A Subcomissão com o Objetivo de Debater as Situações de Assédio Sexual contra as Servidoras no Âmbito da Segurança Pública e suas Consequências na Vida das Trabalhadoras realizou seminário, na tarde de segunda-feira (10/07), para discutir o Assédio nas Instituições da Segurança Pública do RS e suas Consequências. O evento, organizado pelo presidente da Subcomissão, deputado estadual Jeferson Fernandes (PT), reuniu a promotora de Justiça e Coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher do Ministério Público do RS, Ivana Battaglin e a advogada e consultora para Conteúdos de Gênero e Direitos Humanos, Luciane Toss.
A promotora iniciou explanação apresentando dados da pesquisa “Visível e Invisível, A Vitimização de Mulheres no Brasil”, produzida pelo Instituto Datafolha, que ouviu 18 milhões de mulheres no ano passado. Entre os principais dados expostos pela Dra. o fato de 28,9% relatarem terem sido vítima de algum tipo de violência ou agressão; 40,7% das brasileiras afirmarem ter sofrido alguma forma de assédio no ambiente de trabalho; 11,9 milhões de mulheres terem sofrido assédio no ambiente de trabalho; e 18,6% terem relatado cantadas e comentários desrespeitosos no ambiente de trabalho. “O ideal é que em cada instituição tenha uma Ouvidoria, inclusive no MP/RS queremos implantar para que sejam feitas essas denúncias”, opinou. Ela também aconselhou as vítimas a denunciarem as ocorrências ao superior hierárquico, quando no local de trabalho, ou em delegacia de polícia. No entanto, sugeriu que as mulheres atingidas salvem provas como e-mails, prints de conversas de aplicativos, gravações em vídeo que mostrem os abusadores mas preservem demais personagens sem relação com a denúncia. Ivana ressaltou ainda que há soluções digitais de validação dessas provas, como as Plataformas Original My e a Verifact. Também lembrou que o Ministério Público do Trabalho possui o canal de denúncias de maneira sigilosa, o MPT Pardal. “As forças da Segurança não são as únicas a cometerem abusos, mas dentre as instituições machistas, são as mais machistas”, frisou.
Luciane Toss lembrou que o mundo do trabalho, independente de ser privado ou público, é um ambiente para sucessivas exposições de mulheres a constrangimento. “A ONU fez uma pesquisa e entre entrevistados de 18 a 34 anos, 40% das pessoas não gostam de trabalhar em empresas onde as lideranças são femininas. 1 em cada 3 brasileiros fica desconfortável com essas lideranças. Isso demonstra que a juventude não confia nas mulheres”, lamentou. Ela defendeu legislações que digam claramente que assédio sexual não pode acontecer. “É preciso criar mecanismos que garantam que isso não se repita nas instituições e não se perpetue. A Lei tem função pedagógica importante”, ponderou. Ela lembrou que questões relacionadas à segurança pública são masculinas a partir de lugares de gênero. “74% das mulheres das Forças de Segurança já sofreram assédio; 80% não denunciaram por medo de represálias. É preciso que as instituições adotem posicionamentos oficiais e públicos claros e façam campanha para constranger os assédios, ações preventivas”, disse a advogada, mostrando-se favorável à coordenação de Ouvidorias especializadas e de protocolos de encaminhamento desses casos.
A antropóloga, doutora em Ciência Política e Policial Penal, Nívea Carpes fez uma análise do comportamento humano, do papel da mulher dentro do modelo de produção e as relações que formatam a sociedade desde sempre, culminando na divisão do trabalho. “Estamos ocupando espaços que os homens não querem que ocupemos”, explicou.
