Para avaliar os resultados do Programa Assistir, lançado há pouco mais de dois anos pelo Governo Eduardo Leite, com a intenção de redistribuir os recursos estaduais e federais aos hospitais que prestam serviços pelo Serviço Único de Saúde (SUS) em todo o RS, a Comissão de Saúde, realizou audiência pública, na segunda-feira (4/09), proposta pelos deputados Miguel Rossetto, Adão Pretto Filho e Neri, o Carteiro (PSDB), depois de inúmeros relatos enviados por prefeitos, vereadores e gestores de hospitais, preocupados com um possível colapso do sistema de Saúde em diferentes municípios.
Esperada pelos parlamentares e autoridades presentes, a secretária da Saúde, Arita Bergmann, que havia confirmado presença, desistiu da participação, horas antes do início da audiência.
O Programa Assistir prometia em seu lançamento que dos 218 hospitais aptos a receberem incentivos, 162 teriam acréscimo nos recursos. Na realidade, o Assistir promoveu cortes orçamentários que levaram os hospitais a um quadro caótico. O Hospital de Canoas recebia R$ 49 milhões por ano e vai receber somente R$ 6 milhões do Governo do Estado; o Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS) recebia R$ 35 milhões e passará a receber R$ 10 milhões; o Hospital Restinga e Extremo Sul perderá quase R$ 10 milhões dos R$ 13 milhões que recebe; o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas perderá 50% dos recursos estaduais, caindo de R$ 10 milhões para R$ 5 milhões. O município de Montenegro já fechou a traumatologia; Viamão, fechou a maternidade, o setor de saúde mental, a obstetrícia e a traumatologia; Taquara fechou a maternidade. Além da população ficar desassistida, os cortes de recursos na Saúde, acabaram sobrecarregando o atendimento no SUS.
O deputado Miguel Rossetto lamentou a ausência da secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, que pela terceira vez acertou a presença e não compareceu. “A secretária foi convidada, sugeriu as datas e nós nos adaptamos a elas. Infelizmente este respeito recíproco não apareceu e isso é grave. Quero registrar meu desconforto”, disse. A audiência, disse, dá continuidade a outra realizada em 7 de agosto, na qual a secretária também não esteve presente. “Estamos tratando das consequências de um decreto que institui o programa Assistir.
Para o deputado, o decreto atualizado estabeleceu duas questões: primeiro a manutenção de um calendário de adequação dos recursos estaduais à rede hospitalar gaúcha assistida por este programa. Segundo o deputado, vários hospitais serão desassistidos por este programa e o decreto estabelece uma continuidade da redução de recursos para estes hospitais. O segundo tema é a constituição de um Grupo de Trabalho técnico para avaliar os resultados obtidos pelo Assistir.
Rossetto lembrou que a Assembleia “está entrando num debate sobre o processo orçamentário para 2024 e todos nós na Assembleia temos oportunidade de colaborar para a expansão e qualificação desse atendimento para o RS. Se compararmos os orçamentos executados com variação do IPCA, verificaremos que há uma diferença de orçamento real na ordem de quase R$ 500 milhões. Ou seja, se pegarmos como referência o que o estado executou em 2014 e o que está executando em 2023, verificaremos uma defasagem de quase R$ 500 milhões”, afirmou. O deputado disse ainda que considerando os aumentos dos custos hospitalares o déficit chega a R$ 2,3 bilhões.
O deputado Adão Pretto Filho também manifestou o descontentamento com a ausência da secretária Arita Bergmann e classificou o programa com um “desassistir”, devido aos cortes de orçamento. Pretto citou o Hospital de Viamão que fechou a maternidade da cidade. Para o parlamentar, o programa não acrescentou recursos, mas ao contrário, redistribuiu e reduziu os investimentos do Estado.
“O Programa Assistir não tem um investimento a mais na Saúde. Ele apenas tira de um município e joga para outro hospital, outro município. Que programa é esse, senhoras e senhores? Não é à toa que temos uma audiência tão representativa aqui. O que isso acarreta? A precarização do atendimento, as demissões em massa em hospitais que estão demitindo seus servidores, superlotação de hospitais da Região Metropolitana, como o GHC, por conta da retirada de orçamento de outros hospitais.”
Pretto cobrou a responsabilidade das autoridades do Executivo. “O que está nas mãos do governador, é o sangue da população gaúcha”, denunciou. “Eu escutei de alguns prefeitos, que só não estão aqui hoje, porque são da base do governo, que eles também estão extremamente descontentes com a situação. Eu me somo aqui aos diretores dos hospitais, que estão numa situação muito difícil, com as instituições. Nós vamos pressionar o governo, de maneira muito responsável, para rever o Programa Assistir”
Apresentando uma série de dados técnicos, a diretora técnica da Secretaria Estadual de Saúde, Lisiane Fagundes, argumentou que a mudança foi motivada pela falta de transparência na forma de distribuição de recursos, ausência de critérios técnicos para a definição de incentivos, dificuldade de monitoramento da aplicação do recurso aportado, falta de equidade na distribuição de recursos e hospitais incentivados com a entrega de serviços aquém da remuneração. Segundo ela, 48,54% dos recursos estaduais eram repassados a 7,66% dos hospitais que atendem o SUS. “Temos hoje 301 hospitais. Os recursos estavam alocados em 21 hospitais, muitos da região Metropolitana (de Porto Alegre) ”. A metodologia do Assistir, segundo a diretora, está embasada no “tipo de serviço, na unidade de incentivo hospitalar, no peso e na unidade de referência”, o que permitiria a atualização a qualquer momento.
