Servidores destacam 25 anos de criação e criticam nova postura da Secretaria

Servidores destacam 25 anos de criação e criticam nova postura da Secretaria


O contraste entre a Secretaria Estadual de Meio Ambiente idealizada para ser uma referência no tema, em 1999, no governo Olívio Dutra, e a atual concepção da pasta, passados 25 anos de sua fundação, 3 governos do MDB e um do PSDB, foi o ápice do debate “Sema 1999-2024 – A trajetória da Gestão do Meio Ambiente no RS”, que ocorreu na noite desta segunda-feira (05), na Assembleia Legislativa, por iniciativa do presidente da Frente Parlamentar em Defesa das Unidades de Conservação do RS, deputado Jeferson Fernandes (PT).
Com a presença de ex-secretários da pasta, lideranças ligadas às entidades de proteção ao meio ambiente, do governador à época da implantação da Sema, Olívio Dutra e do então ex vice-governador e atual deputado estadual, Miguel Rossetto, o evento homenageou personalidades que atuaram na implementação da Secretaria, destacou conquistas do órgão, como a instituição do Código Estadual do Meio Ambiente e criticou o novo posicionamento da pasta, cujo slogan é “Desenvolver para preservar”.
Pablo Silva, representante da Associação dos Servidores da Sema, lembrou que no período em que a Sema foi implementada, o ambientalismo gaúcho era referência para o Brasil. “Havia uma preocupação ambiental crescente, a gestão ambiental já era presente e isso possibilitou a criação de uma legislação para a proteção ambiental”, observou. Ele contou que, no momento, os servidores denunciam situações como falhas no sistema de outorga de águas, falta de pessoal para fazer o controle, além da redução de agências florestais, que passaram de 26 para apenas 8, num período de 15 anos”, detalhou.
O ex-secretário da Sema no governo Olívio Dutra, Cláudio Langone, lembrou que apesar da preocupação ambiental vigente em 1999, a criação da Secretaria não foi fácil. “A gestão ambiental foi um movimento demarcador. Transformações institucionais requerem discussão forte e geram desconforto. A epopeia que tivemos de fazer na Assembleia para aprovar a Sema, principalmente com arrozeiros, que achavam que queríamos nos apropriar dos recursos hídricos, foi um processo muito difícil”, rememorou. Ele lembrou ainda que a aprovação do “Código Estadual do Meio Ambiente mais avançado do país” também foi um desafio e que estava à frente do seu tempo, mas foi deixado para trás. “Acho sim que a gente tem de modernizar algumas coisas no Código, mas não acho que seja uma boa ideia andar para trás porque este é um sintoma de quem tem medo do futuro”, refletiu.
Langone observou que, à época, os partidos políticos escolhiam os seus melhores nomes para trabalhar pautas ligadas ao meio ambiente e lamentou que, agora, “escolhem-se os secretários pelo número de licenças ambientais que ele poderá liberar”. Também questionou os projetos de reconstrução do RS, propostos pelo governo gaúcho, que excluem setores ambientais. “Como é possível discutir a reconstrução do RS sem envolver os Comitês de Bacia? Como falar em reconstrução do estado sem discutir um amplo programa de reconstrução da mata ciliar?”, questionou o ex-secretário. Apesar disso, ele se disse satisfeito em ter conseguido entregar a construção da Sema ainda em vida a “Magda Renner, para o professor Flávio Lewgoy e para José Lutzenberger”, que foram precursores da luta ambiental da Secretaria. “Reconheço a responsabilidade que todos temos com essas pessoas”.
