Realizar audiências públicas presenciais para tratar da barragem da Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, e sobre áreas no entorno dos estádios do Internacional e do Grêmio e sobre as Áreas Especiais de Interesse Social, cobrar a regularização fundiária de quilombos, áreas em situação degradante e territórios indígenas, cadastrar as famílias no Sistema Único de Saúde (SUS) e de Educação. Estes foram os encaminhamentos da Audiência Pública realizada pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos na manhã desta quarta-feira (27) para tratar dos despejos e conflitos fundiários no Estado. Proposta pelos deputados Jeferson Fernandes (PT) e Sofia Cavedon (PT), a reunião reuniu entidades ligadas à luta pelos direitos à moradia digna.
A deputada Sofia Cavedon defendeu que o governo federal poderia ser convocado pelo Estado para responder sobre as políticas públicas para a habitação. Para Sofia, é preciso indicar áreas para a alocação das famílias. “Eles vivem levantando as áreas e os prédios que podem vender ou doar. Vamos chegar com uma lista de áreas públicas que podem ser ocupadas”, sustentou. Em um mês, defendeu a deputada, deve ocorrer uma nova audiência pública, dessa vez com a participação de representantes do governo que esteve ausente no encontro de hoje. ”Se há uma heroica resistência nas ocupações, são as valorosas lideranças que hoje estiveram aqui, mas o governo mais uma vez se fez ausente”.
O deputado Jeferson Fernandes destacou a coragem das famílias que resistem no movimento de ocupações. Relatou que ele e a família observaram uma maquete de um bairro fechado da capital. “Um cidadão que estava ao lado disse que estavam ali para fazer negócios. Nós de pronto dissemos que não era para nosso padrão. Por curiosidade, perguntei o valor: R$ 12 milhões por um apartamento no condomínio fechado. E o vendedor mostrou outro de 500 metros quadrados que valeria R$ 4 milhões. Uma piada de mau gosto. Um deboche enquanto temos milhares de pessoas em situação de miserabilidade, sendo expulsos porque não pagaram aluguel em dia”, disparou.
Para o deputado, é preciso aproveitar que a Presidência da Assembleia Legislativa está buscando algumas ações, mesmo que paliativas, para garantir que as cestas básicas sejam direcionadas para quem está em situação de ocupação, assim como o foco para as comunidades indígenas que estão em situação precária no RS. O PL, conforme o parlamentar, está tramitando, mas a maioria da Assembleia não tem esse olhar. “Quero reforçar que esse não é um caso somente do Judiciário, mas de política pública. Focando em imóveis do estado, vai fazer sei anos da desocupação do Prédio Lanceiros Negros e nada aconteceu. O Zaffari fez permuta com o Estado de uma área em troca em troca de puxadinhos que construiu no Presídio Central”, sentenciou.
Jeferson lembrou ainda que o Instituto de Previdência do Estado possui imóveis que valem mais de milhões e que o governo está vendendo a seu bel prazer. “O parlamento hoje é fantoche”, disse. Segundo o deputado, o setor imobiliário vem fazendo negócios com o estado e os parlamentares não têm legalmente como impedir, mas os órgãos de controle podem cobrar a finalidade social desses imóveis, disse. “No interior de onde eu venho, Santa Rosa, está tendo ocupações em massa porque as pessoas não têm condições de pagar aluguel. Movimentos que são liderados por mulheres. E os governos locais trabalham para expulsar as famílias! Por isso é importante a Ouvidoria Publica que está aqui para saber que essa situação calamitosa também se expressa no interior do RS.
O que disseram os representantes das entidades:
Cristiano Muller (Centro de Direitos Econômicos e Sociais) – A cidade de Porto Alegre para nós foi elencada como prioridade para essa missão, uma atividade que visa fazer visitas, escutar, fazer depoimentos, coletar impressões e cobrar providências das autoridades. Da atividade, a gente produz um relatório e busca dar visibilidade aos casos invisíveis, pois queremos torna-los públicos e garantir justiça social às comunidades visitadas. Com essa audiência estamos dando prosseguimento para conseguir encaminhamentos.
Raquel Ludemir (Campanha Despejo Zero) – Disse que a pauta é básica. Explicou que recebem denúncias do país inteiro. Reúnem informações sobre famílias em conflito, ameaçadas. “Com a pandemia, falavam em ‘fique em casa’, mas muitas famílias eram despejadas. Ano passado fomos para o Amazonas e Ceará e neste ano começamos uma missão no RS”. Segundo ela, são mais de meio milhão de brasileiros ameaçados neste momento. “Visitamos 13 territórios. Famílias que estavam acomodadas hoje estão de novo ameaçadas de despejo e sem expectativa”. Falou do exemplo positivo de São Leopoldo. A gente conclui que apesar de todos os estudos de viabilidade e de todo estudo, não há solução. Então isso é só uma mostra muito pequena do que é Porto Alegre e o Brasil. É uma bomba relógio e precisamos pleitear políticas habitacionais e de regularização fundiária. Estamos aqui para dar visibilidade nacional. Temos rodado o Brasil e as instalações precárias. Estamos atentos e vamos contribuir.
