O professor de história Flávio Miguel Henn, aponta a falta de memória como uma das sequelas da Covid-19. Ficou internado durante 15 dias em 2020 em estado crítico, mas não chegou a ir para UTI devido à ausência de leito daquele período. Assim, como ele, 70% das pessoas que passaram pela Covid-19 sofrem com alguma consequência da doença. Com o intuito de identificar essa situação no território gaúcho, estabelecer políticas públicas para o atendimento destas pessoas e levar isto ao Governo do Estado, foi realizada hoje (23.06) a terceira audiência pública da Frente Parlamentar em Defesa das Vítimas da Covid-19.
O encontro realizado na Câmara de Vereadores de Lajeado foi aberto pelo presidente da Frente, o deputado estadual Pepe Vargas (PT). As audiências estão sendo realizadas nas cidades consideradas polos nas macrorregiões do Estado. Já tiveram encontros nos municípios de Porto Alegre e Santa Maria e as próximas estão previstas para acontecerem nas cidades de Pelotas, Santa Rosa, Bagé e Caxias do Sul. Os encontros devem originar um relatório com as demandas e sugestões e entregá-lo aos poderes públicos estadual e federal, além da Federação Nacional dos Municípios. A ideia é contribuir com a sociedade gaúcha no mapeamento das realidades regionais, considerando os impactos da pandemia na vida da população e nos sistemas de proteção social, sobretudo o SUS. “Existem demandas relacionadas à Atenção à Saúde da população que apresenta danos crônicos, permanentes ou temporários, causados pela doença, que implicam em novos arranjos assistenciais” destacou Pepe.
O grupo tem ouvido as lideranças políticas ligadas a área da saúde e vítimas da Covid-19, em busca de colaborar para o enfrentamento imediato, de médio e de longo prazo, dos efeitos causados pela doença. “É preciso dimensionar, construir estratégias urgentes para alterar esse cenário de invisibilidade, desatendimento e sofrimento”, completou. Os números apresentados na mídia, segundo o parlamentar, apontam o número de curados, o que leva a impressão de não existir consequência da doença.
Pepe explicou que algumas pessoas ficam com sequelas graves e outras possuem os chamados sintomas persistentes. Algumas pesquisas, inclusive, já chamam isto de Covid longa.
“São pessoas que depois de três ou quatro semanas curam do quadro agudo mas permanecem com os sintomas às vezes mais do que 12 semanas. Ou seja, três meses depois elas ainda possuem os mais diversos sintomas. Ele esclarece que existe um certo desconhecimento por parte das equipes de saúde e a ausência de protocolos no sistema para a identificação, o encaminhamento e o correto tratamento destes pacientes. O deputado salientou que soma-se a este cenário o aumento das “filas” por consultas especializadas, exames diagnósticos, procedimentos ambulatoriais e cirurgias eletivas – represados durante os períodos de restrição dos serviços de saúde.
Pepe também defendeu a implantação de um protocolo de orientação aos profissionais de saúde, atualmente implementado apenas em Belo Horizonte (MG). “Existem poucas experiências no âmbito nacional, com protocolo de orientação, mas é fundamental que os gestores públicos atentem para essa a necessidade”. O parlamentar elogiou a iniciativa do município de Santa Maria que constituiu um Núcleo de Atenção Pós-Covid-19.
A Frente Parlamentar foi constituída a partir da aproximação com o Comitê Estadual em Defesa das Vítimas da Covid-19, que reúne entidades como o Conselho Estadual de Saúde Brasil e Conselho Regional de Enfermagem e a Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid19 – Vida e Justiça.
Audiência
O vereador de Lajeado, Sérgio Kniphoff (PT), contou da experiência do município que possui uma Clínica, junto à Universidade do Vale do Taquari, que promove o atendimento pelo SUS, disponibilizando uma equipe multidisciplinar para os pacientes vítimas da Covid-19. Kniphoff também defendeu a implantação de protocolos de orientação ao atendimento dessas pessoas.
