quinta-feira, 12 junho

“Na publicidade dos atos e programas de governo não pode constar a utilização de símbolos, logomarcas, expressões, slogans de campanha. Também não pode o agente público se autopromover”. A afirmação do líder da bancada do PT na Assembleia Legislativa, deputado Miguel Rossetto, abriu o debate realizado pela Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do Estado, na manhã desta terça-feira (12/06) sobre o documentário “Todos Nós Por Todos Nós”, realizado pelo governo do Estado, tendo em vista as denúncias de que o vídeo seria uma peça publicitária para a promoção da imagem de Eduardo Leite. O presidente da Comissão, deputado Leonel Radde, afirmou que encaminhará requerimento ao governo do Estado sobre todos os questionamentos levantados pelos parlamentares e não respondidos pelo secretário de Comunicação, Caio Tomazeli.

Proponente do debate e das denúncias feitas ao Ministério Público e Ministério Público de Contas, o deputado Rossetto frisou que a administração pública deve ser regida por princípios de moralidade, legalidade, impessoalidade no trato dos recursos públicos, que são diretrizes da Constituição Federal e incorporados pela Constituição Estadual. “O governador é assumidamente pré-candidato a presidente da República e o vice-governador (Gabriel Souza), pré-candidato a governador, portanto é proibitivo utilizar recursos públicos em uma situação em que apareçam em documentário que criava um personagem durante a enchente como herói, infringindo essa legislação”.

O trailer do documentário foi exibido nas salas de cinema do Rio Grande do Sul. “Esse documentário de 42 minutos tem 1/3 dele dedicado a este personagem. O trailer também tem 1/3 dedicado a este personagem portanto claramente usando recursos públicos para a promoção de alguém que publicamente é pré-candidato. Eduardo Leite pode ser candidato ao que quiser, mas não pode utilizar recursos públicos dos gaúchos para a sua promoção”, sentenciou Rossetto, lembrando que o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) tem manifestado posições determinando a prefeitos e prefeitas o ressarcimento de verba pública usada indevidamente com publicidade irregular e punindo agentes públicos pela utilização de recursos públicos na autopromoção. “Por isso tomamos iniciativas junto ao MP e MPC, pois é nossa tarefa na fiscalização assegurar os princípios da constituição que foram desrespeitados por esta peça publicitária. Isso é grave e cabe à Assembleia Legislativa e aos deputados exercerem o papel de fiscalização”.

O secretário de Comunicação do Governo do Rio Grande do Sul, Caio Tomazeli, disse que o título do documentário, “Todos Nós Por Todos Nós”, é slogan do Plano Rio Grande, criado para a reconstrução e não seria slogan da campanha do então candidato ao governo, Eduardo Leite. “Quando se completou um ano da enchente, as pessoas ficaram ilhadas e os gaúchos ainda viveram aquele cenário de águas escuras. O documentário não é uma obra física, é uma obra histórica para a emoção dos gaúchos, para a nossa capacidade e a nossa resiliência. É uma construção emocional. A história da reconstrução é fundamental”.

Conforme Tomazeli, a secretaria também realizou uma exposição fotográfica com imagens da enchente no Palácio Piratini e em outros lugares. “Convidamos o governador para apresentar o documentário pois não havia como realiza-lo sem incluir o governador que é o agente político escolhido pelo povo”. O secretário afirmou ainda que o custo total para a exibição nos cinemas foi de R$ 442.395. “Foi o menor custo que encontramos para fazer esta divulgação”, disse, sem explicar por que não optaram pela divulgação nas redes sociais, cuja a publicação é gratuita.

A deputada Laura Sito observou que além dos objetos do documentário e da dimensão da aparição do governador, há a ambientação política, por isso o debate em relação ao documentário se dá no contexto da candidatura de Eduardo Leite. “O documentário não seria algo anômalo se se ativesse a mostrar a enchente, mas a opção foi por um filme sobre o governador. Atenta contra o princípio da impessoalidade”, disse, questionando se houve licitação para a produção.

Além da impessoalidade, para o deputado Jeferson Fernandes o mais grave é a imoralidade do vídeo que utiliza a dor das pessoas para promover um agente político. “Independente dele ser candidato ou não, é inadmissível com dinheiro público e estrutura pública um personagem aparecer como salvador da pátria. Ninguém salvou a pátria no RS. Nós continuamos com os mesmos problemas estruturais”. O deputado diz que o documentário poderia mostrar a tragédia principalmente com as pessoas que sofreram, ficando sem casa, famílias que perderam seus entes queridos e quais os elementos estruturantes que o governo vai tirar para uma possível nova crise. “Em nenhum momento, nas fala do governador, se aprofunda qual é o plano que o Rio Grande tem. O que tem é uma aparência de que agora o estado está preparado para enfrentar novos fenômenos e isso não é verdade. É promoção pessoal sim”.

A deputada Stela Farias afirmou que o sentido de um documentário ou de uma peça publicitária de governo deve ser de prestação de contas e não de autopromoção do chefe do Executivo. Chamou a atenção de que as obras estruturantes ainda não foram executadas pelo governo gaúcho. “Os recursos do governo Lula estão disponíveis, mas não utilizados pelo governo do Estado. O governo do Estado precisa é prestar contas sobre o que tem feito pela reconstrução”, defendeu.

Outra visão sobre o documentário veio do deputado Zé Nunes, que o considerou constrangedor por ser público e ao mesmo tempo promover um agente político. “É distorcido. Evidencia a autopromoção do governador do Estado como salvador da pátria”. Recordou que na enchente de 2011, quando era prefeito de São Lourenço do Sul, a Prefeitura produziu um jornal para prestar contas e ele mesmo fez apenas um texto de abertura, mas não apareceu em nenhuma foto. Lembrou que outros prefeitos perderam os direitos políticos porque apareceram em materiais parecidos. “Podemos contratar uma perícia técnica para mostrar se há ou não há um conteúdo de promoção pessoal. Ele deveria ter contratado pelo PSDB, o seu partido, um outro material como esse que pudesse lhe promover e ele fizesse o que quisesse.”

Após a manifestação do secretário, o deputado Rossetto lembrou que a liberdade política é limitada pela lei, portanto falar em liberdade política não significa rasgar a Constituição. E disse que não é razoável justificar o uso indevido e ilegal do slogan dizendo que o mesmo foi utilizado no Plano Rio Grande. “Isso só agrava a situação, pois está utilizando um slogan da campanha de Eduardo Leite. Portanto para além do documentário o que será questionado (na Justiça) passa a ser também a utilização de um slogan de campanha eleitoral em campanha institucional do Rio Grande. O secretário admite que fizeram o documentário para enaltecer a figura do governador”. Para Rossetto, não há possibilidade de construção de futuro sem o respeito à legalidade à democracia e à constituição. O deputado avaliou que o depoimento do secretário de comunicação confirmou as ilegalidades apontadas pela Bancada. E afirmou que vai anexar o depoimento às ações no MP e MP de contas.

Texto: Claiton Stumpf (MTE 9747)
Foto: Kelly Demo Christ

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