domingo, 24 novembro

 

CSSP encaminhará questionamentos sobre licenciamento ao MPE

A necessidade da realização de uma audiência pública no município de Taquari para discutir a instalação de um aterro sanitária na localidade de Linha Amoras foi um dos principais apontamentos de audiência pública virtual da Comissão de Segurança e Serviços Públicos (CSSP), que discutiu o tema na manhã desta segunda-feira (02/05). A proposição partiu do vice-presidente da CSSP, deputado Jeferson Fernandes (PT), que coordenou os trabalhos.

Moradores da localidade de Linha Amoras, na zona rural de Taquari, preocupam-se com o chorume, líquido tóxico gerado pela degradação dos resíduos orgânicos em aterros sanitários, que poderá contaminar a água, o solo e o ar, colocando em risco o ecossistema, o que afetaria a produção agrícola local, constituída de pequenas propriedades de agricultores familiares produtores de suínos, de mel orgânico, e pelo turismo rural.  Eles apresentaram uma série de questionamentos à Fepam sobre o processo de licenciamento para instalação do aterro.

Rodrigo Cambará, da Associação Comunitária Recanto da Folha destacou providências e questionamentos constantes de documento encaminhado à Fundação. Ele lembrou que, de acordo com a Política Nacional de Meio Ambiente, a área é considerada bioma Mata Atlântica, com legislação específica. Além disso, reportou que foram encontradas duas espécies raras de primatas na localidade, que abrange 150 hectares: bugio ruivo e macaco prego, ambos ameaçados de extinção. A descoberta, assim como a existência de corredores de biodiversidade entre as áreas de mata, não constaria no relatório ambiental feito por uma empresa de engenharia contratada pela Sustentare Saneamento. “Como foi feito este levantamento? Qual a amostragem utilizada? Quanto tempo? As pessoas tinham qualificação técnica para fazer levantamento de fauna?”, perguntou. Cambará questionou ainda a utilização de Relatório Ambiental Simplificado – RAS- ao invés de Estudo de Impacto Ambiental. E ressaltou que a realização de audiência pública com a comunidade é uma das exigências da legislação no que tange ao licenciamento. “O rito ficou prejudicado porque a audiência pública sobre o caso foi virtual e a população teve dificuldade de acesso”, contou.

Outra questão importante destacada é a necessidade, por legislação, de haver compensação em área de mata atlântica para repor área utilizada. “Existe a previsão da empresa adquirir outra área com estas características para doar ao município de Taquari?”, indagou. Também lembrou a descoberta de pinturas rupestres na localidade, o que tornaria a área como bem da União. “Como poderão licenciar área que é habitat de espécies ameaçadas, sem consulta ao Comitê de Bacias da Regional Taquari, sem consultar o Patrimônio Público quanto ao fato de ser sítio arqueológico?”, questionou Cambará, que solicitou a realização de um parecer independente, realizado por Universidade pública, para comparar com o RAS apresentado pela Sustentare.

O presidente da Associação Comunitária da Comunidade Júlio de Castilhos, em Taquari, Régis Eli Santos lembrou que, embora a empresa alegue que a discussão sobre a instalação do aterro acontece desde 2017 no município, apenas em janeiro de 2022 a população tomou conhecimento do caso. “Ficamos sabendo pelos vereadores que, no dia 27 de janeiro, haveria a audiência pública on-line. Ficamos estarrecidos porque de fato não sabíamos de nada e porque o local escolhido é totalmente impróprio para o aterro”, opinou. Ele entende que a realização de audiência on-line, com a justificativa da pandemia, inviabilizou a participação do público local. “Tivemos um megaevento em Taquari, recentemente, com milhares de pessoas. Não haveria por que não ter tido audiência presencial sobre o aterro. Não adianta fazer audiência on-line no interior”, criticou. Santos lembrou que, apesar disso, a comunidade está organizada. “Estamos mobilizados e articulados, dentro da legalidade e da constitucionalidade, mas não aceitaremos passivamente que se instale um aterro em Área de Proteção Permanente – APP- do município”, frisou ele, que arrematou: “Se não se pode nem instalar um açude numa APP, não vamos colocar um aterro regional em cima de uma”.

