O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, possuindo uma variada gama de produtos alimentícios plantados aqui mesmo. No âmbito dos grãos, é o quarto maior do mundo, respondendo por metade do mercado de soja mundial e 19,8% do milho, além de ser o terceiro maior produtor de carne e possuir o maior rebanho bovino do mundo. De acordo com a Embrapa, a produção agrícola brasileira alimenta 10% de toda a população mundial.
Sabendo destes dados, é complicado compreender o motivo pelo qual o país convive com a fome, em crescimento acentuado desde 2017/2018. Que explicações poderiam ser dadas para que estas duas informações conflitantes façam sentido? Como é possível que o ano de 2021 apresente safra recorde no país, com 258,5 milhões de toneladas de grãos, cereais e leguminosos, e, ao mesmo tempo, o país volte para o mapa da fome, com mais da metade da população em insegurança alimentar e filas com centenas de pessoas brigando com ossos de carne, que antes eram dados aos animais?
As respostas para essas perguntas possuem um ponto em comum: opção política. A produção é, em sua grande parte, exportada, com 19% das exportações de grãos do mundo inteiro, partindo do Brasil e sendo o segundo maior exportador de carne do planeta, deixando as piores partes para o consumo local, sendo o problema ainda ampliado com a redução do poder de compra da população e o aumento exorbitante dos preços, fazendo com que milhares famílias dependam de doações de alimentos para não passar fome. A política agrícola do país foi desmontada, com a desestruturação do PRONAF, que hoje dá mais crédito para o milho e a soja do que para a Agricultura Familiar e a redução do orçamento para o Programa de Aquisição de Alimentos e do Programa Nacional de Alimentação Escolar, estes últimos tendo sido burocratizados em tamanho nível que inviabiliza o acesso de pequenos produtores, tornando-os praticamente invisíveis.
Já tivemos políticas de apoio ao pequeno agricultor, estoque regulador de preços, pleno emprego e renda digna. Hoje convivemos com o desemprego, rendas precárias, alta nos preços do gás, da luz, da gasolina e altas históricas nos preços dos produtos para alimentação, com perspectivas aumentos ainda maiores no período próximo.
O Brasil tem fome não por falta de terras férteis ou de quem queria produzir. O Brasil tem fome não porque faltem alimentos. A fome no Brasil é uma decisão política. Decide-se todo dia pela fome da população, quando se aceita isentar a soja que vai para engordar gado no exterior e se taxa o alimento da família brasileira, fazendo aumentar substancialmente o custo da cesta básica. Decide-se pela fome quando se estimula a monocultura exportadora e não a agricultura familiar. Decide-se pela fome quando se destrói políticas públicas para o campo e se desestimula o crescimento de emprego e salário.
A fome é uma decisão política, e superá-la também deve ser. Já fomos capazes de tirar nosso país do vergonhoso mapa da fome. Podemos fazê-lo de novo. Apesar dos tempos tristes, é possível sonhar e fazer.
Zé Nunes, agrônomo, deputado estadual (PT)
Presidente da Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e do Turismo da AL RS