O presidente do Conselho Estadual de Saúde, Cláudio Augustin, presente de forma virtual, denunciou, mais uma vez, que o governo ignorou sugestões feitas pelos Conselhos na adoção de medidas de prevenção, de atendimento à saúde e de instituição de protocolos. “Fizemos inúmeras resoluções apontando a situação e as necessidades ao Governo do Estado, sem sermos atendidos”, destacou. Ele falou ainda sobre a necessidade de existir um um levantamento sobre o número de pessoas contaminadas para identificar os que sofrem com as sequelas e desenvolver políticas públicas. “Precisamos de uma estrutura médica adequada, o que não está sendo fornecido pelo Estado”, completou.
A vice-presidente do Conselho Estadual da Saúde, Inara Ruas, apontou a necessidade de identificação do número de vítimas da Covid-19 que sofrem com as sequelas da Covid-19, bem como das patologias vividas por essas pessoas. Ela destacou o papel da Frente Parlamentar em estimular a formação de Comitês, Frentes e Núcleos no interior do Estado, para lutar por investimentos e políticas públicas em defesa das vítimas das Covid-19. “O nosso papel é de sementeiros. Estamos plantando uma semente, para que vocês venham para luta, criem comitês, frentes parlamentares”, afirmou.
A fundadora e presidente da Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 – Avico Brasil, Paola Falceta, criticou a falta de promoção e prevenção em saúde pelo Estado, o que é um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Ela apontou o Estudo da Fiocruz o qual informa que metade da população infectada pela Covid-19 apresenta sequelas, com duração de, no mínimo, 1 ano. Ela também apontou a falta de um protocolo nacional de monitoramento e de avaliação desses casos. A presidente da Avico Brasil indicou que o poder Legislativo deve auxiliar o Executivo para trabalhar com as informações científicas.
Paola defendeu a vacina, mas lembrou que é preciso manter os cuidados como uso de máscara, álcool gel e distanciamento. Ela alertou que a Covid-19 é uma doença vascular, sistêmica, que ataca qualquer órgão e sistema do corpo, traz inúmeras sequelas como falta de memória, problemas respiratórios, intestinais e de mobilidade, entre outros.
Paola também criticou a ausência do poder executivo nas audiências. “Somos vítimas da Covid-19 e desse Estado que viola o nosso direito fundamental que é a vida, não tendo acesso fundamental à saúde”, concluiu. Para a coordenadora do Núcleo de Saúde da Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19 – Vida e Justiça, Rosângela Dornelles, junto a luta pelos direitos dos pacientes e familiares de vítimas da pós Covid-19 é preciso lutar pela garantia dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Rosângela apontou ainda que a pandemia ainda segue em curso e as medidas de promoção da vacina foram deixadas de lado pelo Estado. Emocionada, Rosângela lembrou o dia em que anunciou a morte do primeiro paciente com Covid-19 a uma família. “Quantas vezes a gente quis dizer coisas boas e não tinha como. Essa é uma dor que não se recupera mais. E por isso, a nossa fala é para que as pessoas tenham voz, para o Estado não se omitir mais diante da dor de muitas pessoa,” disse. Rosângela relatou um aumento significativo no número de Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs), Infartos e outras sequelas, em pessoas jovens.
Presenças
A audiência também contou com as participações do vice-presidente do CREFITO-5, Glademir Schwingel, do Coordenador da Rede Covid-19 Humanidade MCTI da UFRGS, Jean Segata, da representante do Conselho Municipal de Saúde e do Sindicato dos Comerciários de Lajeado, , Rejane Verruck, da representante do COREN, Sônia Regina Coradini, do Professor Danilo Fernandes Costa, da Rede Covid Saúde do Trabalhador FioCruz, da Defensora Pública, Dirigente do Núcleo de Defesa da Saúde, Liliane Deble, da representante do Conselho Municipal de Saúde de Santa Cruz do Sul, Célia Zingler, do representante Associação Vida e Justiça em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19, Iti Guimarães, e Aldair bandeira da Silva do Sindibancarios de Santa cruz do Sul e região.
Texto: Silvana Gonçalves (MTB 9163)