A cultura brasileira passa por um momento de imensas dificuldades. A sombra de um governo pautado por uma guerra cultural, que compreende artistas e fazedores de cultura como inimigos a serem silenciados e criminalizados, produziu o maior retrocesso institucional na gestão e criação de políticas culturais nas últimas décadas. A pandemia sobreveio criando enormes obstáculos para todos os brasileiros, porém para o mundo da cultura as dificuldades se abateram de modo ainda mais intenso, uma vez que a maioria de seus trabalhadores atuam desprotegidos de direitos trabalhistas.
O atual desmonte cultural é lamentável e cobra um alto preço dos brasileiros, pois desperdiça o potencial criativo existente em abundância na população e, ainda, elimina as possibilidades do setor cultural de contribuir decisivamente para a saída da crise em que o país se encontra e elas seriam muitas. O investimento em cultura seria uma das melhores alternativas para que o país pudesse se reerguer, levando em conta a necessidade que temos de geração rápida de empregos e de uma recuperação dos laços sociais com melhoria da autoestima coletiva.
Quando se aborda as políticas culturais é importante frisar que sua existência é dever do Estado para efetivar o direito à cultura expresso em nossa Constituição. Garantir condições para a criação, produção, circulação e fruição dos bens culturais é uma das obrigações governamentais, pois o impacto que o investimento em cultura possui para o aprofundamento da democracia e das liberdades, para o pleno respeito às distintas identidades individuais e coletivas e para formar condições de convivência social pacíficas são muito expressivas e necessárias. Embora, normalmente esse conjunto de benefícios seja pouco percebido pelos planejadores de políticas governamentais.
Durante a pandemia, o valor da cultura para o bem-estar comum ficou comprovado. Durante os momentos de isolamento social, foram as manifestações e objetos de arte e cultura que garantiram para milhões um senso de comunidade e a esperança da superação de um dos mais duros momentos de nossa história. No entanto, ao longo da pandemia ficaram evidentes as condições de trabalho precarizadas da maioria dos artistas e fazedores de cultura do país. Milhões de trabalhadores do setor perderam emprego e renda, causando uma emergência social inédita. Diante da calamidade, a falta de prioridade e investimento em um setor que possui tanta importância ficou bastante evidente, expondo a contaminação ideológica que corrói as estruturas públicas de cultura no governo federal, causando danos para a sociedade inteira.
Investir em cultura resulta em um impacto positivo para toda a sociedade. É um investimento financeiro bastante baixo em comparação com os gastos em outras áreas e todas as externalidades de apostar na cultura são positivas. Do ponto de vista econômico, o setor cultural é especialmente relevante na atualidade e um dos que possui mais futuro, por isso pode contribuir decisivamente para uma retomada do crescimento econômico com geração de emprego, inclusão social e proteção ambiental. De acordo com dados de 2019, o setor de cultura aporta quase 3% do PIB nacional e tem uma massa de quase 7 milhões de trabalhadores, é um ativo para qualquer processo de retomada pós-pandemia. É o que estão fazendo países que são potencias culturais como o Brasil: Reino Unido, França e Coreia do Sul apostam na cultura como um dos vetores de sua retomada.
A lei Aldir Blanc foi uma iniciativa para mitigar a situação em que o setor se encontrava. Proposta da deputada Benedita da Silva e encampada pela oposição, a legislação após sua aprovação destinou 3 bilhões de reais do “orçamento de guerra” para a aplicação por estados e municípios em cultura. Comparativamente com outros investimentos, é um valor bastante baixo. No entanto, os resultados falam por si: cerca de 700 mil pessoas tiveram recuperação de renda graças à lei e um acervo gigantesco de bens culturais foram concebidos e disponibilizados ao público.
Nesse momento, a Câmara dos Deputados está em vias de votar a lei Paulo Gustavo, iniciativa formulada pela bancada do PT no Senado, que poderá destravar 3,8 bilhões do Fundo Nacional de Cultura, que se encontram contingenciados pelo governo federal. Esses recursos podem hidratar a retomada do setor de arte e cultura num momento de saída da pandemia e contribuir para um ciclo virtuoso de retomada de políticas culturais para o país. O resultado da Paulo Gustavo pode ser ainda mais vistoso para o audiovisual, que irá receber grande parte dos recursos represados nos últimos anos no Fundo Setorial do Audiovisual, que poderá reverter o estancamento recente da produção fílmica no país. Aliás, o setor audiovisual, além da sua exuberância criativa, já contribuía mais para a economia em termos de empregos do que a indústria automobilística em anos recentes, demonstrando o potencial econômico que o investimento em cultura e arte possui.
Por isso, aprovar a lei Paulo Gustavo é essencial para que a produção cultural possa ser retomada no país. Diante de um governo anticultural, o parlamento pode assumir a tarefa de garantir os necessários recursos para que milhões de fazedores de cultura encontrem oportunidades e a possibilidade de expressar sua criatividade, garantindo que a população se beneficie amplamente dos resultados sensíveis desse investimento. A aprovação da lei Paulo Gustavo é uma iniciativa histórica para o setor cultural brasileiro e não há dúvidas de que a área de cultura é uma das que mais podem contribuir na formulação de um novo projeto de desenvolvimento para o país: arrojado, contemporâneo, sustentável e igualitário. Investir em cultura é necessário para o fortalecimento da democracia, da liberdade e para que o país reencontre o rumo da geração de emprego, renda e oportunidades.
Márcio Tavares, Historiador, curador de arte, gestor cultural. Doutor em Arte pela UnB e Secretário Nacional de Cultura do PT.