Fotos: Mauro Mello
Milhares de famílias gaúchas que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS) estão convivendo com a angústia de ter que esperar exames, tratamentos e cirurgias na área de oncologia. Espera que, em alguns casos, pode superar dois anos. A situação preocupante foi tema de audiência pública proposta pelo deputado Pepe Vargas (PT) na Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa. No total, foram 14 depoimentos de entidades e instituições que lidam com essa realidade diariamente.
A deputada Stela Farias (PT) reconheceu a gravidade da situação relativa aos tratamentos oncológicos e acrescentou que os mesmos problemas são identificados em outras especialidades, como traumatologia e neurologia. Stela lembrou ainda que o Governo do Estado ainda não implementou a Política Estadual de Cuidados Paliativos, legislação aprovada em 2017. Autora da lei, ao lado do ex-deputado Pedro Ruas (PSOL), a deputada destaca que sua aplicabilidade seria fundamental para qualificar o atendimento de saúde da população. “O governo estadual, como poder público, não tem investido em cuidados paliativos. Os valores repassados para ações paliativas são ínfimos. Quando a gente trata de moléstias graves, como o câncer por exemplo, o cuidado paliativo é fundamental”, defendeu.
Médico de formação, o deputado Pepe salientou que o RS deixou de investir R $1,37 milhão no Sistema Único de Saúde (SUS), dos 12% previstos por lei no orçamento, pois contabiliza neste percentual, por exemplo, despesas como pagamento da previdência. “O estado do Rio Grande do Sul não pode mais se omitir de aplicar os 12% da receita corrente líquida de impostos no SUS. Ano passado o estado deixou de aplicar R$ 1,3 bilhão. E tem que aplicar os 12% em ações e serviços públicos de saúde, como está explícito na lei complementar 141. O governo não pode nem citar a falta de recursos, pois o governador comemorou o superávit ano passado. Isso demonstra que a saúde não é prioridade”, criticou.
Pepe destacou ainda o compromisso do Parlamento em buscar a ampliação do limite financeiro disponível para o custeio de ações e serviços de saúde (teto Mac) pelos municípios, mas salientou a necessidade de exigir do governo do estado a aplicação dos recursos previstos em lei. “O RS anunciou 3 bilhões de superávit, portanto, existem recursos. Sabemos que existem outras demandas, mas o que vem em primeiro lugar é a vida das pessoas”, ressaltou.
Ao final da audiência, Pepe sugeriu a elaboração de um Pedido de Informações, a ser enviado ao governo do estado, para identificar o número de consultas, exames, diagnósticos e tratamentos oncológicos represados no RS. “De qualquer maneira, durante essa audiência, já identificamos através dos relatos a necessidade de habilitar novos serviços de oncologia pelo SUS”, completou Pepe Vargas.
Depoimentos evidenciam a gravidade da situação
Conforme a Secretaria da Saúde, são 3.578 pacientes do SUS que aguardam para conseguir consulta de oncologia no Estado. A defensora pública, Liliane Paz Deble, disse que, com isso, o Rio Grande do Sul está vivendo um problema muito sério de acesso ao tratamento e até para o diagnóstico do câncer. Segundo ela, existe legislação própria determinando 60 dias para o início do tratamento a partir do diagnóstico e de 30 dias para a realização dos exames que vão diagnosticar a doença. No entanto, a espera pelo tratamento hoje chega a 2 anos. “A gente sabe que no tratamento do câncer é importante o tempo. Ele tem o time de atuação e para começar a combater porque se não se faz isso no início, se tem outras complicações, outros gastos, ocupação de leito hospitalar e um gasto muito maior”, disse, acrescentando que esses recursos poderiam ser muito melhor aproveitados se fosse iniciado o atendimento com rapidez. A demora, segundo a defensora, fez com que o número de ajuizamentos aumentasse. “Embora a defensoria sempre prefira e tente antes conseguir uma solução extrajudicial, isso não tem sido possível. Tem aumentado os ajuizamentos até para consultas. Isso não se fazia mais e hoje estão voltando a solicitar ajuizamento para conseguir uma consulta”, relatou.
O representante do Instituto de Amparo às Pessoas com Câncer (IAPC), Manuel Vasques, observou que um estudo social feito pela entidade levantou um percentual de pacientes que enfrentaram dificuldades para a realização do tratamento. O IAPC Atende 47 pacientes e destes, 32% tiveram um tempo de espera muito elevado. “Uma das usuárias, com neoplasia maligna teve os primeiros sintomas em setembro de 2020, com nódulos na mama. O médico diagnosticou com leite empedrado, pois ainda amamentava. Em fevereiro de 2022 começou a ter muita tosse seca. Em junho de 2022 passou muito mal e foi na UPA. Fizeram exames e disseram que era água no pulmão. Em setembro do mesmo ano, passou mal novamente, com água no pulmão. Realizaram exames e constataram a neoplasia, já com metástase no fígado. Ou seja, dois anos depois”, relatou. Esse exemplo demonstra que dois anos de espera é muito tempo. Se tivesse sido tratada de início teria evitado que o câncer se espalhasse para outros órgãos. “Teríamos condições de atender e ajudar mais pacientes, mas para isso elas precisam chegar até nós e para isso precisam ser diagnosticadas”, disse Vasques.
