Ao destruir o Programa Bolsa Família, dando lugar ao Auxílio Brasil, o Governo Bolsonaro achou que selaria um acordo com o povo: de esquecer o desmonte da política de assistência social, de apagar que ele e seus aliados sempre foram contrários à política de renda e de tirar da memória todo o ódio aos mais pobres que sempre foi exaltados pelos seus seguidores. Iludido com a aprovação do governo na época do Auxílio Emergencial, o governo sonhou em enterrar um legado de políticas sociais que marcaram os governos de esquerda, e imaginou que cegamente os mais pobres virariam seguidores do bolsonarismo.
Apostou que se apropriando do Auxílio Emergencial, disputando o discurso de que não foi a união do congresso com os movimentos sociais que pressionaram muito para que o país tivesse uma renda emergencial, mas sim uma decisão do governo, tudo estaria resolvido. Que elevando o valor do benefício do Auxílio Brasil para R$ 400,00 e contemplando um número um pouco maior de famílias, tudo estaria concertado.
No entanto, o tiro saiu pela culatra. Apresentou um programa que destruiu um caminho de crescimento e evolução da política de renda no Brasil, devastou a condição de pacto entre estados e municípios, acabou com a busca ativa dos mais pobres e, fundamentalmente, de garantir a equidade entre os beneficiários. Equidade porque, ao uniformizar o benefício, o governo não garante que uma família de mais pessoas tenha uma renda mínima, recebendo os mesmo R$ 400,00 de uma família unipessoal.
Fez isso no pressuposto de que transformaria o novo programa num outdoor de campanha. Entregou com uma mão o dinheiro que retira agora com a outra, na forma de inflação, exclusão e completo abandono. Contemplou 18 milhões de famílias, em detrimento das outras 21 milhões que estavam recebendo o Auxílio Emergencial e não tiveram chance de migrar para o Auxílio Brasil.
Corroído pela inflação, o benefício de R$ 400,00 é considerado insuficiente por 69% dos que o recebem, conforme pesquisa Datafolha de maio de 2022. Até porque, ao aumento significativo e constante de elementos básicos para a população como alimentação, higiene, energia elétrica e gás de cozinha, desesperam a população, em especial a mais pobre. Além disso, o instituto também questionou os beneficiários se o fato de receberem o benefício teria alguma influência no voto deles para presidente nestas eleições, e mais uma vez, a maior parte, 66%, disse que não, enquanto 16% disseram que teria um pouco de influência e 15% disseram que teria muita influência. Seguido de uma reprovação do governo na casa dos 48%.
Os números não surpreendem, a fila de espera já acumula mais de 1,2 milhão de famílias, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o auxílio gás é para um número irrisório de famílias, não há transparência nos dados da lista de espera e reavaliação e ainda há um gravíssimo problema: a fila para entrar na fila. A fila de famílias que não conseguem nem ao menos entrar no Cadastro Único para Programas Sociais, para que enfim possam sonhar em ser avaliadas e incluídas na transferência de renda.
Muitos municípios, sem nenhuma estrutura e com o desfinanciamento que foi orquestrado desde 2016, não têm equipes suficientes, remetem para um agendamento, ou os que conseguem coletar os dados, demoram meses para efetivamente incluírem no sistema. Aos que conseguem, finalmente, entrar na fila de espera, amargam o veto de Bolsonaro ao que por lei, garantiria a real fila zero.
Concomitante a isso, o povo sente na pele a fome, a pobreza, a falta de emprego, o salário que não compra o básico, o emprego informal que exige uma carga horária pesada, para um salário que não chega ao valor do mínimo. Por outro lado, o povo tenta não perder as esperanças de voltar a sonhar, estudar, morar, sorrir e ter no mínimo três pratos de refeição por dia.
Ao Bolsonaro, o legado de alguém que destrói, contribui para a aceleração da desesperança, da fome e da morte. Como dizia Tancredo Neves, Esperteza, quando é muita, come o dono.
Paola Carvalho, Assistente Social, Doutoranda pela Faculdade de Economia da UFRGS, Diretora de Relações Institucionais e Internacionais da Rede Brasileira de Renda Básica