O recuo do desembargador Alexandre Mussoi Moreira, que havia suspendido a venda da Corsan, cujo leilão está marcado para o próximo dia 20 de dezembro e, no final da tarde desta quarta-feira (14/12), reconsiderou a própria decisão, após analisar justificativas do governo do Estado, causou inconformidade nos participantes da audiência pública virtual sobre esclarecimentos acerca da privatização da Companhia, realizada no início da noite pela Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do Estado, por proposição do deputado estadual Jeferson Fernandes (PT). No entanto, o petista chamou a atenção para o fato de que, na nova decisão, Mussoi Moreira desautoriza a Corsan a celebrar contratos com a empresa vencedora do leilão antes que haja definição sobre o mérito da ação no TJ-RS, o que, para ele coloca o “negócio sob suspeição”. De outra parte, o parlamentar divulgou resposta recebida do governo estadual a seu pedido de informações sobre o lucro da Corsan que vem sendo retido no caixa da Companhia desde abril de 2021. “Antes dessa data, esse recurso era depositado no Caixa Único. Então, como se contabiliza esse recurso na hora da venda? Isso fica para a empresa compradora. Mas o governo alega que esse valor está contabilizado no preço da Corsan, mesmo que isso não conste em lugar algum do processo. São réus confessos”, resumiu.
Segundo o petista, o próximo passo é pressionar para que o Tribunal de Contas do Estado, que analisa processos movidos pelo Sindicato dos Engenheiros do RS (Senge) quanto à Tomada de Contas e a precificação da Companhia, emita enfim parecer a respeito. “É inadmissível que a Conselheira responsável pela matéria não delibere sobre esta. Não é razoável o TCE ficar numa situação cômoda de não decidir”, criticou o deputado. “Amicus Curiae” nos processos sob análise do Tribunal, ele disse que acrescentará essas últimas informações ao órgão.
O presidente do Sindicato da categoria – Sindiágua, Arílson Wünsch contrapôs argumento utilizado pelo desembargador para a nova decisão de que a não venda da Corsan implicaria perda de valor para a Companhia e prejuízo para o Estado. “Não é verdade. Em Passo Fundo, sem aditivo, o contrato termina em 2035; em Rio Grande, só em 2044; em Santa Cruz, que tem o maior contrato, o término é em 2054. A média dos contratos é 25,3 anos. Não há perigo de a Companhia perder contrato pela não privatização”, rechaçou. Além disso, o sindicalista lembrou que mais de 200 municípios gaúchos não assinaram aditivos com a Corsan e que o Ministério Público Estadual considera esses contratos irregulares. “Entraremos novamente com ação no TJ-RS mostrando que a Companhia tem sim condições de cumprir exigências do Marco Regulatório do Saneamento”, afirmou. Wünsch alega ainda que, somadas as Parcerias Público-Privadas feitas pela Corsan na região metropolitana, as obras em curso e investimentos do Programa Solutrat, a Companhia chegaria a cerca de 77% em coleta e tratamento de esgoto e não apenas os 19% projetados pelo governo. “A empresa que comprar a Corsan vai ter de fazer apenas 13% de esgoto para atingir a meta. É um grande negócio, mas só para eles”, disse.
O presidente do Sindicato dos Engenheiros do RS, Eduardo Carvalho entende que o governo criou um prazo fictício para fazer a venda da Corsan e age como se fosse uma determinação para o cumprimento do Marco Regulatório. Também observou que o Estado não foi eficaz em conseguir a adesão dos municípios tanto para a regionalização quanto para a assinatura dos aditivos contratuais. “O governo sempre pontuou essa necessidade de privatizar. E criou o seu prazo. Não há necessidade de privatizar para que a Corsan leve adiante os seus investimentos. Isso é uma questão de gestão”, defendeu, lembrando que o Senge mantém ações no Judiciário e TCE quanto ao preço de venda da Companhia estar abaixo do ideal. “Se o prazo para o cumprimento das metas do Marco Regulatório do Saneamento for estendido de 2033 para 2040, como há possibilidade, o valor da Corsan já será aumentado em 25%. Então, é óbvio que os atuais valores de venda estão defasados”, exemplificou.
Sobre o preço mínimo da Companhia e o preço de leilão, o engenheiro José Homero Finamor, da Associação dos Técnicos da Corsan – Astecor, alertou que há um desconto de R$ 1,6 bilhões, que seriam referentes a demandas trabalhistas, dívidas com a Fundação Corsan, etc. “Isso deveria constar no edital, mas não está claro. Não há transparência. Não se sabe exatamente o que é”, reclamou.
O deputado estadual Zé Nunes (PT) considera o processo de privatização da Companhia “um crime” cometido em nome de uma Lei concebida nacionalmente num governo alinhado ao entreguismo. “Não haveria como resolver o problema de saneamento do país com uma Lei que foi criada para facilitar o monopólio privado sobre a água”, opinou. Ele sublinhou que os municípios gaúchos não perderão a titularidade sobre o saneamento, apesar dos aditivos contratuais à Corsan e que isso acarretará consequências para o Estado. “Isso vai criar um imbróglio. Em breve, os municípios vão bater à porta do governo estadual exigindo que se encontre uma solução para o setor”, alertou. Ele defende que é preciso reforçar a denúncia e fazer uma grande mobilização para deixar inseguros possíveis compradores da Corsan. “Eles também estarão comprando um imbróglio”, argumentou.
Isabel Pitta, delegada Sindical do Senge, representando a Associação dos Servidores da Corsan, lembrou que o Estado não se resume ao Executivo e que, portanto, ao “prosseguir com a privatização da Corsan desta maneira, viola a sua própria Constituição, já que é seu dever garantir acesso ao saneamento”. “O TCE ainda não homologou o processo de privatização. Há questões técnicas que ainda não foram apreciadas. Falta parecer do Ministério Público de Contas. O Judiciário também coloca em suspenso a execução da privatização. Então, o Estado ainda não tem o pleno direito de executar a venda da Companhia, embora haja como se tivesse”, argumentou. Ela também questiona a defesa da privatização ser usada como garantia de solução dos problemas de investimento em saneamento. “Bastaria que constasse um parágrafo dizendo que fica a compradora obrigada a realizar os investimentos necessários à universalização do saneamento até 2033. Se não está no edital, é porque não há interesse nessa garantia”, alertou. Por fim, Isabel reiterou que a oposição ao projeto de privatização é um ato contra o processo açodado de venda, que ignora o interesse público. “O governo estadual tem ignorado os apelos dos prefeitos, da população, dos funcionários da Corsan, de deputados, as sinalizações do novo governo federal acerca do não financiamento de privatizações; e o resultado não vai ser o aumento da competição no saneamento, mas a passagem de monopólios públicos estaduais para oligopólios privados nacionais”, concluiu.
Texto: Andréa Farias (MTE 10967)