Inconformadas com o viés capacitista do PL 293/2021, do Executivo, que institui a Lei Gaúcha da Acessibilidade e Inclusão da Pessoa com Deficiência, as entidades de representação das pessoas com deficiência estiveram hoje (4) em nova audiência pública, desta vez na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, para modificar o texto que tramita na Assembleia. A ideia é que o governo apresente um substitutivo ao PL 293/2021 contendo a íntegra do projeto de lei construído pelas entidades em 2018. Na semana passada, a Comissão de Assuntos Municipais debateu o tema.
Requerida pela deputada Sofia Cavedon (PT), a audiência pública da CCDH reuniu em formato híbrido as entidades, em especial das pessoas com deficiência visual, que manifestaram indignação tanto com a eliminação de 36 artigos dos 198 previstos no PL 193/2018 e apresentados em novo formato pelo Executivo no PL 293/2021, quanto com a ausência de representação do governo estadual na discussão. Nem mesmo a FADERGS, órgão governamental de acessibilidade e inclusão, se fez representar na audiência.
Os encaminhamentos deliberaram pelo resgate do PL 193/2018, arquivado na Assembleia em virtude do final da legislatura passada, em forma de substitutivo ao PL 293/2021, conforme explicou Nelson Kalil, do Conselho Estadual das Pessoas com Deficiência. “Para que o governo entenda que se trata de “nada sobre nós, sem nós” (lema instituído pela Convenção da ONU em 2006 para a inclusão das pessoas com deficiência)”, que também sugeriu uma audiência com o governador Ranolfo Vieira Júnior e a representação das pessoas com deficiência para avaliar a posição da atual equipe de governo do Piratini. Já Patrícia Lisboa, que preside o COEPEDE, ponderou pela unidade das duas comissões da Assembleia em favor do PL 193/2018, uma vez que a Comissão de Assuntos Municipais aguarda até a próxima semana novo posicionamento da Casa Civil a respeito do projeto do Executivo que tramita na Assembleia que, caso não seja apreciado e votado até o final do ano, também será arquivado.
O PL 293/2021 tramita na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia e o relator é o deputado Luiz Fernando Mainardi (PT), que ainda não emitiu seu parecer. A partir de agora, com a solicitação do COEPEDE e das demais entidades, o deputado deverá avaliar a apresentação de substitutivo conforme o encaminhamento da audiência.
Foi a partir da aprovação da lei federal 13.146, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que as entidades se mobilizaram para a construção do PL 193/2018, para atualizar a legislação estadual, a lei 13.320, de 2009. Mesmo com a participação da Casa Civil do governo Sartori, além de expressiva representação da sociedade civil, da PGE, MP e Defensoria Pública, o projeto foi protocolado um ano antes do final da legislatura e não foi apreciado, tendo sido arquivado. O governador Eduardo Leite, ao assumir, garantiu o reenvio da matéria ao legislativo, o que foi feito com alterações que desfiguraram a ideia de protagonismo das pessoas com deficiência.
De início, Nelson Kalil informou que o projeto foi elaborado para garantir a inclusão das pessoas com deficiência no RS, ação que mobilizou durante três anos os diversos entes institucionais que participaram dessa construção. Ao assumir, Leite garantiu na Semana da Pessoa com Deficiência, que enviaria o projeto para a Assembleia “sem retoque”, mas não foi isso que aconteceu. “Temos esta colcha de retalhos que retira muitos dos nossos direitos e faz a lei gaúcha menor que a lei brasileira”, lamentou Kalil, que é cadeirante, “a lei vai tirar direitos ao invés de garantir direitos”.
A presidente do COEPEDE, Patrícia Lisboa, defendeu “pressão social” em favor do PL 192/2018, e não estranhou o movimento do governo contra a matéria original. A expectativa é saber qual a orientação do novo governador a respeito do assunto.
Logo em seguida manifestou-se Adilson Colasolli, que é deficiente visual e participou da elaboração da proposta em 2018. A ideia foi atualizar a lei 13.320/2009, cuja orientação é assistencialista, “buscamos o protagonismo dessas pessoas em todos os espaços, não do ponto de vista de proteção e assistência”, com o intuito de definir um novo marco legal da pessoa com deficiência no RS. Assim surgiu a Lei Gaúcha de Acessibilidade e Inclusão, a LEGAI.