O prefeito de Canoas, Jairo Jorge lembrou que até 2009, os gestores municipais da Região Metropolitana compravam ambulâncias e mandavam os pacientes para Porto Alegre. Somente depois que o então governador Tarso Genro e o secretário da Saúde, Ciro Simoni, criaram uma rede de proteção na Região Metropolitana, abriram leitos, com transparência e com compromisso de uma política de Estado, o problema se resolveu. Jairo Jorge questionou o corte orçamentário que segundo ele vai fechar o Hospital Universitário e o Hospital de Pronto-Socorro de Canoas. O prefeito de Canoas cobrou auditoria nos números do Programa Assistir.
O prefeito de Nova Santa Rita, Rodrigo Batistella, contou que o município não possui estrutura própria de Saúde e é atendido por Porto Alegre e Montenegro. Desde 2021, segundo o prefeito, a Grampal vem tentado discutir os critérios técnicos, as perdas e readequações do Programa Assistir. Para ele não foram considerados os contratos que já existiam. Batistella pediu a suspensão da retirada de valores dos hospitais da Região Metropolitana. O prefeito criticou a falta de diálogo com os representantes da Secretaria Estadual da Saúde.
O deputado Pepe Vargas ponderou que essa é a terceira vez que o assunto é discutido na Assembleia Legislativa. Na última vez, a secretária não pode participar porque, segundo ela, estaria em uma reunião para justamente discutir o Assistir. De lá para cá, a situação dos hospitais ficou ainda mais dramática. Para Pepe, é compreensível que o programa possa sofrer aperfeiçoamentos. “É desejável inclusive porque há muitos anos o RS tem uma política de complementação de recursos para o sistema único de saúde com recursos próprios. Há mais de 20 anos. O que foi apresentado aqui de tentar construir parâmetros ninguém questiona, mas o problema é que se formos analisar os valores, nos últimos 20 anos, eles ficaram congelados. Tinha em torno de R$ 1,2 bilhão há 10 anos e agora tem R$ 1,3 bilhão. Isso significa um desfinanciamento”. Para Pepe, o estado proporcionalmente está investindo menos e como foram criados critérios, o que acontece é que se está aportando mais recursos em alguns lugares e retirando de outros. “É o cobertor curto. Desvesti uns para vestir outros. E o estado não aceita discutir isso”.
Pepe também disse que é preciso discutir o financiamento do SUS, pois os municípios chegaram a um ponto em que não há como exigir deles mais do que já investem. Quanto à União, disse, nos últimos anos houve um severo corte de recursos. Segundo dados da Associação Brasileira de Economia da Saúde, o SUS perdeu R$ 37 bilhões até 2022 porque deixou de ser aplicado o critério dos 15% da receita corrente líquida da União e passou a ser aplicado o teto de gastos, da “PEC da Morte”.
Não fosse a PEC da transição, observou Pepe, seriam R$ 59 bilhões a menos no orçamento da Saúde, mas o governo Lula após o processo eleitoral fez uma negociação para aportar recursos e conseguiu um freio de arrumação. Pelo novo arcabouço fiscal, o orçamento da saúde da União passa a ser novamente de 15% da receita corrente líquida. Por outro lado, Pepe chamou a atenção para o fato de que o Estado não cumpre a Lei Complementar que determina que invista 12% da receita corrente líquida em saúde. “Por que o governo não apresenta uma proposta de aumentar um pouquinho por ano até chegar aos 12%? Quanto o SUS perdeu nos últimos quatro anos pelo fato de não ser aplicado os 12% conforme determina a Lei Complementar 141? É mais de R$ 4 bilhões”.
A falta de transparência e a subjetividade dos critérios do Programa Assistir foram apontados pela deputada Stela Farias. A parlamentar questionou quais critérios de aplicação dos recursos, quais as dificuldades, que são apontadas, mas nunca descritas. Para a deputada foi retirado recursos de hospitais da Região Metropolitana que atendem média e alta complexidade e cobre quase 40% do total da população gaúcha. “Tenho todo o acordo com a regionalização, mas ela tem que ter bom senso, clareza, transparência e dizer o porquê das coisas. Os prefeitos não foram ouvidos. O Assistir não deu certo, ele piorou e retirou o atendimento!”
O deputado Miguel Rossetto, nos encaminhamentos da audiência pública, cobrou a constituição do Grupo de Trabalho para qualificar o sistema de saúde hospitalar na Região Metropolitana, que já está previsto há mais de dois meses e não se efetivou. “Nós estamos aqui defendendo todos os instrumentos de qualificação de oferta de um sistema de serviço hospitalar para todo o povo gaúcho.”
Rossetto defendeu ainda que a Assembleia Legislativa não assine o Plano Plurianual, diante da redução dos recursos estaduais para o sistema hospitalar do Rio Grande do Sul. “Nós estamos falando em R$ 500 milhões/ano de recursos do Estado do RS estão sendo retirados. Será que somente com a eficiência desses recursos reduzidos, nós atenderemos a demanda da população gaúcha?
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Texto: Adriano Marcello Santos e Claiton Stumpf – MTb 9747
Fotos: Joaquim Moura