CCDH discute avanço do feminicídio no RS e fragilidades na rede de proteção estadual

Foto Celso Bender/ALRS

A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa do RS ouviu hoje (20) a delegada responsável pela Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher, Cristiane Machado Pires Ramos, para exposição das estratégias de enfrentamento ao feminicídio no Rio Grande do Sul. O leve recuo dos assassinatos de gênero no estado em 2021 foi superado nos três primeiros meses deste ano com o registro de 27 feminicídios, uma alta de 35% comparado com as 20 vítimas desse mesmo período no ano passado. O alarmante avanço do feminicídio preocupa as autoridades policiais, que buscam meios para conter os crimes, e a CCDH, que aborda o tema em audiências públicas constantes, reclama do enxugamento de verbas no orçamento do estado para assegurar eficiência na rede de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica.

As deputadas Sofia Cavedon (PT), que é vice-presidente da CCDH, e Luciana Genro (PSOL), juntamente com a ex-secretária de Política para as Mulheres, Ariane Leitão, que conduz força tarefa na Assembleia sobre o tema, debateram com a responsável pela Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher, delegada Cristiane Machado Pires Ramos, também titular da 1ª Delegacia de Polícia Especializada no Atendimento à Mulher.

Com 23 Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher, as DEAMs, em funcionamento no RS e 51 Salas das Margaridas, espaços de acolhimento às vítimas da violência doméstica e de gênero, a Polícia Civil busca avançar nas ações de enfrentamento aos alarmantes números dessa prática criminosa contra as mulheres no estado. “Quando falamos em ferramentas de enfrentamento à violência contra a mulher, não adianta pensar só em segurança pública”, afirmou a delegada Cristiane Machado, ao mostrar a estratégia de alcançar as mulheres que sofrem em silêncio as agressões psicológicas e físicas, sem saber que estão sendo vítimas de violência. O trabalho das policiais civis e das militares, nas Patrulhas Maria da Penha, contemplam os casos registrados e as medidas protetivas, mas o problema é que a maioria das vítimas de feminicídio não chegou nem perto dos sistemas de proteção à mulher. “Conforme os mapas dessa violência, a mulher que é vítima do crime fatal do feminicídio não pediu ajuda, não quebrou o silêncio, e é esse o grande desafio no enfrentamento da violência doméstica”, afirmou a delegada.

A polícia trabalha para identificar os ciclos internos dessa violência, que é permeada pelas agressões psicológicas e físicas, disfarçadas em reconciliações mas mantendo o padrão de abuso e sempre com a mulher em silêncio, “nunca começa pelo feminicídio”, explicou. Fragilizada e vulnerável, na maioria das vezes dependente financeira do parceiro masculino, a mulher não percebe a gravidade dessa violência, continuou Cristiane. Esses ciclos duram dez anos, que é a média de tempo para a mulher quebrar o silêncio, mas a maioria das vítimas marcha em silêncio para a morte, “de cada dez vítimas, nove não tinham medida protetiva, mais de 80% delas nunca registraram boletim de ocorrência contra o agressor”, revelou.

O desafio é alcançar essas mulheres, para que reconheçam e confiem nos serviços públicos disponíveis para acolhimento, registrem ocorrência, obtenham a medida protetiva e permaneçam sob proteção do estado, conforme determina a Lei Maria da Penha. Em Porto Alegre, a DEAM disponibiliza assistente social e cuidados de saúde mental, mas essa não é a realidade na maioria dos 496 municípios gaúchos. Uma das fragilidades é a falta de abrigos especiais para acolhimento das mulheres e seus filhos, quando deixam as residências, muitas vezes sem documentos e sem recursos, em busca de salvação de suas vidas ameaçadas pelo marido, namorado ou parceiro. Mesmo na Capital, é comum as mulheres permanecerem horas sentadas nas escadarias do Palácio da Polícia, com as crianças, aguardando abrigo. As policiais, muitas vezes, fazem vaquinha para oferecer alimentos e acessórios de higiene essenciais às vítimas.

Nos Comitês de Enfrentamento, o programa Acolhe, com o Instituto Avon, está oferecendo vagas de acolhimento em hotéis em Porto Alegre e outros municípios, para permanência de 15 dias com os filhos, com alimentação. Mas é espaço vulnerável, uma vez que os casos de ideação suicida ou mesmo ameaça de morte não estão previstos nos requisitos para ingresso nesses locais, explicou a delegada. O comitê também atua no monitoramento dos agressores, que passarão a usar tornozeleira eletrônica para permitir a identificação de proximidade das vítimas que, de sua parte, poderão acionar os órgãos de segurança.

A deputada Luciana Genro apontou a situação como endêmica e discorreu sobre a necessidade da educação antimachista como ferramenta para quebrar esses ciclos de violência praticados contra as mulheres com a ideia de que são “propriedade” dos homens.

Sofia Cavedon, que é a Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa, anunciou que o Tribunal de Justiça vai promover em maio uma articulação de todos os órgãos institucionais para retomar ações efetivas para conter essa violência. Ela tem percorrido diversos municípios e constatou a fragilidade da rede de proteção, como em Canoas, onde jovem foi assassinada mesmo com medida protetiva. Mesmo com o anúncio de R$ 18 milhões no orçamento, a delegacia local não dispõe de recursos nem mesmo para fazer panfleto sobre feminicídio, situação que revela o descaso do atual governo com a questão das mulheres. O Centro de Atendimento de Referência Estadual, alojado no CAF, é exemplo desse descaso, afirmou Cavedon, que na próxima semana vai até o local. Anunciou cartilhas sobre assédio no trabalho e os crimes virtuais, qualificados em lei.

A ex-secretária de Políticas para as Mulheres, Ariane Leitão, lamentou a ausência orçamentária no atual governo, situação que fragilizou e desarticulou as redes públicas de proteção às mulheres. E contribuiu para sobrecarregar as policiais civis e militares que atuam nessa área. Disse que o RS não cumpre a lei pela ausência de orçamento, situação que se agrava nos municípios. Reclamou que o Conselho Estadual da Mulher não funciona e o Centro de Atendimento de Referência foi direcionado para o CAF, em local inapropriado. Nos relatórios da Força Tarefa que coordena pela Assembleia, Leitão identificou a ausência de abrigamento como o principal elemento da deficiência da rede de proteção. “A ausência da abrigamento é o passaporte para a morte”, disse a ativista social, que identifica nesta situação o fato de as mulheres não procurarem as delegacias para registrar as ocorrências.

Registraram presença na reunião desta quarta-feira (20) o deputado Paparico Bacchi (PL), presidente, e a deputada Sofia Cavedon (PT), vice-presidente; as deputadas Luciana Genro (PSOL), Any Ortiz (Cidadania), e Patrícia Alba (MDB); e deputados Airton Lima (Podemos), Sergio Peres (Republicanos), Rodrigo Maroni (PSDB), Jeferson Fernandes (PT), e Issur Koch (PP).

Fonte: Agência de Notícias ALRS