A perda de autonomia de professores e comunidade escolar, assim como a subordinação do Conselho Estadual de Educação às políticas do Governo do Estado, além da marginalização do sistema estadual de Educação, estão na essência do pacote de Projetos de Lei enviados pelo Executivo à Assembleia Legislativa. Essa foi a conclusão da maioria das autoridades e pesquisadoras em Educação que participaram da audiência pública, na segunda-feira (04/12) no auditório Dante Barone, da Assembleia Legislativa.
Na abertura do evento, a presidente da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia, deputada Sofia Cavedon (PT), criticou a ausência de representação do Governo Leite para debater o pacote que chegou ao Parlamento Gaúcho em regime de urgência. A parlamentar lembrou que a falta de diálogo é uma característica marcante do atual governo. Sofia disse ainda que o pacote de medidas é um ataque direto à escola pública, trocando o ambiente de aprendizado pela competitividade. “Esses temas não importam somente a rede estadual, porque terão implicações diretas nos municípios, em função de algumas medidas que o governo tem se proposto, determinado e induzido, como é o caso da municipalização da Educação.”
Os textos do PLC 517, dos PLs 518, 519, 520 e da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 299), incluem, respectivamente, a criação de um marco legal para a educação do Estado, instituindo a gratificação por resultado dos estudantes; alteração das atribuições do Conselho Estadual de Educação; alteração na gestão nas escolas, incluindo interferência na eleição e destituição de diretores; e alteração na Constituição Estadual retirando do ensino público, a obrigatoriedade da Língua Espanhola e o apoio às casas de estudante.
Para Sofia, o conjunto dos projetos cristalizam uma visão meritocracia e autoritária de Educação e institucionalizam medidas que já vem sendo tomadas gradativamente pelo Governo do Estado e não têm legitimidade no que se propõem. “Vieram em regime de urgência, sem debate com os sistemas de ensino estadual e municipais. Nós tivemos concomitante a chegada dos projetos aqui, a Conferência Nacional de Educação, com etapas preparatórias municipais e estaduais e nenhum destes temas foi levado a debate. Ao contrário, foi aprovada uma moção de repúdio ao pacote!”
A participação de pesquisadoras da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faced/UFRGS) apontou diversas irregularidades nas propostas enviadas ao Legislativo. A professora Mariângela Bairros destacou o rompimento de conquistas históricas da Constituição de 1988 e afirmou que os textos acabam com a equidade na oferta do ensino e entrega o conteúdo e a gestão das escolas. Bairros também criticou a quebra de autonomia do Conselho Estadual de Educação, que fica submetido à aprovação da titular da Seduc/RS.
Na mesma linha, a professora e pesquisadora Maria Beatriz Luce, do Núcleo de Estudos de Política e Gestão (Faced/UFRGS e PPG Educação), manifestou preocupação com medidas que dificultam a participação da comunidade escolar nas decisões sobre a escola e os conteúdos. A pesquisadora lembrou da trajetória de conquista da gestão democrática nos anos 1970 que depois foi firmada na Constituição Federal, como contraponto ao autoritarismo. Para Luce, portanto, há um retrocesso na participação da sociedade, nos dispositivos e espaços de controle da sociedade.
Vera Peroni, também pesquisadora da UFRGS, lembrou que 80% da Educação Básica é pública e afirmou que o que está em disputa é o conteúdo e a gestão das escolas. Peroni afirmou que há uma ofensiva para obstruir a participação da sociedade nos processos de decisão.
O deputado Jeferson Fernandes chamou de escândalo a proposta do governo Leite de aprofundar as terceirizações e encaminhar a privatização do ensino público do RS através da maior participação de empresas de consultorias. “O Governo Leite não nos surpreende quando resolve passar tudo para a iniciativa privada. Eduardo Leite tem uma obsessão por privatização e terceirização. E o pior: o gasto com as terceirizações e privatizações são maiores que o necessário para executar os serviços de forma pública, com a realização de concursos públicos”.
Na conclusão dos trabalhos da audiência em que falaram diversas professoras, pesquisadoras, gestoras, estudantes e lideranças da sociedade civil da capital e do interior, a deputada Sofia Cavedon voltou a fazer referência à etapa estadual da Conferência Nacional de Educação, que não mostrou qualquer divergência entre representantes de escolas públicas e privadas, em relação ao pacote apresentado pelo Governo Leite, que para a parlamentar, é uma imposição de empresários, desdenhando a gestão democrática e ousando retirar toda a autonomia da comunidade escolar, para escolher seu projeto pedagógico.
Texto: Adriano Marcello Santos
Fotos: Joaquim Moura