sábado, 23 novembro
Representantes de 113 países debateram situação ambiental do planeta, em 1972, em Estocolmo, na Suécia (Divulgação)

Há 50 anos, representantes de 113 países reunidos em Estocolmo, na Suécia, em evento promovido pela ONU, deram o ponto de partida para colocar o tema do meio ambiente na agenda mundial da discussão sobre o desenvolvimento das sociedades. Entre os dias 5 a 16 de junho de 1972, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Em debate, a relação dos humanos com o meio ambiente e o próprio futuro da humanidade. O tempo vem demonstrando ainda mais a importância do assunto. Estudos científicos comprovam que, se a humanidade não tomar algumas decisões, poderá entrar em colapso, como aconteceu com outras civilizações. Ali começou a se desenhar um diagnóstico melhor da situação ambiental planetária e se articular acordos globais de conservação.

O encontro produziu a Declaração de Estocolmo, que traduziu o espírito da Conferência, as preocupações e os compromissos à época, organizados em 26 princípios, marcando e influenciando a construção do direito ambiental internacional. E, no mesmo sentido, como consequência direta, a ONU criou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Entretanto, a maior contribuição talvez foi gerar o devido reconhecimento ao tema, estabelecendo a relação de interdependência entre meio ambiente e o desenvolvimento das sociedades humanas, dando publicidade ao debate das questões ambientais, proporcionando acesso à informação e estimulando a divulgação científica e a cooperação institucional.

A Conferência de Estocolmo foi realizada em um momento que cresciam as preocupações com a poluição, com a degradação ambiental e os limites do uso dos recursos naturais frente à uma população em crescimento. Os impactos ambientais estavam visíveis em uma Europa que vivia a prosperidade do pós-guerra. O século XX vivia uma acelerada transformação com grandes avanços tecnológicos, urbanização e industrialização. A ideologia do progresso insistia em dizer que o futuro, inexoravelmente, seria melhor, o que mostrou ser um equívoco. O futuro pode ser pior ou nem existir.

Dez anos antes, em 1962, a bióloga Rachel Carson lançou nos Estado Unidos o livro Primavera Silenciosa, que se tornou um marco do movimento ambientalista mundial. Na obra, a autora denunciava os impactos dos agrotóxicos no meio ambiente, para a biodiversidade e o funcionamento dos ecossistemas. O relatório Os Limites do Crescimento, do Clube de Roma, grupo que reunia cientistas, pensadores, empresários e funcionários públicos, foi outra obra que contribuiu para dar consistência ao debate no início dos anos 70, pois alertava para os dilemas de equacionar questões como disponibilidade de recursos naturais, crescimento da população, novas tecnologias, degradação ambiental e modelo de desenvolvimento.

Assim, embora em anos anteriores muitos já se inquietavam com as questões ambientais, foi na década de 70 que tais preocupações com o meio ambiente ganharam relevância em âmbito global, forçando países e instituições a firmarem tratados, diretrizes e acordos de cooperação.

O crescente debate internacional provocou a criação de instrumentos jurídicos nacionais de regulação e de proteção ambiental. No Brasil, no início dos 80 foi instituída a Política Nacional do Meio Ambiente, com a Lei n° 6.938/1981. Alguns anos antes, em 1973, o governo brasileiro criava a Secretaria Especial de Meio Ambiente, vinculada ao Ministério do Interior. Isso tudo foi consequência do debate nacional vinculado ao internacional, sendo a Conferência de Estocolmo um dos fatores determinantes.

Hoje, em 2022, temos mais conhecimento por meio de estudos e relatórios que nos apresentam indicadores do nível de degradação ambiental do planeta e sobre o uso insustentável dos recursos naturais. Inegavelmente, temos mais informações sobre os limites do planetários frente às atividades humanas. Sabe-se dos riscos de crises e possibilidade de colapsos ambientais. Sabe-se também que mais riqueza global não significa menos pobres e mais felicidade geral. Sabe-se muito bem que uns poucos se apropriam das conquistas da ciência, dos avanços tecnológicos e da riqueza gerada.

Pode-se afirmar, que a centralidade do debate da época ainda permanece e nos desafia: trata-se do modelo de desenvolvimento adotado pelos países, ou seja, do padrão de vida das sociedades contemporâneas frente aos limites da natureza. Esse modelo, além de produzir desigualdade social e econômica, gera externalidades ambientais negativas. A concepção de desenvolvimento passou a ser confundida com ideia de progresso a qualquer custo, trocando floresta por asfalto e usinas geradoras de eletricidade.

O fato é que os estilos de desenvolvimento ainda adotados buscam crescimento constantes nos padrões de vida, mas geram profundas contradições por levar a impactos ambientais e esgotamento de recursos naturais sem beneficiar a maioria.

O crescimento da economia e a constante expansão das fronteiras agrícolas, que avançam sobre ambientes naturais, rompem equilíbrios ecológicos, fragilizando ecossistemas e afetando a biodiversidade ao ponto de extinção de espécies. A lógica capitalista torna o cenário ainda mais dramático, pois não socializa a renda. Ainda é preciso reconhecer que as experiências do socialismo real do Leste Europeu, e mais recente da China, deixaram rastros de impactos ambientais, o que evidencia que não basta mudar de sistema político é fundamental alterar o estilo de desenvolvimento e o modo de vida das pessoas. As coisas andam juntas, portanto, é mais complexo do que slogans e ideologias façam supor.

