A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos promoveu audiência pública nesta quarta-feira (28) para debater a redução da mortalidade infantil e materna e a implementação da Rede Alyne no RS. Modelo que substituiu a Rede Cegonha, a Rede Alyne foi lançada em 2024, pelo Ministério da Saúde, com o propósito de reduzir a mortalidade materna no Brasil em 25% até 2027, e atenção especial para a diminuição de 50% das mortes entre mulheres negras, buscando combater as desigualdades étnico-raciais no acesso à saúde.
A Rede Alyne foi batizada em memória de Alyne Pimentel, uma mulher negra que morreu aos 28 anos devido a complicações no parto em 2002, no Rio de Janeiro, o que resultou na primeira condenação de um país por morte pelo Sistema Global de Direitos Humanos em todo o mundo.
Por solicitação da deputada Laura Sito (PT), o debate reuniu representações dos Ministérios da Saúde e dos Direitos Humanos, da Secretaria Estadual da Saúde, Conselho Estadual de Saúde, Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, a Escola de Enfermagem da UFRGS, e as profissionais que oferecem suporte físico, emocional e informativo para mulheres durante a gravidez, parto e pós-parto, as chamadas Doulas.
Pelo Ministério da Saúde, Mariana Seabra, do Departamento de Gestão do Cuidado Integral da Saúde, destacou que nove em cada dez das mortes maternas são evitáveis com acesso aos cuidados maternos básicos, evitando peregrinações e assistência ao parto. Relatou o aumento das mortes no país durante a pandemia, 3.030 em 2021, 74% maior que em 2014 (a última alta da série histórica), sendo que o país foi onde mais morreram gestantes por falta de políticas públicas nesse período.
Segundo raça e cor, “fica explícito o racismo estrutural institucional, as mulheres pretas são as que mais morrem, em especial na pandemia, pela desigualdade no acesso, a falta da vacina, assim como as mulheres indígenas, e medidas estão sendo tomadas para enfrentar essa situação”, destacou Mariana Seabra.
A mortalidade neonatal está relacionada com cuidados maternos, ao pré-natal, e impacta nas questões da mortalidade infantil, sendo a prematuridade a primeira causa de mortalidade infantil até 5 anos. A Prematuridade no Brasil em 2020, foi de 11,3% dos nascidos vivos, e em 2022, houve aumento para 11,8%.
Acolhimento
O propósito da Rede Alyne é uma distribuição mais equitativa dos recursos para reduzir desigualdades regionais e étnico-raciais, com incremento nos valores de exames de pré-natal, leitos de referência para gestação de alto risco e para cuidado progressivo em unidades neonatais (unidade intensiva, intermediária e canguru); maior integração entre os serviços para o fim da peregrinação da gestante e qualificação da regulação e do transporte inter-hospitalar; e infraestrutura, expansão dos serviços de saúde para assistência à gestante e bebê (NOVO PAC Saúde).
Outra iniciativa logística é a Vaga Sempre, central de regulação com equipe especializada, com financiamento adequado, para que a gestante não entre em fila e tenha o acesso adequado.
Aline Hennemann, da Coordenação Geral de Atenção à Saúde das Crianças e Jovens, que compartilhou os dados anteriores, observou que “para reduzir a mortalidade, precisa olhar para esses recortes e reduzir as iniquidades”.
Violência obstétrica
Da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos, Lorena Batista falou sobre os casos de mulheres, negras, jovens e pobres, que “deveriam viver a maternidade mas têm as vidas interrompidas pela cadeia de violências institucionais, que se inicia muitas vezes no primeiro atendimento”. Alertou que “a violência obstétrica e no puerpério é uma violência dos direitos humanos”, como negar anestesia ou subestimar a dor de mulheres negras em trabalho de parto é racismo institucional, ignorar sua voz ou seus limites, sugerindo a urgência de denúncias de práticas que “ocorrem em nome da proteção, mas que operam na lógica de exclusão das mulheres pobres”.
Pela equipe técnica da Política de Saúde da Mulher da SES, Karen Chisini Coutinho Lütz, analista em saúde, informou que em 2023 os dados no RS indicam que a mortalidade é de 33,9 óbitos maternos a cada 100 mil nascidos vivos, “a segunda menor média do país”. A média nacional é de 55,3 óbitos a cada 100 mil. Na relação raça/cor, 70,7% das mortes são de mulheres brancas, porém na estratificação da razão da mortalidade materna, entre mulheres negras é maior, 43,8% e 36,88% nas mulheres pardas. O óbito ocorre 75,5% no puerpério (até 42 dias após o parto); 17,1% na gestão; 4,9% no parto; e 2,4% após aborto.
A SES informou que a implementação da Rede Alyne no RS está em andamento, com o plano de ação do estado enviado para o Ministério da Saúde na semana passada, e agora se encontra em curso a construção de diretrizes e objetivos para efetivar o plano.
Seguiram-se manifestações da vereadora Juliana de Souza (PT), de Porto Alegre, que recomendou o debate desse assunto em Frente Parlamentar de enfrentamento da mortalidade materna, para a construção de um projeto de lei para instituir a política de atenção integral aos órfãos da mortalidade materna.
Pela Escola de Enfermagem e Saúde Coletiva da UFRGS, a diretora, Virgínia Moretto, antecipou a proposta para debate com o Ministério da Saúde de reforma obstétrica nacional. Ela reclamou o fato de as enfermeiras obstétricas não estarem contempladas no grupo condutor na Rede Alyne.
A presidente do Conselho Estadual da Mulher, Fabiane Dutra, referiu o caso de morte de jovem de 16 anos, Kauane Vargas, em Sapiranga, que além da cesárea, passou por laqueadura, sem que a jovem tenha autorizado. Quatro dias depois de deixar o hospital, retornou com dores e faleceu, “como puérpera dava tempo para salvar sua vida e nada foi feito”, denunciou. Outras manifestações foram de representações do Ministério Público, da Polícia Civil e UNEGRO, de Rio Grande.
Nos encaminhamentos, a audiência deliberou pela solicitação de informação do Plano Municipal de implementação da Rede Alyne em Porto Alegre e demais municípios; moção de apoio à regulamentação de projeto de lei que tramita na Câmara Federal sobre a atividade das doulas; moção de apoio à secretária Municipal de Saúde de Pelotas, Ângela Moreira Vitória, que recebeu notificação do CREMERS contra a pasta, pelo uso do termo “violência obstétrica” em material informativo destinado à população; reunião com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, sobre a reforma obstétrica; e oitiva da família da jovem Kauane pela CCDH, juntamente com a Procuradoria da Mulher da Assembleia e a Comissão de Saúde e Meio Ambiente.
Texto: Francis Maia – MTE 5130
Foto: Claudio Fachel/Agência ALRS