Apresentada em audiência da Comissão de Educação, pesquisa demonstra fracasso do novo ensino médio

 

Atendendo a uma solicitação do Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FACED/UFRGS) e do  Grupo de Estudos de Políticas Públicas para o Ensino Médio (GEPPEM), a deputada Sofia Cavedon, que preside a Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia, aprovou audiência pública para tratar da avaliação do Novo Ensino Médio.

“Essa audiência se propõe a dar voz às discussões e os acúmulos que nós temos aqui no Rio Grande do Sul, de modo que nós possamos no manifestar de modo institucional. Cada seguimento que aqui está, já estão se manifestando na consulta que o Governo Federal está fazendo, através das suas entidades” afirmou a deputada na abertura da audiência.

Um das convidadas, a professora Maria Beatriz Luce, do Núcleo de Estudos de Política e Gestão (Faced/UFRGS e PPG Educação) saudou a possibilidade de apresentar os resultados da pesquisa aplicada pela UFRGS trouxe uma pesquisa desenvolvida em conjunto com o GEPPEM,  denominada “Novo Ensino Médio na rede estadual do RS”.

A apresentação foi feita pela pesquisadora Ângela Both Chagas, do GEPPEM que explicou sobre o objetivo do estudo, que foi analisar como os estudantes puderam escolher seus formativos nas escolas estaduais, tendo em vista a promessa de liberdade, contida no plano do Governo Federal imposto em 2022, com a promessa de um modelo de aprendizagem por áreas de conhecimento que permitiria jovens do Ensino Médio, optar por uma formação técnica e profissionalizante. Chagas contou que as informações não estavam disponíveis na Secretaria Estadual de Educação e a UFRGS precisou solicitar dados via Lei de Acesso à Informação, para depois cruzar com o levantamento do Censo Escolar e com dados do INEP.

Segundo os dados apresentados na pesquisa, em 72% dos municípios gaúchos existe apenas uma escola estadual de ensino médio. A rede estadual tem 82,2% das matriculas estão nas escolas da rede estadual, segundo dados do Censo Escolar/Inep.

A pesquisadora destacou que a nova matriz curricular, tem uma redução significativa da carga horária em todas as unidades curriculares, incluindo menos aulas de Português e Matemática, que caíram de 15 períodos semanais para 9 e 18 períodos para 10, respectivamente. Outros 40% da carga horária passa a ser composta por unidades curriculares obrigatórias (como Projeto de Vida).

O trabalho do GEPPEM demonstra que apesar da indicação de 24 trilhas, há desproporção na oferta e 15 das 24 trilhas não são opções em mais de 90% das escolas. “Há um enorme enxugamento dos conteúdos nas próprias trilhas. Essas mudanças, da forma com que foram feitas, deixaram o que era ruim, ainda pior” destacou Ângela.

Ainda sobre os dados apresentados, 69,3% das escolas ofertam apenas duas trilhas e 14,6% contam com uma única trilha, contrariando resolução do próprio Conselho Estadual de Educação. Além disso, mais de 40% das escolas ofertam apenas uma trilha no período noturno e 83 escolas ofertam apenas uma trilha, no município onde só há uma escola

Os indicadores demonstraram que o nível socioeconômico mais elevado, tem mais possibilidade de escolhas, do que os estudantes mais pobres. A situação de desequilíbrio pode ser mais forte no campo, onde 22,4% das escolas contam com apena uma trilha.

Sobre a oferta de eletivas, além das trilhas, os estudantes poderiam escolher, a orientação da Seduc, é no turno invertido, reduzindo significativamente a participação dos estudantes, uma vez que apenas 14,3% das escolas oferecem eletivas e apenas 2,3% das escolas existe opção de escolha entre diferentes eletivas.

A conclusão da pesquisa é a de que houve um esvaziamento da formação geral básica e uma enorme fragmentação curricular, além de uma limitadíssima liberdade de escolha aos estudantes e o aprofundamento e legitimação das desigualdades educacionais.

A professora Mariângela Silveira Bairros, do GEPPEM, indagou por que as universidades públicas não são chamadas para debater as políticas de Educação? “Nós estamos lutando pela revogação dessa reforma! É preciso investigar essas instituições privadas que atuam na Educação Pública, muitas que foram criados há pouco mais de quatro anos. A Seduc é hoje funciona como uma empresa. Há uma política de desmonte da Educação pública e do ensino médio é preciso investigar o papel dessas empresas? Os estudantes estão perdendo conteúdos importantes em sua formação. O momento é muito preocupante e grave. Quem está formulando as políticas são empresas privadas” denunciou.

Edson Garcia, representante do CPERS-Sindicato, afirmou que a imposição de uma nova plataforma de ensino médio foi imposta sem qualquer consulta às comunidades escolares, porque o objetivo não era qualificar o ensino, mas formar mão-de-obra mais barata, além de criar as condições para o estudante abandonar a escola.

Outra representante do CPERS, a professora Rosane informou que apenas 0,46% da comunidade escolar respondeu a consulta do MEC e  clamou por mobilização para mostrar ao Ministério da Educação, o descontentamento das comunidades escolares.