Vice-governador em 1999, Miguel Rossetto salientou que a criação da Sema e do Código do Meio Ambiente gaúcho foram atitudes de vanguarda no Brasil, que pautaram o debate nacional e foram referência pelo mundo. “Mas, infelizmente, agora o RS virou atraso. A agenda ambiental foi capturada. A Sema de Eduardo Leite é uma secretaria de infraestrutura; o meio ambiente é questão econômica. Um retrocesso grosseiro de quem não tem compromisso ambiental, de quem não pensa no futuro do Rio Grande”, lamentou. Ele ressaltou que o Código Ambiental foi destruído, assim como a Fundação Zoobotânica, os rios e o Pampa. “É uma estupidez! Não há futuro nesse ritmo de insensatez. O RS entrou para a COP 30 da pior forma possível. Nosso estado foi jogado na lama do negacionismo climático. Hoje somos referência do que não deve ser feito”, criticou. Ele entende que é preciso recuperar o vigor para o debate ambiental, resgatar a Sema e recolocar o RS como protagonista nessa agenda.
Vanessa Rodrigues, da Associação dos Servidores da Fepam, falou sobre as recentes mudanças no Código Estadual do Meio Ambiente, realizadas no primeiro governo de Eduardo Leite. Ela contou que foi uma das técnicas da Fundação consultadas sobre as alterações. No entanto, o projeto foi protocolado sem nenhuma das contribuições à proposta.  “Quando perguntarem que Sema a gente quer para o futuro, a gente quer uma Sema que seja do meio ambiente”, disse a técnica, referindo-se ao slogan atual da Secretaria: “Desenvolver para preservar”. “Qualquer política voltada ao meio ambiente não começa assim, mas ao contrário”, criticou.
Secretário Adjunto da Sema no governo Tarso Genro e técnico da Fepam, Luís Fernando Perelló acrescentou que a Fundação é a primeira a sentir a desconstrução do arcabouço legal e técnico do licenciamento ambiental. Ele contou que uma proposta de zoneamento ecológico econômico, que custou ao estado R$ 9 milhões, foi entregue ao então secretário da pasta, Artur Lemos, mas não foi implantada. Disse ainda que o zoneamento ecológico econômico do litoral norte foi elaborado com a participação de mais de 100 entidades e foi entregue a Sema, onde o documento chegou a ser modificado e colocado para consulta pública. Perelló disse que a proposta foi alterada dentro do gabinete da secretária Marjorie Kauffmann e colocado para consulta pública com os nomes dos técnicos que elaboraram o original.  “Os técnicos reclamaram das alterações e pediram que suas assinaturas fossem retiradas já que não era a mesma proposta que tinham criado. O zoneamento ficou apócrifo”, denunciou o biólogo, que lamentou: “É uma desconstrução deliberada que não dá nem para acreditar. Isso é pensado, está dentro de uma estrutura de destruição do meio ambiente. Se perguntar que Sema queremos para o futuro, nem sei se queremos a Sema desse jeito que está”, arrematou.
O Dr. Paulo Brack, professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul concordou com as críticas à nova postura da Sema. Ele entende que é necessário mudar o slogan da Secretaria. E falou sobre a perversidade que é a convivência com uma infraestrutura que não contempla a sociobiodiversidade do RS, como as culturas de soja, a produção de carvão, a silvicultura, etc. Brack também lamentou o “obscurantismo gigantesco que estamos vivendo no estado” e citou o agronegócio gaúcho como um dos mais atrasados, em função do engajamento com essas ideias. “Daí, temos o negacionismo, a falta de cuidados na pandemia e em relação às mudanças climáticas, as mudanças do Código do Meio Ambiente, o fim das Fundações, como a Zoobotânica, a Fundação de Pesquisa em Saúde, etc”, reforçou. Para ele, é necessário reconstruir estratégias de enfrentamento do “obscurantismo e negacionismo das políticas pseudo-ambientais de uma secretaria que considera o desenvolvimento antes da preservação ambiental”, frisou.
Por fim, o ex-governador Olívio Dutra encerrou o evento rememorando as lutas pela preservação ambiental quando prefeito, governador e Ministro das Cidades. “A construção da Sema não foi construção milagrosa, repentina, foi construção coletiva, dos movimentos sociais, dos ambientalistas, de todo pessoal que organiza o espaço urbano e rural. O desenvolvimento precisa ser economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente equilibrado”, disse o ex-governador, lembrando o lema do governo dele em 1999.

Texto: Andréa Farias – MTE 10967
Fotos: Vanessa Vargas