Alexandre Batista, também da Associação Comunitária Recanto da Folha, destacou que a instalação do aterro sanitário vai de encontro às formações de professores de escolas municipais que são promovidas na Linha das Amoras. “O que viemos propondo nas formações com a comunidade é sobre sustentabilidade, sobre o destino de resíduos sólidos, sobre proteção de nascentes,  etc. São famílias que dependem da água destas nascentes e desconhecem as leis. A Prefeitura não está dando espaço para essas pessoas se colocarem e decidirem junto sobre este empreendimento e seus danos”, reclamou.

Professor Doutor em Geologia da Unipampa, Marco Antônio Hansen, lembrou que já houve tentativa de implantação de um aterro sanitário na área da Linha das Amoras, mas que foi recusado. “Na época, a Fepam tomou a decisão correta. A fiscalização foi mais intensiva no que tange à legislação e às normas da própria Fundação”, rememorou. Ele alertou para o fato de o local estar sobre o Aquífero Guarani. “Muitos cursos de água não foram observados no RAS porque não empregaram a técnica de utilizar imagens de radar. Além disso, a declividade do terreno e os topos de morro também são APPs”, acrescentou.

Diretor da Fepam, Renato das Chagas e Silva argumentou que o procedimento da Fundação no pedido de licenciamento prévio da Sustentare é similar ao de demais empreendimentos no RS. “Não estamos fazendo nada de diferente dos demais pedidos”, assinalou. Ele explicou que a Fepam pode mudar a forma de licenciamento do RAS para o Estudo de Impacto Ambiental, se julgar necessário, e frisou que a entidade jamais licenciaria empreendimento em contrariedade com a legislação. “O prefeito de Taquari nos informou de que há uma lei que restringe este tipo de empreendimento no município. Se for real, se a comunidade de Taquari disser que não quer, não daremos prosseguimento”, garantiu, acrescentando que alguns dos questionamentos apresentados por Rodrigo Cambará já constam no processo de licenciamento. “Sobre o patrimônio histórico, já questionamos o IPHAN”, lembrou.

O vereador Aldo Gregory (PP) confirmou a existência de um projeto de lei municipal, o PL 5.550/22, aprovado em março passado, que proíbe a implementação de aterro sanitário e recebimento de resíduos em Taquari. “Só dependemos da sanção do prefeito”, salientou. Ele crê que o técnico da empresa Sustentare omitiu informações sobre as nascentes e lençóis freáticos da área e o risco de contaminação por Chorume. “Nunca ouvi dizer que um aterro sanitário não trouxe contaminação”, duvidou. Gregory reforçou a necessidade de proteger a qualidade da água e do ar em favor de  suinocultores, aviários, produtores de aves, de mel e até de uma creche localizada na Linha Amoras. “Onde há aterro, há ratos, abutres e outros animais. Temos turismo rural na área. Quem vai querer visitar uma região que tem um aterro sanitário?”, indagou o vereador.

Ana Maria Rosa, produtora de morangos, contou que ficou estarrecida quando soube do processo de instalação do aterro sanitário. Ela também recebe turistas na propriedade. “A gente, de todo coração, entrega um produto de qualidade para as nossas comunidades. Divulgamos a nossa terra tão próspera e produtora. Fomos até agressivos quando soubemos do aterro. Mas não somos assim”, lamentou.
O agricultor Léo Piovesan contou que, de uma terra devastada, em 20 anos, criou uma agrofloresta de 2 hectares, onde produz frutas, chás, plantas ornamentais e aromáticas, tendo sido convidado a receber turismo rural, em função da diversidade. “Fui surpreendido com a ideia do aterro. Minha área é próxima ao local”, assustou-se.

O produtor de mel, Augusto Faleiro, ressaltou que o município é produtor de madeira e, portanto, não tem muitas lavouras. Ele lembrou que mais de 50 famílias vivem, então, da apicultura no local, produzindo de 300 a 400 toneladas de mel por ano, para exportação. “É nossa renda familiar. Mel orgânico que vai para Santa Catarina. Não podemos pôr essa produção em risco”, frisou.

Por fim, o deputado Jeferson disse que, além da audiência presencial e virtual no local do empreendimento dentro do processo de licenciamento, vai encaminhar resumo do encontro de hoje para a promotoria pública local do Ministério Público Estadual – MPE, listando todos os pedidos de providência e para que todas as questões legais sejam respondidas. “Para que toda a comunidade possa participar das decisões sobre este caso e para que nenhuma norma ou legislação pertinente seja desconsiderada neste processo”, finalizou.

Texto: Andréa Farias – MTE 10967

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