O presidente da União Gaúcha dos Estudantes (Uges), Anderson Farias destacou que os problemas reais do Ensino Médio não foram atacados pela reforma imposta pelo governo Bolsonaro. Segundo Farias, citando dados do Dieese, mais de 300 escolas no Rio Grande do Sul sequer  tem banheiro, portanto, não nem como aplicar o Novo Ensino Médio.

Kaick Silva, representante da União Brasileira de Estudantes (Ubes) afirmou que reformar o Novo Ensino Médio não é suficiente, é preciso revogá-lo. Defendeu o ensino técnico integrado, a exemplo dos institutos federais. Silva lembrou que a escola também é um instrumento de combate à fome e que a merenda escolar é um elemento de permanência dos estudantes nas escolas. Defendeu que a valorização do Ensino passa pelo respeito a todos os funcionários das escolas, além dos professores e dos próprios estudantes.

Várias representações estudantis das escolas estaduais de Porto Alegre, Emílio Massot, Inácio Montanha e Paula Soares deram depoimento constatando as dificuldades e as preocupações com a formação dos estudantes.  Segundo os secundaristas, há muita fragmentação dos conteúdos e nenhuma preocupação com a prova do Enem. As lideranças lembraram da realidade dos estudantes menos favorecidos e das dificuldades. Ainda em seu depoimento, as estudantes, afirmaram que a alteração no Ensino Médio atacou o sonho não só de quem quer passar no vestibular, mas também de quem quer trabalhar. Os professores são desmotivados pelo próprio Governo do Estado, que todo ano retira direitos. Para os jovens a reforma do ensino ataca toda a sociedade.

Para o vereador de Porto Alegre, Jonas Reis (PT) que também é professor da rede pública, trata-se de um projeto de escola que foi imposto e que não serve nem para o vestibular, nem para o mundo do trabalho. Reis classificou o modelo de desconectado com a realidade. ” A gente sequestra o currículo, que já era precário, sim, da escola de ensino médio, mas agora a gente dissolve ele, em supostos itinerários, quando na verdade, não existe escolha. Trata-se da fragilização da democracia. O novo ensino médio busca isso. Porque quando tu fragiliza a formação do cidadão, tu dissolve a capacidade de reivindicar direito e uma das égides da democracia, é que as pessoas possam se organizar para reivindicar mais direitos. Nós precisamos que o ministro Camilo revogue esse reforma do Ensino Médio, precisamos dissolver esse erro histórico”

Para o diretor da Ubes, Antony Machado, estudante da Escola Estadual Emílio Meyer de Porto Alegre, faltou diálogo na implantação do Novo Ensino Médio e por isso ele está distante da realidade da maioria dos estudantes da rede pública. Para Machado, a revogação do Novo Ensino Médio é apenas uma etapa, é preciso um olhar mais atento para a escola pública.

Nilson Carlos da Rosa, professor da Escola Ignácio Montanha, afirmou que os professores se sentem expectadores da proposta do Novo Ensino Médio, porque jamais foram consultados. Rosa questionou como pensar numa reforma do ensino, sem antes uma política de valorização dos professores e afirmou que não houve capacitação do corpo docente das escolas para aplicação da proposta.

A professora Neiva Lazarotto, diretora do 39° Núcleo do CPERS-Sindicato classificou como desastre a imposição de um novo ensino médio. Defendeu 10% do orçamento público para a Educação e a construção de uma nova grade curricular elaborada por pesquiadores, professoras e autoridades ligadas à Educação e não à empresas.

A estudante Isabela Luzardo, assessora da deputada Bruna Rodrigues (PCdoB), denunciou uma agenda de encontros do Governo Leite, sobre Educação, que está percorrendo o Estado para encontrar gestores de empresas privadas, enquanto a comunidade escolar segue sem ser ouvida e as escolas estão precarizadas e sem reformas, apesar da propaganda do governo.

O professor Marcelo Dall’Alba Boeira, da Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, afirmou que a instituição sequer foi consultada para o construção do Ensino Médio. Boeira disse que a Fundação não aceitou reduzir o currículo estrutural.

A representante da Associação dos Orientadores Educacionais do RS, Viviane de Souza, informou que o balanço do Plano Nacional de Educação, mostrou que há um grave atraso, com mais de 1 milhão de jovens do ensino médio fora da escola no país, cinco anos depois de fixado o prazo para adequar a meta do Plano. No RS, foi diagnosticado grande número de evasões e repetências. Afirmou que a própria Seduc reconhece o empobrecimento curricular, especialmente em disciplinas de humanidades.

Para Cristiane Della Méa Corrales, do Centro de Apoio Operacional da Educação, Infância e Juventude do Ministério Público do RS, em participação virtual, a audiência pública da Comissão de Educação vai contribuir para um diagnóstico completo da situação do ensino médio estadual. A procuradora afirmou que há um grande desequilíbrio entre rede pública e privada.

Como encaminhamento da audiência, a deputada Sofia Cavedon, informou que será constituído um relatório contendo a pesquisa do GEPPEM apresentada à Comissão, bem os depoimentos de professores, pesquisadores e estudantes que será remetido ao Governo Federal e ao Ministro da Educação, Camilo Santana.

 

Texto: Adriano Marcello Santos

Foto: Joaquim Moura