Em tempos de crise e estiagem, Romaria da Terra foca na agricultura familiar como esperança para o campo

A 44ª edição do evento, que aconteceu no Vale do Taquari, também destacou a produção de alimentos saudáveis como alternativa a problemas sociais e ambientais

Depois de dois anos sem ser realizada de forma presencial devido à pandemia, a Romaria da Terra do Rio Grande do Sul teve sua retomada marcada, nesta terça-feira (1º), por momentos de reencontros, devoção e esperança. O evento, que tradicionalmente ocorre no feriado de Carnaval, aconteceu em Ilópolis, no Vale do Taquari, reunindo cerca de 1.600 pessoas de todas as regiões do estado. Além da demonstração de fé, a defesa da agricultura familiar e da produção de alimentos saudáveis esteve em evidência nesta 44ª edição.

A Romaria deste ano não teve a tradicional procissão por causa da chuva. A celebração eucarística, presidida pelo bispo diocesano Dom Aloísio Alberto Dilli, aconteceu no salão do centro cultural do município e destacou a importância dos cuidados com a terra. Dois dos principais pontos tratados foram sobre a agricultura familiar e o combate à fome no país, com defesa de uma agricultura que respeite a vida e que tenha incentivos à produção de alimentos saudáveis.

Entre os romeiros estava o deputado Edegar Pretto (PT), que começou a participar da Romaria da Terra em 1982, ainda criança, levado pelo seu pai Adão Pretto (falecido em 2009). Com relevante atuação na pauta da agricultura no parlamento gaúcho, Edegar reforçou o papel da Romaria diante das dificuldades que o setor enfrenta no estado, principalmente pela maior seca das últimas décadas, em que mais de 420 municípios já decretaram situação de emergência e famílias ainda aguardam ajuda dos governos.

“A Romaria nos traz um belo momento de renovação da fé e do nosso compromisso de lutar por esses homens e mulheres que tanto precisam do poder público. A agricultura do Rio Grande do Sul pede socorro. A Romaria é também um momento de celebração e de reflexão da importância que esse setor tem, especialmente na produção de alimentos”, ressaltou Pretto, que coordena a Comissão de Representação Externa para acompanhar os impactos da estiagem no RS e a Frente Parlamentar em Defesa do Crédito Emergencial para a Agricultura Familiar, ambas instaladas pela Assembleia Legislativa.

Conforme Oldi Jantsch, agricultora e coordenadora da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o drama da estiagem e o abandono da agricultura familiar por parte dos governos motivaram as abordagens do evento. Ela explicou que é indispensável a preservação das sementes crioulas para enfrentar o atual momento de crises, bem como fazer investimentos na agricultura familiar, sobretudo para incentivar a juventude a permanecer no campo.

“Num gesto de solidariedade, nós guardamos sementes no freezer para garantir a continuidade da produção depois dessa seca horrível, em que muitos não conseguiram colher. Também debatemos com as famílias sobre a agricultura ecológica, envolvendo toda essa questão política e os maus-tratos à natureza. A CPT tem a missão de fazer com que nossos agricultores digam não aos venenos e aos transgênicos”, revelou.

O ex-governador Olívio Dutra chamou a atenção para a crise ambiental, principalmente neste momento histórico em que vive o Brasil. “Esse tema é fundamental num país como o nosso, que vem sendo agredido por uma política que é do interesse do grande capital e monocultura para exportação de produtos. Nós temos que produzir alimentos de boa qualidade e em abundância, sem dúvida nenhuma, mas sem veneno e sem concentração da terra nas mãos de poucos”, argumentou. Olívio também defendeu que os temas da agricultura familiar e ecologia estejam nos programas de governo daqueles que “efetivamente querem trabalhar para que o mundo seja de justiça, igualdade e fraternidade”.

Desde a sua origem, em 1978, esta é a segunda vez que o evento ocorre no Vale do Taquari – a primeira foi em 2005, em Cruzeiro do Sul. Ilópolis tem pouco mais de 4 mil habitantes e se localiza no principal polo ervateiro gaúcho. O município se destaca na atividade econômica, inclusive produzindo erva-mate orgânica. Por sua forte característica na pequena propriedade e produção de alimentos, foi escolhido para receber o evento religioso, que teve como tema “Agricultura Familiar e Agroecologia: Sinais de Esperança”. A organização foi da Regional Sul 3 da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Diocese de Santa Cruz do Sul.

Ainda durante a celebração da Romaria, foram lembrados nomes de pessoas assassinadas na busca por um país mais justo e sustentável, como a vereadora Marielle Franco, o ambientalista Chico Mendes, a missionária Dorothy Stang, a trabalhadora rural sem terra Roseli Nunes, entre outros. Ao final, teve benção dos alimentos e envio dos romeiros e romeiras, que levaram para casa uma muda de erva-mate como lembrança.

Participações

A Romaria da Terra reuniu lideranças de movimentos populares do campo e da cidade, além de políticos como o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Valdeci Oliveira (PT); os deputados petistas, Jeferson Fernandes, Sofia Cavedon, Elvino Bohn Gass, Dionilso Marcon e Heitor Schuch (PSB).

Texto: Leandro Molina (MTE 14614)