Laureana Nardini, assistente social da Associação de Apoio às Pessoas com Câncer (Apecan), que tem 14 unidades no estado, explicou que o atendimento aos pacientes começa a partir do diagnóstico. No entanto a entidade recebe muitas ligações de pessoas que não conseguem fazer o diagnóstico. “Nós relatamos que precisam buscar a unidade de saúde e as vezes é muito difícil no sentido da atenção primária. Para iniciar o tratamento, sabemos que há a lei dos 30 dias. Tentamos informar o paciente, mas não funciona”. Conforme a assistente social, muitas vezes os pacientes estão tentando buscar o diagnóstico por mais de seis meses. A atenção primária e o encaminhamento para médicos especialistas, disse Laureana, é fundamental, mas muitas vezes as pessoas não conseguem. “Temos que entender que há uma população com extrema falta de informação, de escolaridade, que não tem entendimento nenhum. A gente percebe que existe pouca paciência na explicação para as pessoas nas unidades de atendimento”, disse, ressaltando a importância do diagnóstico precoce. “Quando recebem o diagnóstico já muito avançado, é preocupante”.
A médica Rosângela Dornelles, do município de Charqueadas, ressaltou que o Rio Grande do Sul falha na atenção básica. Segundo a médica, a identificação de sintomas e o diagnóstico precoce são medidas fundamentais para tornar o tratamento oncológico mais efetivo, reduzindo, inclusive, os gastos públicos. “É preciso organizar a rede de atenção básica e qualificar a prevenção. Tem sido cada vez mais comum o diagnóstico oncológico sendo feito nas emergências, quando a doença já está em um estágio avançado”.
A coordenadora do Instituto da Mama do Rio Grande do Sul (IMAMA), Rita da Cunha, salientou a necessidade de orientação adequada aos pacientes do SUS. “Percebemos que muitos dos pacientes não recebem uma orientação adequada à sua realidade, as informações são enviadas por meio de tecnologia que eles não têm acesso”, esclarece. Rita sugere o acompanhamento dos agentes de saúde nesses casos. Ela salientou o fato das pessoas desconhecerem o prazo previsto na legislação. A vice-presidente do Centro de Auxílio às Pessoas com Câncer de Caxias do Sul, Jacira de Souza, completou dizendo que existem casos de pessoas que estão há seis meses aguardando o diagnóstico. Jacira sugeriu ainda a indicação de exames de mamografia pelo SUS em mulheres com menos de 40 anos. “A idade para fazer o exame deveria ser alterada, pois temos, por exemplo, uma beneficiária que foi diagnosticada aos 26 anos”. Já o secretário de Saúde de Nova Roma do Sul, Roberto Panosso, relatou que há pessoas no município que estão há 200 na fila de espera para o tratamento oncológico. “Precisamos de uma solução urgente”.
O diretor do Hospital Geral, Sandro Junqueira, destacou a necessidade de reavaliar a contra–referência. Ele explicou que o paciente permanece no hospital, muitas vezes, durante um longo período após a cirurgia, no entanto acredita que a recuperação e o tratamento poderiam ter continuidade na cidade de origem. “Temos excelentes hospitais, portanto, porque não encaminhá-los à recuperação nessas unidades? Isso aumentaria o número de leitos”, sugeriu. Junqueira também destacou que o HG, nos últimos dois anos, extrapolou o limite de recursos contratados pelo município. Foram R$ 6 milhões a mais no ano de 2022.
O representante do governo do estado, João Marcelo Lopes Fonseca informou a realização de um mapeamento, solicitado pelo Ministério da Saúde, para identificar a situação atual dos pacientes oncológicos. “Esse trabalho é de extrema importância para traçar as próximas etapas de incremento de serviços”, concluiu. Também destacou os recursos do Tribunal de Justiça, 94 milhões destinados à saúde,
PARTICIPARAM AINDA:
ANDRÉ EMÍLIO LAGEMAN, Superintendente da Federação dos Hospitais Filantrópicos e Santas Casas (presencial/mesa)
DIRCEU FRANCISCO DE ARAÚJO RODRIGUES, Diretor Administrativo da Associação Médica do Rio Grande do Sul (Virtual)
GERALDO FREITAS, do Hospital Virvi Ramos (Virtual)
GERMANO SCHWARTZ, da Fundação Universidade de Caxias do Sul (presencial)
ROBERTO PANOSSO, Secretário de Saúde de Nova Roma do Sul
SOLANGE CUNHA – , 5ª Regional de saúde
MARGUIT MENEGUZZI – representando a Secretária de Saúde de Caxias do Sul
TATIANE DOS SANTOS – Diretora de Operações do Hospital Pompéia (Virtual)
Texto: Silvana Gonçalves – MTB 9163