casos em virtude do relaxamento das medidas de proteção.
Já o presidente do Conselho Estadual de Saúde, Cláudio Augustin, vítima da Covid-19, presente de forma virtual, denunciou o fato do governo ter ignorado as sugestões feitas pelos Conselhos na adoção de medidas de prevenção, de atendimento à saúde e de instituição de protocolos. “Fizemos inúmeras resoluções apontando a situação e as necessidades ao Governo do Estado, sem sermos atendidos”, destacou. Ele falou ainda sobre a necessidade de existir um um levantamento sobre o número de pessoas contaminadas para identificar os que sofrem com as sequelas e desenvolver políticas públicas.
A vice-presidente do Conselho Estadual da Saúde, Inara Ruas, destacou o papel da Frente Parlamentar em estimular a formação de Comitês, Frentes e Núcleos no interior do Estado, para lutar por investimentos e políticas públicas em defesa das vítimas das Covid-19. “Nessa série de audiências, temos mapeado iniciativas, como a de Santa Maria, de Lajeado,de Porto Alegre, no Hospital de Clínicas e no Postão do IAPI, e agora aqui em Pelotas”. Inara demonstrou indignação com o número de óbitos da Covid-19 em Pelotas, que em 2022 já chegou a 152.
Para a Presidente da Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 – Avico Brasil, Paola Falceta, também presente de forma virtual, há falta de promoção e prevenção em saúde pelo Estado, o que é um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Ela apontou que nesta quinta-feira o Estado chegou a marca de 40 mil mortos pela Covid-19. Na análise dela, esse é o resultado do relaxamento das medidas e da falta dos investimentos em saúde. Ela criticou os cortes dos recursos dos hospitais, também anunciados hoje pelo governo no estado. “Vamos denunciar todos os dias quando se nega atendimento à saúde, isso é crime”.
Para a coordenadora do Núcleo de Saúde da Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19 – Vida e Justiça, Rosângela Dornelles, junto a luta pelos direitos dos pacientes e familiares de vítimas da pós Covid-19 é preciso garantir os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Rosângela salientou que a pandemia apontou a importância e potência SUS e, por isso, precisa ser valorizado, com investimento financeiro e pessoas capacitadas. “Mas o sistema está esgotado. Já tínhamos uma demanda represada e hoje as pessoas não estão conseguindo ter o tratamento adequado”, completou.
O deputado estadual Fernando Marroni (PT) tem a mesma opinião que Rosângela sobre a necessidade de fortalecimento do SUS. Na concepção do parlamentar a população percebeu a importância do SUS e que somente o Estado é capaz de dar conta de garantir o atendimento à saúde de forma universal.
Para o médico Pedro Funari, conselheiro do CREMERS, os profissionais da saúde devem ter uma atenção especial. “Fomos atropelados pela pior crise sanitária do século e precisamos ajudá-los a continuar a seguir no atendimento dos escombros da pandemia”. Na mesma linha seguiu a fala da presidente do SindiSaúde de Pelotas, Bianca D’Carla, que lembrou que muitos profissionais da saúde perderam a vida na linha de frente ou sofrem sequelas com o pós Covid-19 e para completar os gestores da saúde retiraram o direito a insalubridade. Ela também falou sobre a ausência de informações à população sobre como buscar os serviços de atendimento a Covid-19 e dentro do próprio sistema de saúde. “As pessoas até hoje não têm direcionamento, vão para diversos lugares em busca de atendimento”.
O Conselheiro Estadual dos Direitos Humanos, Nino Kanger, revelou que durante a pandemia em Pelotas 63 famílias foram despejadas de suas casas. “Em um momento que diziam para ficar em casa e nos protegermos”, lamentou. Ele lembrou a necessidade de votar o projeto de lei do deputado Pepe Vargas que está em tramitação na Assembleia, o qual instituiu uma política estadual de remoção e despejo.
Estiveram presentes ainda Ronaldo Quadrado, Conselheiro Tutelar de Pelotas, Wolke Rodrigues, ex-Secretário da Saúde e servidor da Prefeitura de Capão do Leão, Dra. Renata Cristina Rocha da Silva – Crefito 5, Liliane Teixeira, da Fiocruz, Renato Póvoa, Vereador em Capão do Leão, Neuza Neves Janke, professora e familiar de vítimas da Covid-19, Sônia Regina Coradini, do Coren, Fernando Pigatto – Conselho Nacional de Saúde.
Texto: Silvana Gonçalves (MTB 9163)