domingo, 24 novembro

A Subcomissão com o Objetivo de Debater as Situações de Assédio Sexual Contra as Servidoras no Âmbito da Segurança Pública e suas Consequências na Vida das Trabalhadoras realizou, na segunda-feira (23/10), audiência pública na qual o presidente, deputado Jeferson Fernandes (PT), apresentou o relatório final dos trabalhos. “Este documento se baseou em 3 eixos fundamentais de conclusão no que tange ao assédio sexual que sofrem as trabalhadoras da segurança pública: educação e conscientização de mulheres e homens quanto ao problema; comprovação e devido processo legal e/ou administrativo mais punição; e campanhas de denúncias de omissões, em especial, as institucionais”, adiantou o deputado, que apresentou um breve resumo do relatório ressaltando, primeiramente, a necessidade de diferenciação entre os tipos de assédio.
O Subprocurador para Assuntos Institucionais do Ministério Público do RS, Dr. Luciano Vaccaro lembrou que o tema do assédio é caro para o órgão, que lida com “muitas cifras ocultas em torno do assunto” em relações às instituições. “Várias das conclusões apontadas neste relatório tem a ver conosco, como instituição Ministério Público. Estamos de portas abertas para acolher essas sugestões, dar encaminhamento e criar canais que façam chegar essas notícias de modo a ensejar ações concretas”, disse o representante do MP/RS. Ele lembrou que o órgão criou um Centro de Apoio Operacional Criminal para o atendimento das vítimas. “Estamos à disposição através desse canal de diálogo”, salientou.
O presidente da Associação dos Defensores Públicos do RS, Dr. Mário Rheingantz, destacou que o assédio sexual é um problema endêmico, uma forma de violência estrutural. E confidenciou que o grande drama observado durante atuação no Núcleo de Defesa de Direitos Humanos da instituição, no que tange ao assédio sexual, é o receio da vítima em levar adiante as denúncias contra os assediadores e quanto às consequências dessa ação. “Há necessidade de um sistema mais específico para a proteção das vítimas”, defendeu Rheingantz. Ele contou que a Defensoria Pública do RS tem um Centro de Referência em Direitos Humanos com expertise no atendimento jurídico e psicossocial desses casos, especialmente por lidar com violência doméstica e policial. “Na Defensoria há um espaço de acolhimento que vai enxergar para além da questão jurídica. Contem conosco para fazer esse enfrentamento”, assinalou o Defensor.
A delegada Melina Correa, que representou a Corregedoria da Polícia Civil no evento, contou que certa vez reuniu-se para discutir o tema do assédio sexual com uma direção formada em sua maioria por homens. Um deles teria dito que aquele problema não existia na Polícia Civil; outro, que caso aprofundassem o assunto, aquilo seria usado contra a instituição; e um último, dissera à delegada que a questão era irrelevante porque as policiais já andavam armadas. “Ou seja, começar a conversar sobre assédio sexual na instituição já é um grande primeiro passo quando estamos falando de tantos paradigmas da violência. Para termos mudança de cultura, precisamos falar sobre o assunto e entender que as mulheres não são mais objetos e que, independente de estarem armadas, podem estar vulneráveis”, observou.
Nívia Carpes, do Sindicato dos Policiais Penais, também disse que o fato de andarem armadas não resolve o problema. Ela rememorou que todos concordaram com o fato de que quando a mulher relata um caso de assédio sexual passa por uma grande exposição, que trará mais prejuízos à mulher do que ao homem. “A pessoa que comete o crime de violência contra a mulher precisa passar por um tratamento. Se tivéssemos uma instância de tratamento começaríamos por um bom lugar que é ouvir o assediador. Certamente essas condutas teriam um outro desenrolar”, defendeu.
A superintendente Adjunta da Susepe, Deise Vergara Petrucci também percebe que o assédio sexual contra as trabalhadoras da Segurança é um tema bastante difícil de conversar, mas entende que o debate é necessário, incluindo os homens nas instituições. Ela reconhece que a Superintendência deveria tratar o tema com olhar mais acolhedor, mas acaba tendo uma postura mais permissiva com a prática do assédio. No entanto, lembra que a instituição está estruturando formas de fazer esse acolhimento e os encaminhamentos necessários a partir desse cuidado.
