Deputados querem regulamentação, demarcações de terras indígenas, reparação a quilombolas e acesso imediato dos moradores a serviços públicos básicos

Foto: Vanessa Vargas

A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos do Legislativo (CCDH) vai reforçar junto ao poder público as recomendações do relatório do Fórum Nacional de Reforma Urbana, que observou demandas e violações de direitos humanos em diversas ocupações na cidade de Porto Alegre e região metropolitana. A visita aos territórios integra ação coletiva articulada com a campanha Despejo Zero, intensificada no país a partir da pandemia da Covid 19. A audiência no parlamento, presidida pela deputada Sofia Cavedon (PT), ocorreu na manhã desta quarta-feira (27/04) e foi acompanhada pelo deputado Jeferson Fernandes (PT). Eles, juntamente com mais 7 parlamentares, subscrevem o PL 35/2022, que institui uma Política Estadual de Prevenção às Remoções e Despejos no Estado do RS, cuja aprovação constitui uma das principais reivindicações dos participantes da audiência.

Entre as principais necessidades observadas pelo Fórum, a falta de acesso dos moradores destes territórios a direitos básicos como à moradia, à água potável, à eletricidade, a programas de saúde e de educação públicas, ocasionados pela ausência de regularização habitacional. Por isso, a CCDH irá realizar audiências públicas presenciais para tratar de territórios específicos visitados pelo grupo, cobrar a regularização fundiária de quilombos, áreas em situação degradante e indígenas, buscar o cadastramento de famílias no Sistema Único de Saúde (SUS) e nos sistemas de Educação. De acordo com o representante do Fórum Nacional, Cristiano Muller, o objetivo da ação e das visitas é exatamente verificar essas más condições, documentá-las e cobrar providências das autoridades. “A gente quer tirar esses casos da invisibilidade e garantir justiça social e direitos humanos básicos para essas populações”, explicou.

Getúlio Vargas, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, ressaltou a importância da a suspensão de despejos e desocupações na pandemia até o dia 30 de junho próximo, a partir da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 828, do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso. No entanto, ressaltou a necessidade de ações concretas para impedir que o prazo se esgote sem uma solução perene. Ele citou a concordância do alto comissariado da ONU de que é necessário impedir que haja “pandemia de despejos depois da pandemia de Covid 19”. E lembrou que a Organização se colocou à disposição para receber denúncias de descumprimento da ADPF. “Mas não adianta termos solidariedade de fora se não tivermos aqui no país. Não adianta só prorrogar a ADPF. É preciso que tenhamos políticas públicas e ações mais consistentes por parte do poder público”, ressaltou.

Neste sentido, a deputada Sofia sugeriu que o Judiciário “crie o mesmo espaço que criamos aqui no RS e convoque o governo federal a responder sobre política habitacional popular”. Para ela, é preciso indicar áreas para a alocação das famílias. “Eles vivem levantando as áreas e os prédios que podem vender ou doar. Vamos chegar com uma lista de áreas públicas que podem ser ocupadas”, sustentou. Em um mês, defendeu a deputada, deve ocorrer uma nova audiência pública, desta vez com a participação de representantes do governo, que esteve ausente no encontro de hoje. ”Se há uma heroica resistência nas ocupações, há valorosas lideranças que hoje estiveram aqui, mas o governo mais uma vez se fez ausente”.

Raquel Ludemir, integrante da campanha Despejo Zero, lembrou que 170 organizações, entidades, coletivos e movimentos sociais integram a ação com a pauta dos despejos. Ela contou que uma das principais ações da campanha é produzir informações sobre o tema, para combater a invisibilização dos casos. “Não existem dados oficiais sobre isso. Nós é que recebemos denúncias semanais sobre o aumento vertiginoso do número de famílias em situação de conflito, que foram despejadas em plena emergência sanitária. Para além do número de mais de 500 mil pessoas ameaçadas por despejos e desocupações, importante entender o que ocorre nesses territórios e as demandas”, detalhou. Segundo ela, só no RS, mais de 20 mil famílias estão em situação de conflito fundiário. “São cerca de 80 mil pessoas. Despejo zero é o mínimo que precisamos pleitear, além de políticas públicas e regulamentação fundiária. É uma questão nacional”, decretou.

Maricléia Soares, do Fórum Nacional de Reforma Urbana lembrou que os territórios visitados pela ação são áreas públicas municipais, estaduais e privadas. “Geralmente, as piores áreas irregulares à margem das cidades, ameaçadas de despejo ou desocupação. As pessoas contaram que não têm acesso à cidade, ao transporte público, à energia, à água. Elas não conseguem tomar um banho. O acesso à água, bem universal, não é possível que seja negado”, inconformou-se. Ela acrescentou que há necessidade ainda de demarcação de terras em áreas indígenas e de reparação quanto aos territórios quilombolas, e com urgência. “A reparação deve ser feita aos quilombolas, precisamos que sejam demarcadas as terras e reconhecidos os integrantes”, reiterou.

