Mais de 600 estudantes encerrarão o ano letivo mais cedo

Audiência apura suspensão do transporte escolar na zona rural

Foto Celso Bender – ALRS

Em audiência pública nesta quarta-feira (14) a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos apurou a situação de mais de 600 estudantes do Ensino Fundamental e Médio que ao longo de 2022 foram prejudicados pela falta de transporte escolar na zona rural, acumulando déficit escolar ao período anterior, de 2020 e 2021, decorrente da pandemia de Covid-19. As crianças e adolescentes residem em áreas rurais de São Gabriel e Santana do Livramento, na Fronteira-Oeste, mas outras regiões também enfrentam o problema, decorrente de desistência de transportadores pelo difícil acesso e entraves burocráticos decorrentes do cancelamento da licitação.

Autora do pedido de audiência, a deputada Sofia Cavedon (PT) – que já tratou do tema em audiência anterior – relatou a situação que envolve o governo do Estado, através da Secretaria de Educação, e os municípios, mas a impossibilidade de frequência nas escolas desses alunos de áreas rurais tem colocando também o Ministério Público e a Defensoria Pública em alinhamento para garantir o acesso às escolas públicas, uma obrigação do estado.

A deputada manifesta preocupação com a demora das licitações que envolvem essa modalidade de transporte, uma vez que em setembro foi dado início a uma contratação emergencial, mas essas localidades até agora não foram contempladas e o resultado é que em torno de 600 alunos correm o risco de perder o ano letivo, que se encerra em poucas semanas. Ela sugeriu que a SEDUC promova com urgência uma reunião com as Coordenadorias Regionais de Educação, a fim de encontrar solução pedagógica para que esses alunos não percam o ano letivo. “O prejuízo dessas crianças e adolescentes é imenso”, alertou Cavedon, que sugeriu um planejamento através do turno integral para compensar as perdas educacionais do ano. “Foram dois anos de pandemia e 2022 foi um desastre”, desabafou.

Por se tratar de violação de direitos, a Defensoria Pública anunciou que aguardará 30 dias, até 15 de janeiro, para que a SEDUC tome as providências e, caso isso não aconteça, será ajuizada uma ação pública. Outro encaminhamento foi no sentido de promover nova reunião em fevereiro, no início das atividades parlamentares, para retomar o assunto antes do início do ano letivo, em 22 de fevereiro.

Volta ao tempo das carroças com tração animal

O 1º vice-presidente do CPERS, Alex Saratt, ressaltou que o governo precisa resolver, com urgência, essa questão essencial para garantir o direito de acesso, de centenas de estudantes, ao ensino. Saratt classificou o problema como crônico e histórico. “A prioridade é a comunidade escolar, os estudantes e o aprendizado. Temos que exigir o compromisso do governo em resolver essa questão para que possamos finalizar esse ano letivo e iniciar o próximo com todas as condições necessárias para garantir o acesso dos estudantes ao ensino”, destacou.

A representante das Mães e Pais do Assentamento Caiboaté, de São Gabriel, Ana Paula Pereira, relatou as dificuldades de transporte que enfrentam os alunos do Ensino Médio, em virtude da defasagem do transporte escolar e das estradas no município, onde duas escolas recebem esses alunos. Depois das dificuldades enfrentadas na pandemia para acompanhar os conteúdos, no início do ano escolar de 2022 surgiram os problemas com o transporte escolar e “as crianças e adolescentes praticamente não participaram das aulas”, agravado ainda pela queda de uma ponte na zona rural, que aumentava a distância inicial de 20 quilômetros para 80 quilômetros até as escolas.

A rotina diária desses estudantes é de 10 quilômetros de caminhada, com sol, frio ou chuva, para ir e voltar de casa até o ponto onde são recolhidas pelo ônibus escolar. Ana Paula lamenta a situação, uma vez que chegar no Ensino Médio já é um grande desafio para esses jovens rurais e 90% deles não conseguem concluir essa etapa escolar. “Eles conseguiram chegar na escola, pegaram o ritmo e veio a licitação, paralisando tudo”, lastimou, especialmente porque não foi a primeira vez que o transporte foi suspenso por esse motivo. Ela invocou a cartilha do ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente, onde constam os deveres dos pais e as obrigações do estado que não são cumpridas.

