Seminário promovido pelo deputado Radde expõe falta de políticas públicas para a mulher no governo Leite

A falta de políticas públicas para a mulher no governo de Eduardo Leite esteve presente no Seminário Mulheres e a Segurança Pública no Enfrentamento à Violência de Gênero, promovido pelo mandato do deputado Leonel Radde (PT), nesta segunda-feira (4). Durante a tarde toda foram realizados cinco painéis para tratar dos diversos aspectos que envolvem o trabalho de mulheres na linha de frente de combate às violências de gênero. O evento vai contou com painelistas que atuam através de estudo, acolhimento, apoio jurídico e formas inovadoras de enfrentamento aos casos de violência contra as mulheres.
O Rio Grande do Sul, segundo Radde, é o Estado brasileiro com mais mulheres na Polícia Civil (41,3% do efetivo) e o terceiro em ocupação funcional feminina na Polícia Militar (20,9%), na Brigada Militar. As duas forças de segurança gaúchas têm índices superiores à média nacional. Os dados são do Raio X das Forças de Segurança Pública do Brasil, divulgado nesta semana pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Isso exige que traga algo positivo para as corporações, qualificando o trabalho, mas também exige políticas públicas”, disse o deputado Leonel Radde que, ao abrir o encontro, comentou que seu mandato sempre teve na pauta da luta contra a violência contra a mulher como um vetor para as políticas públicas. “Já na Câmara de vereadores aprovamos a Casa de Acolhimento e a distribuição de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade e na Assembleia Projeto de lei que estabelece o protocolo de abordagem policial que esperamos que seja aprovado”.
A deputada federal Maria do Rosário também defendeu a valorização doas profissionais da área da segurança. “Eu como professora muitas vezes me perguntei: a escola tem que assumir toda a responsabilidade por tudo que acontece? A gente faz o máximo e ao mesmo tempo eu tinha no meu cotidiano de sala de aula que lidar com situação de crianças que haviam sofrido violência, que tinham uma situação de empobrecimento muito dura, então eu sentia a necessidade de que a escola pudesse ter conexão com outros serviços e com a sociedade em geral”, disse. No enfrentamento à exploração sexual, ao abuso que começa na infância e perpassa a vida da mulher, Rosário diz ter se dado conta de que as delegacias precisam estar preparadas para atender a situação da mulher, mas sozinhas também não dão conta de tudo. “É necessário juntar a sociedade, é preciso de várias políticas públicas integradas”, defendeu.
A parlamentar ainda colocou-se à disposição para a elaboração de leis e principalmente para melhorar as condições de trabalho dos profissionais da área de segurança pública. “As Deams (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) são as primeiras políticas públicas que o Brasil criou para a proteção das mulheres contra a violência, muito antes da Lei Maria da Penha e antes inclusive dos Conselhos de Mulheres nas Cidades”, reforçou.
Télia Negrão, coordenadora Nacional da Campanha Levante Feminista Contra o Feminicídio, Lesbocídio e Tansfeminicídio, destacou que a falta de políticas públicas para a mulher no Rio Grande do Sul fez com que o levante Feminista contra o Feminicidio no RS ingressasse no início de fevereiro deste ano com representação no MP contra o governo do Estado, exigindo fiscalização, providências reais que reduzam os índices de violência no RS e que dêem garantias de que medidas protetivas sejam fiscalizadas, que nenhuma mulher sofra violência sem a possibilidade de acessar um centro de referência para que ela possa interromper o ciclo antes que se torne um caso de polícia. Télia relatou que um grupo de feministas, na passagem de 2020 para 2021 decidiu que não seria mais possível continuar vivendo uma tragédia com tantas faces, porque afetava a vida das mulheres afetava família, comunidade, fazia orfandade. “Ao observar a necessidade de que estes dados pudessem ser monitorados, iniciamos informalmente uma coleta de dados para começar a monitorar diariamente e em seguida formalizamos o observatório, que foi o primeiro e é hoje o principal observatório de feminicídio no Brasil e no RS nunca recebeu uma menção sequer dos jornais de grande circulação”.
Outro problema apontado por Télia é que no RS todo o enfrentamento à violência contra as mulheres está limitado ao aparelho de segurança pública com a montagem de estratégias muito mais midiáticas do que efetivas. “Sabemos as dificuldades que as delegacias das mulheres enfrentam no dia-a-dia operacional e mesmo essas delegacias passaram a ser transformadas em delegacias de populações vulneráveis. Ou seja, as mulheres vão perdendo o status de cidadãs para se transformarem em pessoas vulneráveis, o que acaba desfocando o que o enfrentamento à violência contra a mulher”, disse, acrescentando que é preciso recuperar as redes de proteção. “Nós podemos interromper todas as formas de desentendimento que as vezes começam com palavras e acabam com violências que levam à morte.”