Ceniriane Vargas da Silva, do Movimento de Luta pela Moradia, destacou que o problema da falta de moradia foi asseverado durante a pandemia e pelo contexto de crise do país, embora a campanha Despejo Zero seja anterior a 2020. “Ampliaram-se as ocupações, fruto da atual realidade de muitas famílias terem de escolher entre comprar o alimento ou pagar o aluguel”, ilustrou. Ela lamentou a ausência de programas públicos de moradia popular. “O Minha Casa, Minha Vida foi o programa que mais garantiu moradia às populações de baixa renda, em especial às mulheres. O governo federal vetou mais de 90% da destinação de recursos para moradia. Ou seja, habitação não é prioridade para o governo”, criticou. Ceniriane reforçou que a situação irregular habitacional impede o acesso da população mais pobre a direitos básicos e citou o exemplo do município de Santa Rosa, onde uma ocupação se estabeleceu durante a pandemia em área de propriedade do estado. “E o pior é que é o próprio estado quem está pedindo a reintegração de posse”, lamentou. Ela destacou ainda a apresentação do PL 35/2022 para suspender despejos no RS, embora lembre que o projeto sozinho não resolve o problema da falta de moradias. “O que resolve é regularização fundiária e políticas públicas”, frisou.

Júlio Alt, representando o Conselho Estadual dos Direitos Humanos, lembrou que a Assembleia Legislativa dispunha de uma Comissão Especial para tratar da Regularização Fundiária e Moradia, e que o Conselho tem uma Comissão temática sobre Terra e Território. Ele disse que recebe denúncias de reintegrações de posses e despejos administrativos apesar da decisão do STF. “Temos de ajudar no monitoramento dessas ações”, defendeu. Também reforçou a relevância de ações concretas do Legislativo, como a aprovação do PL 35, e de outras instituições. “Basta força de vontade política”, decretou.

Eduardo Osório, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto concorda com a necessidade de ações paralelas à aprovação do PL 35. Ele solicitou que a CCDH faça um acompanhamento mais efetivo do acesso dos moradores de ocupações e territórios ameaçados aos serviços públicos. “É importante que a gente vá ao cerne da questão e paute o debate do acesso à terra: entender por que há falta de vontade política e o que leva a isso. Como a exploração imobiliária vence o processo.”, disparou.

Sobre o tema da exploração imobiliária, o deputado Jeferson relatou que ele e a família viram uma maquete de um bairro fechado da capital num Centro Comercial de POA. “Um cidadão que estava ao lado disse que estavam ali para fazer negócios. Nós de pronto dissemos que não era para nosso padrão. Por curiosidade, perguntei o valor: R$12 milhões por um apartamento no condomínio fechado. E o vendedor mostrou outro de 500 metros quadrados que valeria R$4 milhões. Uma piada de mau gosto! Um deboche, enquanto temos milhares de pessoas em situação de miserabilidade, sendo expulsos porque não pagaram aluguel em dia”, criticou.

Para o deputado, é preciso aproveitar que a Presidência da Assembleia Legislativa está buscando algumas ações, mesmo que paliativas, para garantir que cestas básicas sejam direcionadas para quem está em situação de ocupação, assim como o foco para as comunidades indígenas que estão em situação precária no RS. O PL, conforme o parlamentar, está tramitando, mas a maioria da Assembleia não tem esse olhar. “Quero reforçar que esse não é um caso somente do Judiciário, mas de política pública. Focando em imóveis do estado, vai fazer seis anos da desocupação do Prédio Lanceiros Negros e nada aconteceu. O Zaffari fez permuta com o Estado de uma área em troca de fazer um presídio fora do Central, mas fez só puxadinhos exatamente na área do Presídio Central”, denunciou.

Jeferson lembrou ainda que o Instituto de Previdência do Estado possui imóveis que valem mais de 300 milhões e que o governo está vendendo a seu bel prazer. “O parlamento hoje é fantoche”, disse. Segundo ele, o setor imobiliário vem fazendo negócios com o estado e os “parlamentares não têm legalmente como impedir, por conta de projeto aprovado na Alergs. Mas os órgãos de controle podem cobrar a finalidade social desses imóveis”, disse. “No interior, em Santa Rosa, está tendo ocupações em massa porque as pessoas não têm condições de pagar aluguel. Movimentos que são liderados por mulheres. E os governos locais trabalham para expulsar as famílias! Por isso é importante a Ouvidoria Pública, que está aqui para saber que essa situação calamitosa também se expressa no interior do RS.”, lembrou.

Pela Defensoria Pública do RS, Caroline Rosa destacou a necessidade de ações concretas para sanar as situações precárias observadas nos territórios visitados pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana. Ela contou que moradores dessas ocupações não compreendem por que há água jorrando nos chafarizes públicos e não há acesso à água nesses territórios. “Também sobre a iluminação, há luz na quadra em frente à ocupação, mas não na ocupação”, observou. A defensora entende que o Estado de Coisas Inconstitucional no que tange à violação de direitos observada no sistema carcerário em 2015 é similar ao que ocorre hoje nas ocupações. “São situações precárias em que os indivíduos ficam sem saúde, alimentação, transporte público,  etc, tudo por não ter moradia. Vamos agir como instrumento de potencialização e de equalização das vozes dessas pessoas para fazer com que as coisas aconteçam”, concluiu.

Texto: Andréa Farias (MTE 10967)