Getúlio Vargas (Conselho Nacional de Direitos Humanos) – Segunda e terça-feira foram dois dias de muitas visitas e hoje um dia de muitas reuniões, começando aqui com essa Audiência. Esse PL é muito importante até porque ele joga peso sobre a questão dos prazos de despejos. “A gente ganhou esse prazo, até 30 de junho, e é um período de mobilização e pressão para que a gente possa resolver e ter algo mais permanente em relação aos despejos”, observou. O conselho nacional está focado nessa pauta. Esperamos que essa missão resulte em uma recomendação positiva neste sentido. Visitamos Campo Bom, São Leopoldo e regiões de Porto Alegre como o 4ª distrito, divisa com Viamão, Quilombo Lemos, na 2 de junho, Povo Sem Medo e na Império. Em cada uma dessas não tinha apenas mais uma comunidade, mas várias comunidades com situações muito semelhantes e nelas tem violações graves, desde não ter direito à moradia, como não ter água e saneamento, as pessoas estarem excluídas de programas sociais. Uma violação ocasionou diversas outras violações. Essas pessoas estão invisibilidades, muitas dessas comunidades estão duplamente excluídas. Não podemos ter uma pandemia de despejos depois da pandemia de Covid-19. O relator da ONU está à disposição para receber nossos relatórios e atuar em nosso favor, mas não adianta ter esse apoio de fora e não ter aqui dentro de casa. Precisamos da prorrogação desses despejos. Precisamos de iniciativa que nos permitam prorrogar esse prazo, mas só prorrogar prazo é enjugar gelo, precisamos de políticas públicas.
Raquel Ludimir (Campanha Despejo Zero) – Afirmou que as ocupações antigas cresceram à medida em que as novas representam a realidade de pessoas que tem que escolher entre comer ou pagar o aluguel. Minha casa minha vida foi o programa que mais garantiu moradia e subsídios para as pessoas de baixa renta. Enquanto que na pandemia o governo federal no ano passado vetou mais de 90% dos recursos. Vivemos um governo que não prioriza as polçi8ticas habitacionais e os direitos básicos ao saneamento a poder tomar um banho. Nos que construímos a luta sabemos que o despejo não resolve o problema da moradia. Porto Alegre, no 4º distrito, sabemos de um plano de revitalização de outro projeto. De novo a origem do problema é a projeção da cidade. Onde há muitas reintegrações de posse.
Maricleia Soares (Fórum Nacional de Reforma Urbana) – essa visita em POA é extremamente importante, passamos dois dias visitando áreas públicas municipais, privadas. Várias dessas áreas estão ameaçadas de despejos, as pessoas que estão ali. Várias falas de pessoas nestes lugares pedindo um banho, algo básico. Pedindo escola, ônibus. O serviço público não quer atender as pessoas que estão nestas áreas. São direitos humanos básicos. Estivemos numa área indígena e há necessidade de demarcação de terra indígenas urgente, é a reparação que tem que ser feita aos quilombos. Precisamos que esses quilombos sejam demarcados, reconhecidos e na cidade de Porto Alegre isso está bem visível. Temos que fazer a defesa da reforma urbana já, dos indígenas já e dos quilombolas, além do acesso aos serviços que é urgente e básico.
Eduardo Osório (Movimento dos Trabalhadores Sem teto –MTST): Afirmou que essa missão resultou em três vitórias no STF, com a prorrogação de medida contra os despejos. Mas o que temos visto é que grande parte das ocupações estão aguardado decisão judicial. Não temos perspectiva alguém de conquista. Estamos falando de evitar de epidemia de despejos. Além de estar com a espada sobre a cabeça e a patrola na porta da porta, não temos acesso a serviços básicos como água, saneamento e atendimento em saúde e educação. É empurrado de CRAS para CRAS e de UBS para UBS. Para construir a casa é preciso o acesso à terra. Os municípios e o Estado tinham oportunidade de resolver, mas não aproveitaram. Há áreas que o município esqueceu. Em Porto alegre surgiu uma opção com o último espaço livre, disse ele. Queremos entender por que da falta de vontade política. Precisamos resolver o problema da judicialização.