A coordenadora e psicóloga do Observatório Lupa Feminista Contra o Feminicídio, Thaís Pereira, revelou que o coletivo mantém uma campanha permanente. Para Thais, a principal fonte de informação é a mídia tradicional e é através dela que o grupo faz um monitoramento dos feminicídios, mas também trocam informações em grupos de whats app, usam o google com ferramentas 0personalizadas com outras equipes que trabalham nesse monitoramento, além dos dados do Observatório de Violência Contra a Mulher no estado. Durante os levantamentos, o grupo identificou que muitos crimes violentos contra as mulheres, que tinham indícios de feminicídios, não são assim tipificados. Por isso os números da Lupa são diferentes dos da Secretaria de Segurança Pública. Um exemplo disso, observou a psicóloga, são quando as mulheres são abandonadas em via pública. “Os crimes de feminicídio podem ocorrer em vias públicas e temos observado o recrudescimento da crueldade nestes crimes. Aqui no RS vemos mulheres mortas a paulada, cabeça parafusada, concretada na geladeira, então não venha dizer que não houve agravante na crueldade”. A Lupa encontrou 102 casos de feminicidio em 2023, sendo que três deles o grupo identificou como femincídio íntimo que não entraram as estatísticas oficiais. Oficialmente são 87 casos. Em 2024, até 29 de fevereiro, a Lupa identificou 20 casos em janeiro, sendo oito, referente a crimes violentos e mais 13, sedo relacionados a crimes violentos, o que faz com que haja uma diferença de 22 casos entre o levantamento do observatório e os números oficiais.
Renata Jardim, que representou o Comitê Latino-Americano e do Caribe pelos Direitos da Mulher (Cladem) falou que a tipificação dos crimes que não são feminicídios íntimos são a maior dificuldade de enquadramento. A aplicação da ´prática da legislação vem demonstrando o quanto ainda precisamos qualificar nossos profissionais, ampliar suas concepções e capacitá-los para eles indicarem os fatores que são discriminatórios presentes nestas mortes de mulheres”.
Fabiane Lara dos Santos – Presidenta da Associação de Promotoras Legais Populares, atuante em Canoas. Afirmou que há duas leis potentes que ainda assim não conseguem manter as mulheres seguras porque elas não chegam na ponta. “Para chegar a todas as mulheres com a mesma dignidade, com a mesma acessibilidade, mesmo cuidado e mesmo olhar, é preciso encaminhamentos corretos de conhecimento de uma rede. Bem se coloca que não se pode esperar que a segurança pública resolva os problemas de feminicídio, mas a gente pode sim refletir sobre essa segurança pública, machista sexista, misógina e muito racista. Acho ótimo termos mais mulheres dentro do batalhão, dentro da Polícia Civil, mas eu quero entender aonde está a formação desses policiais. Quem realmente faz com que essa segurança tenha um olhar humanitário, de compreensão e proteção real”, argumentou, a ativista, sustentando que não é possível que uma mulher tique três quatro horas dentro e uma Delegacia de Polícia. “Precisamos ter uma rede forte, de políticas de estado. Não se pode ter uma Rede Lilás e depois acabar com ela por falta de recursos e por falta de visão de governo. O governo tem que ter essa prioridade”, defendeu.
Servidoras da Segurança pública também são vítimas de violência
Os espaços de trabalho podem ser ambientes muito ruins para as mulheres. Além da questão salarial, há a dificuldade de ocupar postos de chefia, especialmente em profissões onde a maioria são homens. A vice-presidente da Ugeirm/Sindicato, e policial civil Neiva Carla observou que ninguém fala sobre a violência que as mulheres sofrem dentro das instituições. Ela recordou que as primeiras agentes policiais ingressaram em 1970 e sequer havia banheiro para as mulheres. As mudanças só começaram 30 anos depois. “Hoje somos 32%, mas ouvi de colegas que isso era muito ruim, que não deveria ter tanta mulher”. Segundo Neiva, foi somente no governo Tarso Genro que as mulhers só tiveram direito de se afastar da atividade de risco quando engravidassem. “Até ali, contávamos com a benevolência do chefe. Sele decidisse que grávida com nove meses tirava plantão de 24 horas, ela tinha que fazer”.
A técnica Superior Penitenciária e Assistente Social, Renata de Oliveira Scandolara falou da realidade vivida pelas mulheres na Polícia Penal. Ela disse que o Brasil é o terceiro país que mais prende, segundo o Conselho Nacional de Justiça, mesmo com o déficit de vagas no sistema prisional. “Prende-se muito, prende-se com seletividade. A população carcerária é feita basicamente por homens jovens e negros. Ainda segundo o CNJ, 700% foi o aumento da população carcerária de 1990 para 2020”.  O Supremo Tribunal Federal, em decisão unânime reconheceu que “o sistema penitenciário brasileiro vive em estado permanente de coisa inconstitucional”, com a violação massiva de direitos fundamentais.
A titular da Delegacia de Combate à Intolerância, Tatiana Bastos, que foi delegada da mulher por 11 anos, falou sobre os lugares onde as mulheres vítimas de violência encontram acolhimento e disse que a violência de gênero não pode ser equiparada a todas as mulheres. “Sofremos todos os dias essas violências, em todos os espaços. Mas quando se fala de uma mulher negra se tem um tipo de violência ainda mais grave. Seja na gravidade, seja na dificuldade para sair dessa situação”, disse. Segundo a delegada, muito além da responsabilização criminal e da persecução penal, as delegacias especializadas se propõem a trabalhar com o acolhimento. “Temos salas reservadas de atendimento, temos atendimento psicológico e temos os formulários de avaliação de risco”.
Texto: Claiton Stumpf – MTb 9747