Neiva Carla, da Ugeirm, Sindicato da Polícia Civil, contou que a instituição é porta de entrada para denúncias de assédio, uma vez que a Polícia Civil não dispõe de um espaço determinado para o acolhimento das denunciantes. “As próprias mulheres se consideravam culpadas pelo assédio que sofreram. O assédio é naturalizado. E o meu papel era fazer com que as mulheres enxergassem que estavam sendo assediadas”, lembrou Neiva, referindo-se a 2016. A sindicalista lamentou que, de todos os casos atendidos no Sindicato, apenas tenha resultado em condenação do assediador. “Até hoje, mulheres sofrem muito nas polícias. Nós não temos protocolo de atendimento; o canal é o Sindicato. É como se nós tivéssemos um espaço reservado, um puxadinho na segurança pública que não conseguimos ultrapassar”, observou.
Claudete Valau, presidenta da Associação de Esposas de Policiais Femininas de Nível Médio da Brigada Militar salientou que as mulheres da corporação têm medo de denunciar casos de abuso porque a instituição, ao invés de acolher, prejudica as vítimas. Ela lembrou que o assédio não ocorre somente por superiores hierárquicos, mas por colegas. “Muitas vezes, é o comandante quem assedia. A mulher é perseguida, passa por assédio moral. Onde ela vai se queixar?”, questionou. Claudete defendeu a criação de um órgão de denúncias fora da instituição e a adoção de prevenções já nos cursos de formação de policiais militares. “É assédio de tudo que é parte. Até em grupos de Whatsapp. Mas elas não vão denunciar a um superior de farda. Ficam com medo, mas elas não estão sozinhas. Estamos aqui para ajudá-las”, assinalou.
Aposentada da Superintendência de Serviços Penitenciários, Ivarlete de França observou que a mulher ingressa nas instituições da segurança pública como se fosse “um corpo estranho no organismo. E tudo passa a convergir para expulsá-lo”. Ela defende que “é preciso tratar essa patologia”. Ivarlete entende que é urgente que as mulheres da segurança saibam qual é a política de gestão do setor em relação aos assédios e à violência de gênero. “O combate à violência contra a mulher tem de fazer parte da política de gestão dessa instituição. Os que estão no poder hierárquico precisam saber disso, ter em mente e propagar”, decretou.
Representando o Comando Geral da Brigada Militar, o Corregedor Geral, Coronel Vladimir Luís da Silva Rosa disse que as pesquisas e leituras trazidas pelas painelistas não são de conhecimento da BM. “Conhecemos e adotamos todos procedimentos para mitigar e amenizar os assédios, mas sabemos que o machismo é problema histórico”, justificou. O Coronel argumentou que a Brigada Militar está acompanhando, pela Corregedoria, há 26 anos, a ocorrência de abusos. “A instituição tem capacidade de enxergar o que está ocorrendo, tanto que criou um evento no dia 8 de março, no qual foi lançada a Ouvidoria da Mulher”, defendeu. No entanto, argumentou que o problema da violência contra a mulher não está ligado à questão da hierarquia e à disciplina. “Hierarquia e disciplina não são um problema na nossa sociedade. É pressuposto básico. O problema do desrespeito à mulher está mais na base do que apenas um resultado”, decretou.
Após a fala do Corregedor, Luciane Toss reforçou que as corporações têm de fazer um mea-culpa em prol do enfrentamento dos assédios ao invés de adotar posições reativas e defensivas. “Precisam dizer: sim, nós temos espaços que proporcionam este sofrimento para mulheres. É importante que as chefias, as hierarquias, estabeleçam aos seus subordinados que as mulheres não gostam desse tratamento, que eles não são os caras quando praticam, que as mulheres estão sofrendo com isso”, reiterou.
CONSEQUÊNCIAS DO ASSÉDIO SEXUAL PARA AS TRABALHADORAS
Segundo a pesquisa “Visível e Invisível, A Vitimização de Mulheres no Brasil”, produzida pelo Instituto Datafolha, em 2022. 26% das mulheres passaram a não ter mais vontade de ir trabalhar; 25%, a desconfiar das pessoas que trabalham com elas; 19% decidiram sair da empresa em razão do episódio e 15% foram demitidas.
Texto: Andréa Farias – MTE 10967
Foto: Vanessa Vargas