O corregedor Penitenciário, Rafael Gierme entende que o problema não nasceu nas forças de segurança, mas nas atitudes de cada um. Ele lembrou que o tratamento desigual entre homens e mulheres também não nasce no serviço público. “Na Polícia penal o tema é abordado sem medo. A denúncia é importante, a punição é importante, mas imediatamente como é que se conserta essa situação? Temos que chamar a criação legal para dar suporte. Na Corregedoria não nos furtamos de nenhuma medida. A falta que eu sinto hoje é de ter um mecanismo legal que permita a reparação do dano”, opinou.
Neste sentido, o deputado Jeferson acrescentou que quando se cria um espaço para as pessoas denunciarem, elas vão. “Não temos a cultura de estudar esses casos porque mexe nos calos de quem o pratica”, observou.
O Ouvidor da Defensoria Pública do RS, Rodrigo de Medeiros, salientou que quando não se trata o problema de forma educativa, naturaliza-se a violência. “Quando se aponta o problema numa instituição, não é para enfraquecê-la, é justamente para entender, educar e resolver”, explicou.
Representando a Corregedoria Geral da Brigada Militar, o major Ezequiel Roehrs afirmou que os casos de assédio sexual são punidos na instituição. Mas observou que a Brigada Militar deve enfrentar este tema. “Encorajamos as mulheres a denunciarem. O assédio moral é muito maior que o sexual porque é velado. O assédio sexual tem uma materialidade. Já o moral precisa de um processo de acolhimento. Precisamos enfrentar o problema para encorajar as demais pessoas”, refletiu. O major ressaltou que a BM conta com uma Ouvidoria e, desde março, com uma Ouvidoria específica para a Mulher, além de profissionais formados em psicologia para dar atendimento às vítimas. “O policial militar vítima recebe o devido amparo e o agressor tem uma punição exemplar para que aquele que está pensando em cometer a violência seja desencorajado”, crê Roehrs.
Claudete Valau, presidente da Associação das Esposas dos PMs e Policiais Femininas do Nível Médio do RS, Aesppom, contestou a versão do Major Roehrs. “As nossas brigadianas além de ter medo, sabem que não adianta denunciar porque lobo não come lobo. Por isso, tem que lutar por um órgão externo e independente de denúncias”. Para ela, quem cometeu o crime tem que pagar sim. “Estou há 33 anos e discutimos isso há 33 anos. Não é mais possível que as mulheres sofram com assédio sexual. Elas ficam traumatizadas. Há casos em que as brigadianas pensaram em tirar a própria vida. Outras pedem para sair da Brigada Militar. Tem perseguição e a gente precisa resolver porque a Corregedoria parece tapar o sol com a peneira”, denunciou.
Renata Quartiero, da Ordem dos Advogados do Brasil discordou da ideia de que a temática do assédio sexual sobre as servidoras da segurança seja difícil. “Esta temática não é difícil, é necessária. Difícil é sofrermos qualquer tipo de assédio em qualquer instituição, nas ruas e nas empresas privadas todos os dias”, pontuou. Ela também concorda que o assédio moral é muito maior que o sexual. “Não podemos falar só em acolhimento, porque a gente fala muito nisso. Isso faz parte do tratamento com as pessoas que sofreram violência. Temos de falar de dar continuidade à denúncia. Há um trabalho árduo para fazer a mulher denunciar, se expor e dar continuidade à denúncia. O ponto principal é essas mulheres serem ouvidas. Temos que ter políticas públicas efetivas que façam com que a mulher tenha coragem de denunciar, se expor, mas sobretudo dar continuidade para que se tenha uma punição efetiva”, frisou.
Marcia Schwants, também da OAB, reforçou que as mulheres ainda enfrentam dificuldade para fazer a denúncia. “A entidade está abrindo um observatório para mapear as agressões. É preciso levar uma mensagem a todos os homens”, disse a advogada.
Por fim, o deputado Jeferson afirmou que o processo formativo dos policiais deveria abordar o tema do assédio sexual. “As pessoas que vão acolher precisam estar bem preparadas. É um desafio enorme”. Para o deputado, a primeira tendência é querer a punição, mas as vezes se deixa o cidadão preso por 10 anos e ele sai com o mesmo intuito de cometer os mesmos erros. “Encontrar algumas políticas, um tratamento até para ele não cometer o mesmo delito contra as vítimas é muito necessário”, finalizou.

 

Texto: Claiton Stumpf MTb 9747 e Andréa Farias MTE 10967

Fotos: Joaquim Moura

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