Em 1972, período em que o Brasil estava sob uma ditadura, o país participou da Conferência de Estocolmo em uma condição de defensiva, resistindo ao cumprimento de metas de redução da poluição, destoando das preocupações dos países europeus que já sentiam os impactos do modelo de desenvolvimento adotado. Para os representantes dos brasileiros, não era possível assumir compromissos sob a justificativa que o país tinha de progredir. Portanto, desmatar e poluir seriam inevitáveis. Para o governo da época, a poluição era até bem-vinda. Entretanto, algum tempo depois, o país viria a sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92, realizada no Rio de Janeiro – que neste ano completa 30 anos da sua realização – e extremamente importante para o Brasil se colocar no centro do debate ambiental mundial.

Passados cinco décadas Conferência de Estocolmo, que constitui em marco histórico, as preocupações continuam. E, hoje, há maior gravidade e mais urgência. A globalização não cumpriu a promessa de gerar mais oportunidades e diminuir as desigualdades. O mundo evoluiu em vários aspectos, mas está ainda mais desigual, com o meio ambiente sofrendo fortes impactos.

Em 1972, o planeta tinha alcançado 3,8 bilhões de habitantes. Em 2022 passamos dos 7,8 bilhões. O dobro da população, os mesmos problemas e desafios. A fome e miséria continuam, o mundo tem novos bilionários, o capitalismo se tornou hegemônico e os países que se definem como comunistas trilharam o mesmo caminho da insustentabilidade.

As Mudanças Climáticas estão em novo patamar de grandeza e de urgência. Embora com avanços em legislações, tecnologias e mesmo com a existência da consciência dos problemas, os riscos são maiores. Questões como água, biodiversidade, oceanos, produção de alimentos estão na ordem do dia e preocupam ainda mais.

Se há algo a comemorar, talvez seja saber que, na ordem internacional atual, o meio ambiente está posto como questão importante e passou a influenciar relações entre países, no comércio internacional e no debate sobre segurança global.

Mas o paradoxo é que, mesmo com mais informações e mais acordos internacionais e mais leis, estamos mais perto de viver catástrofes ambientais. Nestas cinco décadas, a humanidade teve a oportunidade de tomar novos rumos.  Ocorre que a força do modelo de desenvolvimento, baseado nas energias fósseis, na concentração de renda e riqueza e na busca de um padrão de vida impossível de ser universalizado sem explodir o planeta acabou pesando mais forte nas definições de governos e empresários.

Depois de 50 anos de Estocolmo, o mundo vive uma crise ambiental planetária sem precedentes. Em 1972, já havia elementos que indicavam os problemas climáticos. Ao longo dos anos, a ciência mostrou, sem deixar dúvidas, a real dimensão dos impactos e os riscos que a humanidade está correndo com as Mudanças Climáticas, das alterações ambientais se tornarem irreversíveis com impactos planetários difíceis de prever e dimensionar. Precisamos de ações. O perigo é muito maior, corre-se contra o tempo.

A pandemia da Covid-19 sacudiu o mundo em alerta para os riscos que os humanos estão sujeitos com a destruição da Floresta Amazônica e outros ecossistemas que abrigam milhares de organismos vivos, muitos deles com potencial de vir a causar doenças em humanos e em outras espécies. Novas pandemias virão e a relação dos humanos com o ambiente pode determinar o potencial do impacto nas populações. Meio ambiente, qualidade de vida e saúde andam muito próximos.

Infelizmente, nos últimos anos, na gestão Bolsonaro, o Brasil vive uma tragédia social e ambiental. Neste último, a relação de retrocessos é enorme: alteração na legislação, cortes no orçamento, liberação de agrotóxicos, sucateamento dos órgãos públicos, diminuição da participação social, aumento do desmatamento e queimadas etc.

Há, portanto, uma tarefa gigantesca de reconstruir o que foi aniquilado e desorganizado. É preciso, sem novos atrasos, reconstruir, recuperar o tempo perdido e estabelecer novos acordos e metas, agora mais ousados. E reconstruir as políticas de meio ambiente passa por derrotar o Bolsonaro e seu projeto de destruição.

Fica também o aprendizado histórico: para fazer preservação e conservação do meio ambiente é importante se ocupar da política. A saída é a política. Querer um futuro melhor do nosso país tem como centralidade apoiar quem assume compromissos com a proteção ambiental. E é, também, foco de esforços de mobilização para pressionar e fiscalizar os governos, tarefa da sociedade civil organizada, imprescindível nos sistemas democráticos.

No entanto, embora com gigantescos desafios e incertezas, temos o compromisso de construir a esperança e a utopia concreta de viver em um mundo melhor, com menos desigualdade social e ecologicamente sustentável. Trata-se de uma questão ética com as próximas gerações, que têm o direito de viver em segurança e aproveitar as belezas e recursos nesse planeta maravilhoso. Que Estocolmo de 1972 e o Rio de Janeiro de 1992 sejam capazes de nos animar coletivamente e nos impulsionar nossa ação. O futuro está em disputa.

Demilson Figueiró Fortes, Engenheiro agrônomo e ecologista

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