O mercado de créditos de carbono, sua regulação e oportunidades de negócios para o Brasil e o Rio Grande do Sul, foi tema de audiência pública, na quarta-feira (24/04), proposta pelo deputado Zé Nunes (PT), na Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e do Turismo. Na abertura dos trabalhos, Zé Nunes destacou a necessidade de o Parlamento Gaúcho apropriar-se do tema e criar um espaço de debate público. O deputado lembrou que o Brasil participa, desde a Conferência de Kyoto em 1997, do debate para instituir um mercado dos créditos de carbono. O parlamentar destacou também o fato do Brasil ter enorme potencial com as florestas e a sua biodiversidade, além da possibilidade de que haja financiamento de iniciativas desse tipo. “Lá nos debates que participamos na COP em Dubai, se viu que o Brasil está muito incipiente nesse processo. Nós não temos ainda uma legislação, que está sendo construída”.
Zé Nunes informou que a PUCRS já abriu um curso de pós-graduação em Crédito de Carbono, a Unisc tem iniciativas e a própria Secretaria Estadual de Meio Ambiente tem alguns projetos, mas tudo muito incipiente. “Nós não somos protagonistas, não temos como pensar uma política de desenvolvimento para o Estado, sem passar pela política de crédito de carbono”.
O advogado e consultor João Victor Domingues tratou da regulamentação do mercado de carbono, fazendo referência ao PL 2148/2015, agora substituído pelo PL 182/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases do Efeito Estufa (SBCE) e está no Senado Federal para apreciação. Segundo Domingues, a tramitação do PL acontece num momento em que a meta de um aquecimento de até 1,5°C em 2050 pode ser atingida em sete anos. “As coisas pioram e não melhoraram. As emissões de CO² (gás carbônico) por combustível fóssil, bateram novo recorde em 2023. Hoje nós temos uma emissão de 37 milhões de toneladas de CO² de combustível fóssil. Nós temos 3 bilhões de pessoas em países e áreas sujeitas a mudanças climáticas extremas. Se a gente não conseguir reverter essa curva, em 2050, nós teremos 30% menos de produção global de alimentos. Essa é a situação em que o nosso projeto está sendo debatido”.
João Victor também lembrou que o Brasil emite 2,3 bilhões de toneladas de CO² por ano. Ele citou os compromissos do Brasil na COP28 e destacou que dentro da própria legislação brasileira já há alguns compromissos de redução de emissão, na política nacional de resíduos sólidos, o marco regulatório do saneamento básico e a política nacional de mobilidade urbana. Para Domingues, o mais importante no texto do PL 182 é estabelecer o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases do Efeito Estufa (SBCE) e um Plano Nacional sobre Mudança do Clima, com a previsão de uma estrutura institucional de caráter executivo, deliberativo e consultivo, para tratar das regras, objetivos e metas. O texto vai regular como será o limite de emissões. O crédito de carbono é um estímulo financeiro para compensar todo o esforço de redução. É um título que pode ser negociado e tem valor financeiro. Será criado um cadastro central de créditos. Haverá um conjunto de metodologia. “Não estamos inventando novas regras, estamos trazendo o que foi definido pela Organização das Nações Unidas (ONU).”
João Victor ressaltou que é um mercado regulado, porque os governos estabelecem um conjunto de regras. As empresas que estão no Brasil vão ter que se adaptar. Ela funciona como uma commoditie, é um ativo transacional, o que permite o comercio internacional. O Plano Nacional de Alocação, será um instrumento que define, as metodologias e as regras para a compensação e comercialização no mercado. O SBCE vai conectar o Brasil com o mercado financeiro internacional. Ele estabelece ainda a titularidade das comunidades indígenas, quilombolas ou ribeirinhas do crédito de carbono, que podem se organizar para o comércio e regulamentação. O SBCE deverá ter até cinco anos para a implementação das metodologias e o Brasil vai aprender fazendo, com a urgência da nova realidade climática, vai trazer segurança jurídica e regulatória compatível com a regulamentação e metodologia internacional. Por fim, Domingues informou que, o Brasil tem previsto um potencial de chegar a US$ 100 bilhões em 2030 em crédito de Carbono e US$ 500 bilhões em 2050.