Maria Aparecida Castilhos Luge (Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB) – Disse que uma barragem em porto alegre atingirá todos os ribeirinhos do Rio Ipiranga e a luta é pelos direitos dos moradores. Há alguns sendo violados. Há pessoas que querem ir para lá, outras não querem. Também há problema do contrato e é preciso ver direito, pois as pessoas estão saindo. Onde estão foi o que restou. Falta saneamento básico. A reivindicação é pelos direitos. Fornecimento de vale gás, tarifa social e garantia de apartamentos, pois as pessoas não tem renda. Vivem de reciclagem, bicos. Se chegarem a 100 reais é muito. Por isso precisamos de cestas básicas e empregos para que possam se adaptar a essas novas áreas. E queremos que seja cumprido o plano de manutenção. O MAB está na luta pelos direitos dos atingidos. É ´preciso dinheiro para o financiamento, para a água e a luz e por isso caminham para a justiça social.
Júlio Audi (Conselho Estadual dos Direitos Humanos) – Lembra da comissão de regularização fundiária e moradia na AL, que permitiu debate mais profundo com. O CEDH tem um a comissão temática de terra e território está preocupado com a situação do RS, apesar de o STF ter decidido que remoções não poderiam ocorrer, ainda assim, recebemos diversas denúncias e ameaças de despejos e reintegração de posse. Um alerta para a AL e autoridades para o cumprimento da decisão do STF. A iniciativa do PL 35/2022, fruto da campanha despejo zero, foi momento importante dos movimentos que colocaram a situação que estamos vivenciando. Vou entregar a recomendação do CEDH que trata sobre isso: o importante é o que está disposto no PL: política estadual de prevenção à remoção de despejos, algo muito importante nesse momento de vulnerabilidade social que estamos vivendo. As visitas in loco permitiram ver as situações diversas no RS, RMPA e em POA, uma coleta de dados primários onde as violações estão expostas. Situação que não nos orgulha como gaúchos. Precisamos pensar como aprimorar o saneamento, serviços públicos básicos e moradia adequada que estão em leis e precisamos da atenção da AL e instituições. A visita demonstra a situação. O desenho exposto ADPF 828 proposta pelo PSOL e MTST que prorrogou toda e qualquer decisão no Brasil: preciso portanto estabelecer regime de transição a fim de evitar a reintegração de posse num mesmo momento e crie uma situação de crise humanitária no país. O próprio ministro com base em toda a manifestação social organizado, ouvindo CNDH, levanta o cenário que estamos falando aqui: é preciso não somente o judiciário se preocupar com isso, mas implementar políticas públicas, como o PL apresentado na AL, mas também por instituições judiciárias e governamentais. Basta ter vontade política e a gente se preocupar com a situação precária, agravada pela situação da pandemia. Atuar no sentido de suas prerrogativas e funções
Jurema Alves (Frente Nacional de Luta) – Muitas populações que são invisibilizadas pelo poder público. É inadmissível a gente ter o entendimento de que falta vontade do poder público. É direito à vida, à garantia dos direitos sociais, o gozo desses direitos é um direito dessas pessoas. As populações pobres das periferias sobrevivem sem os recursos, estamos vendo o aumento da população de rua, o aumento e o agravo de crianças nas sinaleiras e em trabalho infantil. Sabemos que os equipamentos de políticas sociais não contam com equipes suficientes para atender as demandas. Qual o real sentido disso? Sabemos que as unidades de saúde não contam com equipe que possam dar atendimento às populações de preferias e que estão vivendo em ocupações. É assustador ver, hoje, o número de crianças sem vagas para escola infantil em POA. As pessoas sobrevivem em situação de extrema vulnerabilidade porque o estado viola os direitos das pessoas. Tivemos um grande avanço em prorrogar os despejos. Sabemos que o despejo em massa é criminoso contra a vida das pessoas. O estado tem o dever de garantir que a pessoas tenham o direito ao não ter suas vidas abandonadas. Os municípios e o estado não têm condições de garantir aluguel social. O que resta para elas é viver nas ruas das grandes cidades e nas periferias. O despejo em massa vai aumentar essa grave situação. É imprescindível que movimentos, parlamentares, governos federal, instituições garantam que o despejo em massa não ocorra, pois isso será um ato criminoso. São milhares de famílias vivendo em situação precária. Ontem visitamos comunidades indígenas e escutamos caciques sobre o tempo que aguardam para regularização de suas terras e da situação precária que vivem em suas comunidades enquanto aguardam a regularização. Estamos vislumbrando um desastre se os despejos em massa forem efetivadas. Esperamos providencias urgentes das autoridades.
Texto: Claiton Stumpf (MTB 9747) e Denise Mantovani (MTB 7548)