O presidente do Conselho Escolar da Escola de Ensino Fundamental Ataliba das Chagas, Claudinei Ludwig, de São Gabriel, disse que mais de 90% desses alunos são filhos de assentados, de comunidades quilombolas e filhos de peões de estância das redondezas. Tudo está vinculado ao rompimento da prefeitura de São Gabriel, há quatro anos, com o Programa Estadual de Apoio ao Transporte Escolar – PEATE/RS, que assegura o acesso e permanência dos alunos de áreas rurais matriculados na educação básica da rede pública estadual.

Para dar visibilidade ao problema, ações foram abertas no MP estadual, houve ocupação de praça pública e diversas reuniões com a SEDUC e a 19ª CRE, sem sucesso. Ludwig está conformado com a ideia do retorno do transporte das crianças até a escola em carroças puxadas por cavalos, como aconteceu em 2010 quando esse problema surgiu na comunidade. Disse que no final do ano passado, no retorno das aulas presenciais, o transporte não alcançou dez dias de aulas e foi suspenso, deixando os alunos sem acesso às aulas até o final do ano letivo, mesmo com promessas do governo de que tudo seria resolvido no início deste ano. “As aulas começaram em maio, com dois meses de atraso, e não tem como recuperar”, lamentou. No segundo semestre foi a mesma coisa, interrompeu em setembro e mais de 100 alunos ficaram sem o transporte. Para piorar, o processo licitatório foi feito com lista dos alunos matriculados no ano passado e oito alunos perderam o direito ao transporte, embora matriculados, porque a SEDUC não conseguiu fazer aditivo para estender o transporte em mais alguns quilômetros.

Defensoria Pública ajuíza ações

A Defensora Pública Andreia Paz Rodrigues, do Núcleo da Criança e Adolescente, considera a situação grave e relata casos de até 54 quilômetros percorridos por adolescente para acessar a escola, em Santana do Livramento, pela falta de transporte escolar na zona rural. Ela manifestou preocupação que estudantes com deficiência também estejam sendo prejudicados. Andreia Rodrigues disse que a DP tem ajuizado ações judiciais para resolver as questões de transporte escolar, uma vez que as tentativas de resolver de forma extrajudicial com a SEDUC têm fracassado. “Com decisão judicial podemos pedir bloqueio de valor das contas públicas, que é a forma de resolver o problema”, informou. E se colocou à disposição dos pais para judicializar a situação, caso a nova tentativa de resolver com a SEDUC seja frustrada. Alertou, por último, que os atuais cinco quilômetros autorizados de distância da casa do aluno para o acesso ao ônibus escolar, pode ser reduzido para dois quilômetros, conforme a jurisprudência a respeito.

SEDUC confia em solução rápida

O diretor-geral da SEDUC, Guilherme Corte, informou que em São Gabriel enfrentam problema escolar 90 alunos, em Livramento são 59 alunos e em Maçambará, 60 alunos, e Santo Ângelo tem em torno de 400 alunos sem transporte no último período. Mas observou que essa situação está relacionada aos municípios que romperam com o PEAT, porque outros 460 municípios não enfrentam esse problema. Ele revelou os valores que São Gabriel perde, R$ 2,5 milhões, e Livramento, R$ 2,8 milhões, deixam de receber do governo para o transporte dos alunos da rede estadual. E também o auxílio para aquisição dos ônibus escolares. Os quatro ônibus disponibilizados para Livramento, com o rompimento do contrato, foram encaminhados para outros municípios, e outros dois foram incendiados e o governo entrou com ação de ressarcimento contra o município.

Guilherme Corte reconheceu os transtornos impostos a essa comunidade escolar e pediu desculpas, acrescentando que os problemas estruturais nas estradas fazem com que os transportadores desistam das rotas, “alguns lotes da licitação não conseguimos encontrar fornecedor”, observou. E outros se recusam a entrar nas comunidades, “não vão, ficam na porteira, é o aluno que tem que vir (até o ônibus)”.

Sobre os municípios da Fronteira-Oeste, disse que a licitação foi feita porque há garantia no orçamento de 2023, os Termos de Referências estão prontos e tramitam na secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, com o secretário Claudio Gastal.

Pela Famurs, Itamar Batista antecipou o apoio e parceria da entidade para resolver a questão, e o vice-presidente do Cpers, Alex Stara, cobrou urgência para resolver o problema.

Fonte: Agência de Notícias ALRS