Antonio Barbalho, chefe Global da Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (MIGA) do Banco Mundial, tratou dos Cenários globais e no Brasil, afirmou que o processo de instalação do mercado de carbono foi demorado com tentativas anteriores que não deram certo. Barbalho trabalha com o tema desde 2002. Hoje são 49 países e 40 mercados subnacionais que trabalham com mercado de carbono. Isso cobre 23% de todo o carbono emitido no mundo. Há um segundo mercado, chamado mercado voluntário de créditos de carbono, que é onde os investidores estão mais atentos. Conforme Barbalho, o artigo 6.2 da Convenção de Paris estabeleceu uma metodologia de certificação internacional que permite o comércio internacional, com acordos de cooperação internacional, dos quais o Brasil já vem tirando vantagem.
“Países como o Brasil, a República Democrática do Congo e a Indonésia, que detém os ativos ambientais mais ricos do mundo, começam a se posicionar de maneira articulada, em direção, obedecendo regras e princípios de mercado sustentáveis. Em outras palavras, não venham com especulação.”
O chefe da MIGA lembrou que o PL é a primeira iniciativa brasileira que está alinhada com a legislação internacional e é séria. O Brasil não precisa de uma certificadora internacional através das universidades brasileiras. Mas considerou alguns desafios, entre eles, a implementação em cinco anos. O mercado global está se adaptando ao Acordo de Paris. É necessário ser chegar a uma conclusão nas negociações do PL no Congresso Nacional.
O engenheiro civil e oceanólogo Kayo Soares, CEO da ARVUT, tratou do ESG e Mercado de Carbono. A sigla em inglês para Environmental, Social e Governance (ambiente, responsabilidade social e governança corporativa) contribui segundo ele, para garantir a integridade do crédito de carbono que está sendo gerado.
“O ESG foi criado para mitigar riscos e com pouco risco, a empresa tem retorno garantido, gera confiança e respeito do mercado.”
Kayo fez um resgate histórico das conferências da ONU sobre Meio Ambiente, desde os anos 70 e lembrou que foi o então secretário-geral da ONU, Koffi Annan reuniu executivos de todo o mundo e estabeleceu um conceito We cares win (quem cuida, vence), marcando ao surgimento da ESG. Ele também mostrou como funciona o ESG e o cumprimento de cada uma das letras, que dão credibilidade aos negócios e destacou que a muitas iniciativas pouco confiáveis, que fazem uma falsa compensação de carbono, conhecida como greenwashing.
Soares falou ainda da ABNT, que criou uma referência para criação de programas ESG e que um programa ESG facilita a metodologia para gerar crédito de carbono
Bruno Russo, do curso de pós-graduação em Crédito de Carbono da PUCRS, lembrou que este mercado, reúne as ciências da terra, o direito e a tributação.
A coordenadora da Assessoria do Clima da Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura, Daniela Muller de Lara falou do Projeto Pró-Clima que trata dos ativos ambientais no RS, que tratam da neutralidade líquida das emissões de carbono. Lara falou do lançamento do inventário de emissões de carbono no RS. O estado gaúcho é o sétimo emissor nacional de carbono. Informou que o Governo do Estado implementou em 2024, um processo de descarbonização de cinco cadeiras produtivas.
Como encaminhamento, o deputado Zé Nunes assumiu o compromisso de seguir tratando do tema do mercado de carbono dentro do Parlamento Gaúcho, assim como o de acompanhar a tramitação e aprovação do PL 182, além de identificar experiência concretas que já estão acontecendo no RS.
Texto: Adriano Marcello Santos
Foto: Debora Beina