Depois de abrir mão do seu protagonismo no debate sobre a dívida pública gaúcha, graças aos parlamentares da base governista que aprovaram um dos piores acordos para o RS com a União, o Regime de Recuperação Fiscal, ainda na primeira gestão do governador Eduardo Leite, em 2022, a Assembleia Legislativa precisou voltar atrás e votou, na sessão da terça-feira (09/07), o Projeto de Decreto Legislativo 2/2024 que autoriza o Parlamento Gaúcho a ingressar como “amicus curiae” na Ação Civil Originária 2059/2012, de autoria da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Rio Grande do Sul (OAB/RS). A entidade defende junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) a extinção da dívida do Estado com o Governo Federal.
O termo em latim “amicus curiae” ou em português “amigo da corte” ou “amigo do Tribunal”, é um dispositivo legal previsto no Código de Processo Civil (CPC/15), que prevê a intervenção de terceiros, uma entidade ou pessoa com algum tipo de saber, de legitimidade ou representatividade, com capacidade para auxiliar a corte no processo em questão.
Em seu pronunciamento na Tribuna, o deputado Pepe Vargas (PT) apontou a contradição dos parlamentares que no passado não queriam litigar contra a União e agora aprovaram a proposta. Pepe lembrou que o governador Tarso Genro entrou com uma ação para rediscutir a dívida com a União, durante o governo Dilma, que mudou os indexadores e reduziu o valor dos pagamentos. Seu sucessor, José Ivo Sartori (MDB), desistiu da ação e parou de pagar a dívida, acumulou juros e mais dividendos. Na sequência, Eduardo Leite, durante o governo Bolsonaro, abriu mão de todas as ações contra a União. Pepe ressaltou que somente os governos do PT melhoraram os termos e reduziram os valores pagos pelo RS. “Ainda ouço gente que no governo anterior não piava, miava que nem gatinho, agora estão rugindo como leão. Pepe informou que a Bancada do PT é favorável ao questionamento da dívida e apoia as negociações que beneficiem o Estado.
A deputada Sofia Cavedon lembrou que a bancada do PT já vem cobrando quem orientou o governo do estado a assinar o regime de recuperação fiscal. “Quem eram os assessores que ele demitiu? Tem que ter demitido quem garantiu que era um bom negócio. Nós, quando discutíamos aqui, sempre votamos contrariamente e dizíamos que não dava para abrir mão da ação que questionava a dívida”, disse a parlamentar. Para Sofia, a dívida já está paga, pois o montante é fruto da cobrança de juros sobre juros. “Dizíamos: a União nos deve. Então não dá para o estado abrir mão da discussão da dívida. Então, eu queria entender porque o governador já começou a dizer que é impagável, já veio com aumento de imposto porque não dava para pagar e o presidente Lula suspendeu a cobrança da dívida por três anos”. A deputada lembrou que a secretária da Fazenda (Pricilla Santana) era operadora e que representava Bolsonaro e foi quem negociou com o governador Eduardo Leite.
A suspensão por três anos do pagamento da dívida com a União é uma medida histórica para a deputada Laura Sito. Conforme a parlamentar, a medida permite ao RS reagir à catástrofe que atingiu o Estado e coloca a discussão em outro patamar, porque comprova o discurso e a posição histórica da Bancada do PT, sobre os prejuízos que a adesão do Regime de Recuperação Fiscal traria ao Estado. “Em nenhum momento, como nunca na história, nós precisávamos ter uma compreensão comum, onde inclusive, a solidariedade do povo gaúcho, demonstrou a fragilidade do Governo do Estado, ocasionada pela política econômica da última década, endossada e reafirmada pelo Legislativo. Por isso, não temos dúvida da importância desta Casa, se juntar a essa ação da OAB, mas é fundamental que nós façamos um debate estruturante sobre a condição e as opções políticas que nos trouxeram aqui.”
O deputado Jeferson Fernandes disse que tornar-se “amicus curiae” da OAB é fundamental porque é a única alternativa jurídica que temos para fazer o debate e a disputa do interesse gaúcho em um tema tão crucial. Ao longo dos anos, o Estado já pagou cerca de R$ 40 bilhões, deve mais de R$ 90 bilhões e o valor vai continuar crescendo. Também recordou que Tarso Genro numa negociação com a presidente Dilma Rousseff, conseguiu baixar os juros, mas manteve a ação. “O governador Eduardo Leite assinou uma renovação de termos de pagamento dessa dívida, piores que os termos passados e nós dissemos isso aqui na Assembleia. Além da cobrança ser mais rigorosa, as pré-condições para o governo aderir ao Regime de Recuperação Fiscal eram o governo desistir de qualquer reclamação judicial e extrajudicial, também previa privatizações e não realização de concurso público”, recordou Jeferson.
O deputado lembrou ainda que o governador agora elencou a anistia da dívida como um dos principais temas, mas nunca questionou isso no governo anterior. “Independente do gestor federal, nós (Bancada do PT) mantivemos a mesma posição. Nossa bancada já é ‘amicus curiae’ e votaremos a favor da Assembleia ser também, mas estamos aguardando a apresentação de um plano de uso de recursos do Estado nestes três anos em que o presidente Lula deixará de cobrar”, defendeu.
O Parlamento Gaúcho e o governador do Estado cometeram um dos maiores equívocos da gestão pública, se tratando da dívida com a União. A assertiva é do deputado Zé Nunes (PT), que lembrou que 60% da dívida é culpa dos governadores gaúchos. Para o parlamentar, além da péssima negociação feita por Antônio Britto, ao aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, o governador Eduardo Leite se submeteu e foi omisso. “O que nós vimos foi irresponsabilidade com o povo gaúcho, foi vergonhoso. Nós desistimos das ações judiciais. Onde é que já se viu, abrir mão de ação judicial?”
Mesmo com críticas à postura dos parlamentares da base do Governo Leite, a Bancada do PT votou favorável ao acompanhamento da Assembleia Legislativa na ação movida pela OAB no STF.
Texto: Adriano Marcello Santos
Foto: Marcelo Oliveira | Agência ALRS