O fim de mais um Hospital público

No dia 27 de abril, em leilão patrocinado pelo Ministério da Economia, o  Setor do Patrimônio da União (SPU) vendeu à empresa incorporadora e  construtora de imóveis Melnick, o terreno e a área construída do antigo  Hospital da Ulbra, como era conhecida a casa de saúde da rua Álvaro Alvim  do Bairro Rio Branco em Porto Alegre, pelo valor de 17,5 milhões de reais. 

O Hospital foi entregue à União no início do século em pagamento de dívidas  tributárias e previdenciárias e, em 2010, passou a abrigar serviços do Hospital  de Clínicas de Porto Alegre na área de pacientes de dependência química e  alcoolismo. Para tanto o Clínicas (orçamento público) investiu em reformas e  adequações em torno de 10 milhões de reais. 

Após uma década, em 2020, o prédio foi devolvido ao Patrimônio da União e  os serviços transferidos para as novas instalações do HCPA na Av. Protásio  Alves. 

Apesar da crise sanitária com a pandemia e a falta de hospitais e ambulatórios, nem governo federal, nem o Estado, nem o município demonstraram vontade  e compromisso em reativar o hospital para os necessários e requeridos espaços 

de atendimento à saúde. Nem na crise, nem agora quando os Conselhos de  Saúde do Estado e do município reivindicam espaços próprios para os  sequelados do Covid ou para o atendimento das enormes filas represadas pela  falta de policlínicas especializadas na capital e no Estado. 

Nas recentes audiências públicas realizadas na Câmara Municipal e junto ao  Ministério Público Federal para buscar saídas para o abandono do Hospital,  representantes destes Conselhos registraram estas carências e demandas  urgentes da comunidade gaúcha. 

Abandonado, o Hospital de rua Álvaro Alvim passou a viver o drama do  patrimônio público na visão privatista e liquidacionista dos serviços públicos  que sofre o país sob governos neoliberais. 

Abandonam-se os serviços, deterioram-se os espaços e bens públicos e aí se  justifica privatizá-los a qualquer preço em grandes negócios para os  especuladores. 

O caso do Hospital não foge à regra. Nos últimos meses o prédio foi sendo  invadido e depredado diuturnamente com o roubo de fiação, esquadrias, portas e peças de equipamentos que pudessem ser vendidas como sucata. Tudo com a

complacência da empresa paga para proteger o prédio e o descaso e falta de  fiscalização do Patrimônio da União. Mesmo assim, o prédio possui mais de  10 mil metros de área construída e há um ano atrás ali funcionava um hospital. Pelo valor do CUB atual, 10 mil metros de área construída custam em torno de 22 milhões de reais e o terreno do imóvel, com mais de 9,6 mil metros  quadrados, no bairro Rio Branco, onde o metro quadrado gira em torno de 6  mil reais, teria valor superior a 50 milhões. 

Então, qual o critério, qual a base de cálculo de um órgão público que falava  em 31 milhões de reais nas projeções iniciais da venda, que em março de 2022 realizou um leilão que resultou vazio, com valor básico de 23 milhões e agora  entrega o mesmo patrimônio público por 17,5 milhões? 

Em valores de mercado, repito, o terreno vale 50 milhões e a área construída  em torno de 22 milhões. A legalidade da venda apontada pela imprensa (ZH  28/04/22) é de que a lei n° 14011 permite via leilão diminuir o valor básico  em 25% caso resulte vazio o leilão anterior. Mas qual a base de cálculo? O  valor de mercado? O valor para efeito de pagamento de IPTU da Prefeitura? O valor no Registro de Imóveis? A avaliação especializada de um órgão público  fidedigno? 

Ora, no centro do bairro Rio Branco onde ocorre uma verdadeira febre  especulativa tudo indica que o terreno vendido será para isso e os 10 mil  metros de área construída, um hospital público que deveria estar prestando  serviços, urgentes e requeridos pela comunidade será demolido. O bairro,  como a vizinha Bela Vista que já densificou o máximo permitido pelo Plano  Diretor, sofre também essa densificação limite e a especulação sabe que conta  com governos sempre serviçais ao capital para abrir exceções através dos  chamados projetos especiais. 

Resta a esperança de que o Ministério Público Federal questione esta mágica  de vender terreno e área construída no valor de aproximadamente 70 milhões,  no mercado tão incensado pelos governos atuais, por 17,5 milhões, num leilão  com um único comprador e em uma cidade onde não há mais que dois ou três  concorrentes com potencialidade para esse tipo de negócio. 

Enquanto isso, o volúvel e incompetente ex-governador que abandonou o  cargo após entregar a CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica) por  100 mil reais, liquidar serviços públicos e instituições históricas como a  Corsan e o Instituto de Educação, não mexer um dedo para defender o  CEITEC (mais importante empresa de inovação tecnológica no Estado), 

manter o pior arrocho salarial sobre os funcionários públicos, reaparece na TV nos programas do PSDB para, hipocritamente dizer que é alternativa contra  extremismos (seu governo foi mais neoliberal que o governo federal) e que  sua preocupação é “com as pessoas, com a gente do Rio Grande”. Chega de  fakes, mentiras e farisaísmo. 

 Raul Pont – Professor e ex-Prefeito de Porto Alegre  Abril de 2022