Ele explicou que a Lei Brasileira da Inclusão, de 2015, não reflete a realidade vivida pelas pessoas com deficiência pois trata da proteção, do assistencialismo e não do protagonismo, “para que a pessoa com deficiência ocupe espaço no trabalho, na educação, no esporte, em todas as áreas da sociedade”. O PL 193/2018 foi apresentado inicialmente com 204 artigos mas protocolado em 2018 com 198 artigos. A busca é por uma política de estado para as pessoas com deficiência, permanente e sem ingerência das alternações nos governos, explicou. O PL 293/2021, ao contrário, suprimiu 35 artigos da proposta original. Na crítica ao projeto, ele observou que “estamos retrocedendo, é um projeto do governo e retroceder em direitos”.
Protagonismo
Na mesma linha foi a abordagem do vereador de Mostardas e relator da lei 193/2018, Jorge Amaro, também deficiente visual, que resgatou o protagonismo do RS na legislação de inclusão das pessoas com deficiência desde 1973, quando foi criado o primeiro órgão gestor de política de pessoa com deficiência no país, a FAERS. Em 1999, através de decreto, veio a política estadual para os direitos das pessoas com deficiência, e em 2009, na lei 13.320, que consolidou 49 leis relativas a esse grupo da população. Em 2006, a Convenção da ONU instituiu os direitos das pessoas com deficiência e em 2015 foi aprovada a lei brasileira de inclusão das pessoas com deficiência. “Em tudo isso, o que tem de significativo é o protagonismo”, que orientou a elaboração da LEGAI, “estamos regulamentando o controle social de forma assertiva nesta lei”.
A audiodescrição estava regulamentada na lei, assim como a política estadual do paradesporto, as Centrais de Libras, as questões de gênero, interseccionalidades, a acessibilidade no transporte. Estes itens foram retirados porque “gera ônus ao sistema”, conforme alegou o governo, quesito que Amaro refuta, “a grande maioria do que foi retirado (do projeto original) sempre colocou na pessoa com deficiência a responsabilidade pelo ônus à sociedade”, avaliação que se aplica também à comunicação do resultado de concursos públicos com recursos compatíveis ao candidato, também eliminado, assim como a política estadual do paradesporto e o direito ao meio ambiente, que trata da acessibilidade e coloca as pessoas com deficiência na agenda da sustentabilidade ambiental. Também o cadastro permanente de pessoas com deficiência no serviço público foi eliminado. “Todos estes capítulos foram retirados do projeto original”, lamentou. “Isso é capacitismo, preconceito contra a pessoa com deficiência quando coloca nela a responsabilidade das barreiras que a sociedade impõe sobre a sua condição de vida, é disso que estamos falando”.
O Defensor Público Ricardo Girardello, da comissão permanente de inclusão da Defensoria e dirigente do núcleo da pessoa com deficiência da DP, que é portador de distrofia muscular e por isso cadeirante, disse que o órgão adotou o cadastro interno das pessoas com deficiência, servidores e membros da DP. Elogiou o texto do PL 193/2018 e disse que é preciso conscientizar os órgãos públicos de que “as pessoas com deficiência contribuem para a diversidade humana, para a evolução dos direitos humanos e não podem ser vistas como alguém que atrapalha o sistema, mas como alguém que contribui e precisa de espaço para participar nessa diversidade”.
Seguiram-se outras manifestações, da Federação Riograndense de Entidades de Para Cegos; da Sociedade de Surdos do RS e setorial das pessoas com deficiência do Partidos dos Trabalhadores.
O debate continua
A deputada Sofia Cavedon (PT) considerou “inaceitável” desrespeitar a dinâmica da construção da proposta das entidades das pessoas com deficiência em alinhamento com a sociedade civil organizada. Ponderou que alguns artigos do projeto original foram atualizados no PL 293, mas defendeu a retomada do texto original produzido pelas entidades. Sem Central de Libras na Assembleia, a deputada contratou com verba do seu gabinete parlamentar as duas tradutoras. A necessidade de intérprete de Libras para o pleno acesso da comunidade surda aos serviços públicos e a acessibilidade em geral, bem como a criação dos Centro de Intérpretes de Libras esteve em debate na CCDH em 2012, por solicitação da deputada.
Fonte: Agência de Notícias ALRS