quinta-feira, 21 novembro
Foto Mauro Mello

A presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, deputada Laura Sito, utilizou a tribuna na sessão plenária desta terça-feira (28) para anunciar um plano de trabalho para acompanhar a temática do trabalho análogo à escravidão. A declaração em nome da bancada foi feita seis dias após as denúncias que levaram à uma operação conjunta de Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que flagrou 207 homens em um alojamento na cidade de Bento Gonçalves, condições análogas à de escravidão, sendo mantidos em situação precária de hospedagem, higiene e alimentação. À equipe, trabalhadores relataram que sofriam violência verbal, física, ameaças de morte e eram alimentados com comida estragada.

De acordo com Laura, o plano visa revisar a legislação trabalhista dos contratos sazonais, sistematizar as denúncias envolvendo toda a rota desses trabalhadores e produzir um relatório para denúncia à Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Comitê Internacional dos Direitos Humanos. “Por tudo isso, cabe aqui afirmar que nós estamos comprometidos em prestar todo o auxílio a estes trabalhadores e suas famílias. Da mesma forma, estamos acompanhando de perto o Ministério Público do Trabalho e demais órgãos envolvidos nas investigações. Além disto, é preciso que as vinícolas sejam responsabilizadas e, se condenadas, percam as isenções fiscais concedidas pelo nosso estado. A escravidão não pode ser lucrativa!”, defendeu.

A parlamentar frisou que de forma alguma o objetivo é atentar contra a cadeia vitivinícola, que é importante para o Estado cultural e economicamente. No entanto, disse ela, o assunto não pode ser ignorado. “As vinícolas contrataram uma terceirizada justamente para baratear os custos trabalhistas, o que certamente colaborou para que essa atividade fosse ainda mais lucrativa e enquanto as vinícolas somavam cifras milionárias, trabalhadores sofriam sessões de tortura, espancamento, choques elétricos, spray de pimenta, alimentação forçada, comida estragada e jornadas de mais de 15 horas de trabalho”, salientou. Para que se tenha uma ideia, complementou a deputada, caso os trabalhadores adoecessem e não pudessem cobrir suas jornadas diárias, segundo as denúncias, lhe era cobrado uma multa de mais de R$ 1,2 mil e ainda precisavam comprar alimentos em valor superfaturados.

Laura, que é presidenta da Comissão de Direitos Humanos, esteve no final de semana, em Bento Gonçalves, acompanhando os trabalhadores que permaneceram nos alojamentos, encontrando inclusive mulheres gestantes. “Isso é inadmissível e é em defesa dessa cadeia produtiva, dos trabalhadores e da simbologia cultural que tem para nós que trazemos este tema”.

Para o deputado Miguel Rossetto, a dignidade humana é um compromisso de todos e é um valor inegociável. “A condenação ao trabalho em condição análoga à escravidão é um compromisso de todos nós. Submeter trabalhadores e cidadãos brasileiros a isso é crime neste país. Todos os parlamentares que vieram a essa tribuna condenaram essa conduta, todos. Digo isso porque essa Assembleia pode auxiliar neste fato para que isso não se repita”, disse. Rossetto entende ser necessário produzir iniciativas para que isso nunca mais ocorra. “Amanhã será levado à Comissão de Direitos Humanos requerimentos de audiências sobre isso e um plano de trabalho conjunto para que possamos colaborar para que este tipo de coisa não ocorra mais. Entendo que este setor tem condições de realizar iniciativas que possam traduzir o compromisso do setor das práticas corretas de maneira social e ambiental. Trabalho escravo no RS nunca mais”.

Deputados petistas defendem que irregularidade não seja generalizada

A bancada do PT na Assembleia Legislativa defende que é preciso evitar qualquer tipo de generalização. “Não é possível generalizar como se toda e qualquer empresa, toda e qualquer cooperativa, todo e qualquer trabalhador produtor rural tivesse esse tipo de prática”, disse o deputado Pepe Vargas, observando que a primeira postura de qualquer representante do poder público ou dirigente empresarial deve ser de condenar veementemente quem patrocina trabalho em condições análogas às de escravidão e exigir a punição exemplar de quem tem esse tipo de prática. “Se trata de uma condição ética e moral inegociável. É disso que nós falamos. O direito ao trabalho em condições de dignidade humana”.

O parlamentar destacou ainda o trabalho exemplar dos órgãos que tem responsabilidade na fiscalização. “O Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal atuaram, é importante dizer”. Estes órgãos, segundo Pepe, estão atuando para garantir os direitos dos trabalhadores. Por outro lado, advertiu, as práticas de precarização do mundo do trabalho e as práticas de terceirização cresceram muito depois da flexibilização na legislação trabalhista. “O trabalho temporário já existia em determinadas condições, mas com a flexibilização a terceirização se estendeu para qualquer atividade, inclusive as atividades fim das empresas e isso tem levado a um crescimento de situações de trabalho análoga à de escravidão em todo o Brasil”.

Para o deputado Leonel Radde, a população da Serra gaúcha não compactua com esse tipo de prática. “Eu tenho muito respeito à Serra. Inclusive, um dos melhores sucos de uva do mundo vem da Serra, de produtores rurais, pequenos agricultores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Ou seja, é possível sim uma outra prática, um outro exemplo e isso que aconteceu nos envergonha como brasileiros, como gaúchos e como seres humanos. Espero que a humanidade não esteja acima de ideologias partidárias, que não esteja acima da lacração de internet, que não esteja acima da ética. Não basta não ser racista é preciso ser antirracista, não basta não ser fascista, é preciso ser antifascista”, disse.

Parlamentar aponta necessidade de revisão na Legislação trabalhista

Para o deputado Pepe Vargas, o episódio de trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves, na Serra gaúcha, acendeu um alerta e levantou a necessidade de que o debate sobre a legislação trabalhista seja realizado, envolvendo todo o setor empresarial. “Por que não contratar os trabalhadores em regime temporário de forma direta, sem precisar um atravessador de mão de obra. É mais seguro às empresas e mais digno aos trabalhadores. Não adianta dizer simplesmente: ‘tem um contrato. Fiscaliza formalmente o contrato e se não for cumprida a legislação, a responsabilidade é de quem eu contratei’. Isso é insuficiente”, argumentou.

Pepe defendeu uma pactuação regional em que o setor empresarial da uva e do vinho e o setor turístico se comprometam em garantir que a Serra seja não apenas uma grande produtora de vinho, suco de uva, espumantes, mas também seja um espaço em que as condições de trabalho sejam dignas, onde nunca mais aconteçam situações desta natureza.

Por último, frisou Pepe, é preciso que o governo do Estado, especialmente a Brigada Militar, Polícia Civil e a Secretaria de Segurança investiguem e façam a devida sindicância para apurar com rigor a denúncia de que policiais estariam sendo utilizados, pagos para servirem de seguranças e estarem coagindo e torturando pessoas em favor de um empresário que cometeu crime de trabalho escravo. “Esta é a postura que devemos ter aqui na casa e que precisamos que as lideranças do setor empresarial façam esse pacto para acabar com as terceirizações que são indefensáveis na forma como estão acontecendo. Trabalho escravo nunca!”

Texto: Claiton Stumpf (MTB 9747)

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